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Os
Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: janeiro a abril) por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de
Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de
que possuí extenso e brilhante currículo. Recorde-se que ainda há escassos anos
nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império
e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e
Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo
que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial
(1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum
investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o
distanciamento que impõe. Vamos esperar ansiosamente que o historiador leve a
bom porto o ciclópico trabalho.
Que ele nos oferece sobre estes primeiros meses de 1961,
graças a uma escrita incisiva, poderosamente didática, uma excelente tintura de
ambientes, uma rigorosa sequência cronológica, não é só o início da Guerra
Colonial, dá-nos em traços largos os prenúncios, a tímida preparação e
reajustamento das Forças Armadas para eventuais conflitos que desobedeciam
inteiramente a uma guerra convencional, sentimos a evolução africana e as
primeiras independências, seguimos para o Norte de Angola, somos apresentados
aos protagonistas, e entramos de supetão na rebelião da Baixa do Cassange, as
Forças Armadas irão ser confrontadas com as brutezas do trabalho forçado e da
exploração do indígenas na cultura do algodão, a resposta será brutal,
envolverá bombardeamentos aéreos; o Regime pretextará que se trata de ameaça
externa, incompatível com a sociedade multirracial que apregoava. Mas o
historiador explora outros objetivos associados aos acontecimentos da Baixa do
Cassange, da linha das crendices e feitiçaria.
O acontecimento seguinte, e estamos em fevereiro de 1961,
são os assaltos às prisões de Luanda, mais tarde, sobretudo o MPLA tentará
tirar dividendos da sua intervenção, o que não está comprovado. As autoridades
andam atarantadas, os tumultos de Luanda são contemporâneos da Revolta de
Cassange, acresce que estão presentes em Luanda repórteres internacionais, tudo
por causa do assalto ao paquete de Santa Maria, era suposto que se
encaminhava para Luanda. A reação da população branca aos assaltos às prisões
também foi brutal. O autor releva as peças documentais que evidenciam as
vulnerabilidades do poder colonial português. E é neste quadro que se dá a
insurreição armada no Norte, aí sob a égide da UPA. E mais uma vez somos
convocados para perceber as raízes da revolta, o Regime procura desenvolver a
ideia que havia uma conspiração internacional que atentava contra a perfilhada
ideia de coesão racial. Havia a exploração, sobretudo na cultura do café, a
documentação é exibida, mais uma vez a irrefutável exploração. E assim chegamos
a um caos sangrento, a uma matança bárbara, mais uma vez as Forças Armadas
ficaram confusas e as milícias civis envolveram-se também numa brutal resposta.
Sobretudo as confissões protestantes foram apresentadas como bodes expiatórios,
marcou todo o processo de repressão da rebelião. Tudo se vai agravar no Norte,
a resposta do envolvimento de contingentes militares metropolitanos chegara em
abril, as revoltas de Angola passarão a ter uma metódica resposta da
contraguerrilha.
Valentim Alexandre dá-nos as movimentações políticas em
Angola, as organizações dos brancos, a resposta dos meios económicos através
das suas associações e temos também o quadro das organizações políticas
africanas, uma síntese esclarecedora onde cabe o trabalho dos independentistas
do enclave de Cabinda.
Postos no terreno os elementos primordiais destes três
principais tumultos angolanos, o autor orienta-se para repercussões que eles
tiveram em Portugal. De novo somos levados para a arena internacional, os novos
países marcam presença na ONU e a nova administração Kennedy é manifestamente
anticolonialista, o regime de Salazar procura afanosamente aliados e apoios,
eles virão, mas serão modestos, abre-se é a janela para a compra de armamento e
equipamento, todo o apoio que vem da África Austral é recebido com cuidados, o
Estado Novo não quer aparecer nos meios diplomáticos como um aliado de
políticas racistas. É altamente esclarecedor este capítulo sobre a ação de Portugal
no quadro africano para ficarmos a perceber o isolamento da argumentação sobre
o Portugal multirracial. E assim chegamos a uma fascinante descrição dos
acontecimentos conducentes da Abrilada, um golpe palaciano que tinha o General
Botelho Moniz como figura de proa, prontamente sufocado, é a partir daí que
Salazar, em perfeita consonância com a cúspide das Forças Armadas se lança na
resposta para repor, ou tentar repor, a paz no Norte de Angola, é uma narrativa
só possível a um investigador que tem os dados rigorosos na mão e os expõe com
uma fluência de uma quase reportagem de aventura e ação. Não menos importante
são as conclusões que o autor apresenta neste seu primeiro livro no arranque da
Guerra Colonial. Logo o parágrafo de abertura: “Em começo de 1961, as revoltas
em Angola puseram fim ao mito da pax lusitana, segundo o qual o
colonialismo português, pela sua capaz de assimilação e de integração, mantinha
uma convivência fácil com os povos ‘indígenas’, sem problemas nem atritos de
maior. Na realidade, o mito só tivera um aparento fundamento durante um curto
período de quatro décadas, desde o fim das campanhas de ‘pacificação’, por
volta de 1920. As sociedades colonizadas por Portugal, nomeadamente as do
continente africano, atravessaram então uma fase de segmentação e atomização,
que lhes diminuíram drasticamente a capacidade de resistência”. Recapitulam-se
os dados essenciais dos três autos insurrecionais, dá-se conta da posição das
organizações políticas de Angola, não se descura o projeto imperial que vinha
antes do regime de Salazar, mas que este endeusou, tornou-o a construção
vertebral a que assentava a Nação, sem Império ficaríamos reduzidos a nada. O
autor lembra os movimentos subversivos por toda a África, a alteração radical
que se dera no ambiente internacional quanto à questão colonial e que a prazo
irá selar o destino do domínio colonial português.
Uma obra historiográfica incontornável, uma leitura imperdível.
Mário Beja Santos
Os 'desastres da guerra' provocaram, para lá da fronteira, as gravuras de Goya.
ResponderEliminarAcredito que seja um livro fascinante de ler.
ResponderEliminar.
Saudações cordiais
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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