quarta-feira, 16 de abril de 2025

terça-feira, 15 de abril de 2025

António Cirurgião: memórias literárias, musicais e políticas.





António Cirurgião é, além de amigo, um colaborador regular e já antigo deste Malomil. Textos preciosos, preciosos. Agora, pelas Edições Vercial, de Braga, dois livros da sua autoria, ambos à venda na Amazon:   

 

Memórias Literárias e Musicais

https://www.amazon.com/dp/B0F2SNBR1R


Memórias Políticas

https://www.amazon.com/dp/B0F1Y8HJS4

 

                                Parabéns ao Autor – Boa Páscoa para todos.


 


São Cristóvão pela Europa (306).

 

 

 

 

Kappeln é uma cidade portuária do Norte da Alemanha. Talvez devido à importância dos seus marinheiros, o seu brasão é dedicado ao nosso Santo. O Santo é ladeado por três arenques de cada lado.

 



 

 A farmácia Dehnthoftem tem, na sua fachada, um baixo-relevo de São Cristóvão:

 



A principal igreja local é dedicada a São Nicolau e foi reconstruida no estilo barroco no final do Século XVIII. No interior, uma estátua de madeira representa o nosso Santo.

 


 

Curiosamente o catavento da igreja é uma imagem de São Cristóvão. Só o meu amigo Vítor seria capaz de descobrir isto!... E lamento informar, mas não subi ao campanário para tirar as fotos… Excepção à regra.





Na zona pedestre da Cidade uma fonte mostra um mosaico da autoria da ceramista Debora Stock onde São Cristóvão surge em grande plano:

 



Flensburg é uma das cidades portuárias desta zona do Báltico. Teve um papel importante na História da II Guerra Mundial.

Adolf Hitler morre em 30 de Abril de 1945 nos escombros de Berlim. No seu testamento designa inesperadamente como seu sucessor como Presidente do III Reich o Almirante Karl Dönitz (1891-1980), em detrimento de Göring e de Himmler que advogavam uma paz separada a Ocidente.

O Almirante distinguira-se por defender consistentemente durante a guerra a importância do submarino como arma letal. Assumiu em 1943 o comando da Marinha de Guerra.

A 2 de Maio de 1945 o governo alemão instalou-se em Flensburg na Base Naval de Mürvik, na Escola de Desporto da Academia Naval Alemã.

Aí funcionou até 23 de Maio quando o último Governo do Reich foi aprisionado pelas tropas britânicas.

O edifício existe e ainda exibe a águia imperial. A suástica foi obviamente retirada.

 


Junto ao porto uma estátua de um São Cristóvão “laico” sem Menino Jesus e suportando um navio no seu ombro.

É em bronze, mede três metros e meio e é da autoria do escultor alemão Carl Lindner.

 


                                            Fotografias de 3 de Fevereiro de 2025.

                                                                             José Liberato




Há um segredo em Tomar que pode provocar um turbilhão na fé dos homens.

 

 

O thriller literário distingue-se perfeitamente das obras de crime e mistério e de espionagem, pode adicionar ao seu conteúdo crime e mistério e até práticas de espionagem, mas o que identifica este subgénero literário é a tensão à volta de um segredo muito bem guardado por agentes de bem ou maléficos, por organizações terroristas, por confrarias fanáticas, por serviços secretos, e muito mais. A matéria-prima mais manipulada no thriller literário é um problema histórico: um tratado de compra e venda de território que desapareceu no afundamento de um navio, um dado religioso suscetível de convulsionar crenças profundas, uma descoberta arqueológica terrestre ou subaquática com uma dimensão tal que pode levar ao confronto uma série de Estados; mas há também o thriller tecnológico, o thriller económico-financeiro e o que pode envolver o cataclismo termonuclear.

Nas últimas décadas, as livrarias aparecem enxameadas de títulos que ganham a dimensão de bestsellers. Houve Robert Ludlum, o criador de Jason Bourne, e que em 1976 escreveu um livro que envolvia dois gémeos à cata do segredo mais bem guardado do cristianismo, o túmulo de Cristo; houve Clive Cussler, um especialista em arqueologia subaquática, escreveu obras de suspense bastante originais, no tal arco da história à religião; e continua na ordem de dia Daniel Silva e é expectável que Dan Brown um dia destes apareça com um espetacular thriller tecnológico cujo ingrediente seja a inteligência artificial, ele que entreteve milhões de leitores em todo o mundo pondo Jesus casado com Maria Madalena, e deixando descendência implacavelmente perseguida por organizações apoiadas pelo Vaticano, com destaque para a Opus Dei.

O Segredo de Tomar, por Rui Miguel Pinto, Porto Editora, 2025, é um thriller histórico-religioso, rigorosamente pontuado pela organização do thriller: o capítulo inicial, suficientemente nebuloso mas apimentado com uma situação avassaladora, há mistério para desvendar; descrição de acontecimentos históricos, no caso a extinção da Ordem do Templo, havia que preservar um segredo que vinha das cruzadas a Jerusalém, o fundador da Ordem recebera a incumbência de Bernardo de Claraval para fazer pesquisas ali para os lados do Templo de Salomão e da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, um mensageiro do último Grão-Mestre vem até Tomar em 1307, o segredo está guardado; viremos a saber que existe uma sociedade secreta que ressuscitou a Ordem do Templo, não olham a meios para que o segredo não seja desvendado, será o caso de terem assassinado uma famoso medievalista português que estava perto de o desvendar; são capítulos muito curtos, as subtilezas literárias reduzidas ao mínimo, vamos percorrer variadíssimos domínios, entre Portugal e França, Tomar começa por ter a fatia de leão, na região da Champanhe, em Payns, está ativa a sociedade secreta, usa da falta de escrúpulos para envolver um outro medievalista português, Jaime Morais, para este chegar ao segredo de Tomar; os filhos do Augusto Sousa, um outro medievalista assassinado pela organização fanática, irão estar ativos do princípio ao fim; e se é fundamental que o thriller mantenha um ritmo trepidante, vamos começar em finais de setembro e não haverá parança, vão entrando em cena personagens como um perito em paleografia, haverá muita atividade no Convento de Cristo, um comprador de documentos antigos obtém documentos relativos à Ordem do Templo que irão pôr a sociedade secreta em sobressalto, o professor Jaime Morais irá levar um grupo de alunos para uma atividade sigilosa em Santa Maria dos Olivais…

E para não querer tirar o fôlego e desvelar mais histórias sobre o segredo de Tomar, posso dizer sem qualquer hesitação que este primeiro livro de Rui Miguel Pinto cumpre cabalmente a função de entretenimento, tem todos os artifícios que competem ao thriller, desde aquela frase que pode ser Altar de Monte Santo e que o jovem Miguel, filho de Augusto Sousa, dotado de mente ágil e boa estrutura cultural, logo percebe para onde deve encaminhar a investigação, sempre açulado pelos fanáticos da sociedade secreta, na Capela de Santa Maria do Castelo, em Monsanto, descobre-se mais um elemento que introduz uma reviravolta na trama; obviamente que tem que haver tiros, raptos e reféns, envolvimento de polícias, não faltarão mortos e feridos, fatal como o destino acendem-se e reacendem-se amores, há mesmo um bocadinho de sexo, o autor já capturou o leitor compulsivo, com estrépito caminhamos para o território do desfecho, não falta a caça ao homem, haverá mesmo choro e ranger de dentes quando o chefe da organização fanática descobre que o segredo de Tomar estava ali à mão de semear. Como é do uso e costume, mesmo com o corte de alguns dedos, tudo está bem quando acaba bem. Mas há sempre uma névoa, há pontos que ficam mal-esclarecidos. E ainda bem.

E o que é desencadeando em 27 de setembro tem o seu momento de clímax no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, já estamos em outubro, mais adiante ficamos a saber que há séculos, noutro local, há homens vigilantes para que o mais temível segredo do cristianismo não seja desvendado.

Mesmo sabendo que o argumento só tem originalidade de envolver Tomar e tomarenses, diga-se de passagem, de garbosa compostura, que já apareceu noutros livros, na televisão e no cinema, se é verdade que esta investigação tem conclusões que só surpreendem quem ainda não leu outros saberes assim tão bem guardados, não é demais exaltar esta promissora estreia, em torno de ficcionados mistérios templários, trata-se de um segredo que pode abalar os alicerces do cristianismo.

Que os leitores devotos dos segredos templários não se ponham a imaginar que para além da ficção é possível andar a escavacar os nossos monumentos nacionais, são os nossos melhores votos. 


                                                            Mário Beja Santos




Usbequistão, encruzilhada de civilizações (23).

 

 

 

Khiva tem diversos monumentos notáveis.

Entre eles, o Mausoléu de Paklavan Mahmoud (1247-1322), lutador de luta livre, professor sufi, poeta e filósofo. O Mausoléu original era do tempo de Tamerlão, mas na sequência de várias destruições o actual é do Século XIX.

 




Contudo, o monumento mais extraordinário de Khiva é seguramente a Mesquita Djouma. Djouma significa sexta-feira em usbeque.

Construída no Século X foi completamente refeita em 1788.

O interior é constituído por uma vasta e espectacular sala única cujo tecto é suportado por 213 pilares de madeira, fazendo mesmo lembrar a mesquita catedral de Córdova.

 





                                 Fotografias de 3 de Outubro de 2024

                                                                      José Liberato

terça-feira, 8 de abril de 2025

São Cristóvão pela Europa (305).

 

 

 

Entre 1 e 4 de Fevereiro últimos estive na Alemanha mais propriamente no Estado de Schleswig- Holstein que, em grande parte, pertenceu em tempos ao Reino da Dinamarca.

Cheguei à Alemanha, ao porto de Heiligenhafen, por via marítima, vindo da Dinamarca num trajecto muito calmo, numa tarde tranquila de Inverno no Mar Báltico.

 


 

Heiligenhafen situa-se na ponta da península de Wagrien.

Na cidade sobressai a Stadtkirche ou Igreja Matriz Protestante, construída no Século XIII num estilo de transição entre o românico e o gótico e depois sofrendo múltiplas transformações ao longo da História. É hoje uma igreja luterana. No seu interior, uma imagem de São Cristóvão do início do Século XVI. É em madeira e mede quase três metros de altura.

 



Rendsburg é uma cidade fortificada que se situou durante séculos na fronteira Sul da Dinamarca.

A igreja de Santa Maria foi erigida por volta de 1300 num estilo gótico tardio depois de a anterior igreja ter ardido em 1286. Mantem o aspecto de uma igreja católica apesar de estar entregue ao culto luterano desde que o Duque de Schleswig-Holstein, e depois rei da Dinamarca e da Noruega, Frederico I ter aderido à Reforma.

O tecto é ornamentado com frescos do Século XIV. O nosso Santo está representado.

 



A cidade de Schleswig, sede do ducado do mesmo nome, situa-se no extremo do fiorde de Schlei. A sua existência está documentada desde o Século IX, tendo sido povoada por comunidades viking.

Foi e é sede episcopal.

A catedral, hoje luterana, de São Pedro é mencionada pela primeira vez em 1134, é um dos principais monumentos do Estado de Schleswig- Holstein e ocupa um lugar especial na História partilhada entre a Alemanha e a Dinamarca.

No interior, uma bela estátua da oficina Hans Brüggemann, já anteriormente aqui citado. Tem cerca de quatro metros e meio de altura e foi realizada no primeiro quartel do Século XVI, imediatamente antes da Reforma.

Outra peça importante é o chamado Altar de Bordesholm, da autoria de Hans Brüggemann, esculpido em madeira de carvalho e contendo cerca de 400 figuras.

 




                                                    Fotografias de 1 e 2 de Fevereiro de 2025

                                                                                         José Liberato



segunda-feira, 7 de abril de 2025

Os direitos que fazem mover a cidadania no quadro do desenvolvimento humano.

 


Partindo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pedra angular do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, padrão referencial para todos os povos e nações, Francisco Bethencourt elabora um admirável ensaio onde irá pôr em ecrã gigante as diferentes peças do motor em que arrancou o funcionamento das liberdades, direitos e garantias que são a matriz das democracias – Fundação Francisco Manuel dos Santos, maio de 2003.

Em jeito de preâmbulo, dirá que o debate sobre os Direitos Humanos e a sua história pode ser abordado em torno de quatro perguntas: existia uma base anterior universal de respeito por estes direitos?, que contexto histórico permitiu a emergência do conceito de tais direitos?, e como é que eles têm sido contestados ou utilizados pelos diversos poderes mundiais? e, por último, como são eles apropriados, defendidos e alargados?

Entrando na problemática da cidadania e direitos cívicos, recorda-nos que esta noção aparece ligada ao reconhecimento de pertença a uma comunidade urbana, era uma noção predominantemente local. Para apreciar a sua evolução, é de pôr o acento tónico no sistema político europeu do século XIX, como da colonização se passou para a condenação da escravatura, como se foi gradualmente caminhando para o direito à liberdade de opinião, de expressão e de associação. Em sequência, vai pôr em revista o tema da colonização, os valores imperiais preponderantes, e observa que o colonialismo teve um enorme impacto em direitos básicos que não estavam formalizados ao nível internacional, mas que eram compreendidos e praticados. “A crescente mercantilização do ser humano, enquanto objeto do sistema de plantação criado no Atlântico, é um dos resultados da colonização. As consequências da expansão europeia são visíveis nas teorias das raças e na divisão internacional do trabalho, que deixaram traços até aos dias de hoje, com enorme impacto nos direitos civis.”

São essas as visões sociais que porá em análise, destacando a escravidão. “A abolição da escravatura pode ser considerada o primeiro grande desafio de construção de direitos humanos ao nível do globo. O abolicionismo colocou a noção de dignidade humana no centro do debate político, noção que permitiu dar voz ao descontentamento de camadas sociais oprimidas em todo o mundo, tendo alimentado poderosas revoltas na China e no Sudeste Asiático, bem como os movimentos anticoloniais que se sucederam na Ásia e em África ao longo dos séculos XIX e XX.” Da escravidão passamos para a barbárie, recorde-se que as potências colonizadoras conferiam-se ao direito de se autoproclamarem civilizadoras de outros povos. Quem fala em barbárie fala em doutrinas raciais, discriminação com base em supremacia do branco, de determinado credo religioso, de supostos atributos culturais étnicos, daí haver um compêndio de raças humanas que tinha no seu topo uma unidade social de cariz étnico que podia marginalizar, perseguir e até mesmo exterminar minorias racializadas, o autor recorda que continua a haver grupos de excluídos, particularmente na Ásia e África.

Continuam a pesar as divisões no género, o peso preponderante vai para as mulheres, sujeitas a subordinação ao homem, até salário inferior ao do homem, tudo produto de uma milenária divisão homem/mulher; no quadro democrático tem havido uma evolução para o direito ao voto feminino, ganharam direito as minorias de comportamento sexual alternativo.

Os Direitos Humanos deram um salto com o processo da descolonização, que tem conhecido várias etapas desde as independências no Novo Mundo e da Revolução Americana, a fragmentação do império otomano, o ciclo de independências na Europa durante e a seguir à Primeira Guerra Mundial, o colapso dos impérios europeus e japonês na sequência da Segunda Guerra Mundial e a desagregação do Império Soviético. “Estes processos de descolonização permitiram a criação de mais de cem novos países, que passaram a fazer parte das Nações Unidas, respondendo ao princípio de autodeterminação dos povos.” É neste contexto que se pode e deve apreciar os efeitos da desintegração da União Soviética e a invasão da Ucrânia pela Federação Russa e acontecimentos asiáticos como o Tibete que proclamou a independência em 1911, mas acabou por ser anexado em 1950 pela China.

Há ainda outros três domínios dos Direitos Humanos abordados pelo autor: as migrações internacionais, os direitos económicos e sociais e os direitos ambientais. As migrações podem reportar-nos à imigração e ao quadro ideológico da contestação da imigração poder pôr em causa valores soberanos e culturas nacionais, de um modo geral uma bandeira contestatária de ultranacionalistas e apoiantes do racismo. Como observa o autor, “a livre circulação de pessoas no mundo é um ideal que está longe de ser partilhado por um grande número de pessoas dos países desenvolvidos. Contudo, o bloqueio à imigração conhece limites, pois, se existe necessidade económica, o movimento de pessoas não tende a diminuir. O respeito pelos Direitos Humanos é confrontado pelo tráfico de migrantes, pelas máfias locais de exploração de trabalho clandestino e por políticas de Estado que se tornam cada vez mais perversas.

O largo espetro de direitos económicos e sociais prende-se com a intervenção do Estado, sensível aos direitos sindicais, da alimentação ou habitação, de cuidados médicos e assistenciais, à livre escolha de emprego, na repressão das violências, a começar pela doméstica, bem como o respeito pelo direito de decisão individual e controlo do próprio corpo. Temos, enfim, os direitos ambientais, já que nas últimas décadas se agravaram as formas de poluição acompanhadas de alterações climáticas e contaminações da natureza. “A perceção de uma natureza em alto risco, com danos já irreparáveis, é agora aceite pela maior parte da população depois de uma guerra ideológica suscitada pelos interesses económicos estabelecidos, baseados num modelo de desenvolvimento, de exaustão e contaminação dos recursos.” E recorda-se que este direito ao ambiente tem vindo a ser impulsionado depois da década de 1970. Este direito “resulta de uma nova sensibilidade face à destruição da natureza que coloca em risco a espécie humana. O modelo de desenvolvimento extrativista – que transforma a natureza num mero recurso para a produção e o consumo maciço, com uma manipulação química que altera o metabolismo dos animais – reduz de forma radical a diversidade biológica, destrói os ecossistemas e torna o planeta inabitável. Estes direitos visam criar um novo modelo de desenvolvimento sustentado, que recuse a energia dos combustíveis fósseis, bem como a contaminação dos mares e das águas, do solo e do subsolo, ou seja, de toda a cadeia alimentar.”

Como mensagem final, Francisco Bethencourt observa que “É o caráter interligado e aberto dos diferentes direitos que vai certamente prevalecer no futuro, como suporte das mudanças necessárias para a redução das desigualdades e a afirmação da justiça social no seio de cada sociedade e entre sociedades.”

De leitura mais do que obrigatória. 


                                                                        Mário Beja Santos




domingo, 6 de abril de 2025

Elon.

 

Busto de Elon Musk,
 inagurado em 2024 na autoestrada 4 junto a Starbase em Boca Chica, no Texas




sábado, 5 de abril de 2025

A Brown University e os cortes de fundos federais.

 




Tenho sido bombardeado com perguntas sobre as notícias divulgadas pela imprensa sobre as ameaças de cortes de fundos federais à minha alma mater, a Brown University. O primeiro alvo foi a Columbia University, depois Harvard e agora Brown. Como o New York Times é só para assinantes, vai aqui a notícia publicada no jornal diário da Brown, o Brown Daily Herald, 

As razões apresentadas são simplesmente ridículas e seguem as regras do costume: dar a volta à realidade e noticiar como convém, usando a linguagem que a gente do MAGA gosta e aplaude.

Em 53 anos de vida na Brown, nunca vi nenhum anti-semintismo. O que sempre presenciei foi uma notoriamente larga presença de professores e alunos judeus, bem como de administradores. É assim em todas as Ivy Leagues e na maioria das grandes universidades americanas. Claro que há um grupo ativo anti-Netanyahu e pró-palestiniano, mas isso não significa anti-semitismo. De qualquer modo, no ano passado os 100 alunos (100 apenas entre 10 mil) que acamparam no Brown Green, a praça central da universidade diante do edifífico da reitoria, exigindo que a Brown retirasse os investimentos nalgumas firmas israelitas, acabaram negociando um acordo. Se se recordam, contei aqui como me reuni com cinco alunos do grupo de liderança (eram meus alunos no University Course) e como lhes recomendei calma, diálogo e busca de uma situação de compromisso (compromising em inglês é diferente, significa "ambas as partes chegarem a um acordo").

No fundo, do que se trata é de um ataque às melhores universidades acusando-as de elitismo, uma maneira de atacar a investigação científica nas áreas em que Trump não está interessado, inclusive as áreas da saúde.

Se quiserem ver a reação da corporação (o órgão que supervisiona  o governo da universidade, formada por gente eleita mas que não trabalha na universidade), aqui vai:

https://mail.google.com/mail/u/0/#search/Brown+freedom/FMfcgzQZTzXvHcqzrPnfvfTBTHJVScXw

 

Tal como disse há tempos, a procissão ainda vai no adro.

 

                                                                    Onésimo Teotónio de Almeida





sexta-feira, 4 de abril de 2025

Usbequistão, encruzilhada de civilizações (22).

 

 

 

A exemplo de Boukhara, um dos monumentos mais importantes de Khiva é a fortaleza.

Denominada de Koukhna Ark na língua usbeque, tem fundações do Século V e muralhas acrescentadas ao longo dos séculos.

Foi a residência principal dos khans de Khiva, um refúgio fortificado para tempos de incerteza.

 







 

 

A antiga religião de Zaratustra, o Zoroastrismo, foi predominante na Região e, em especial na Pérsia, até às invasões árabes. Aqui acredita-se que o profeta teria nascido em Khiva no Século VII antes de Cristo. Zaratustra foi um percursor lançando conceitos como o monoteísmo, o Céu e o Inferno ou o livre arbítrio.

Ainda hoje permanecem vestígios dessa influência como é o caso de uns azulejos verdes em forma de laço muito presentes na arquitectura de Khiva. Representam o lema fundamental do zoroastrismo: Bons pensamentos, boas palavras, boas acções.

 




                                 Fotografias de 2 e3 de Outubro de 2024

                                                                        José Liberato



quinta-feira, 3 de abril de 2025

Um comandante do PAIGC, o homem dos mísseis Strela e de Guidaje, vem depor para a História.

 



 

Tirando o acervo documental, felizmente e em grande parte conservado e tratado, de Amílcar Cabral, para além das suas obras de cariz ideológico na luta anticolonial e como líder revolucionário, restam-nos poucos depoimentos de responsáveis do PAIGC, tanto no que se refere ao período da luta armada como nos tempos posteriores. Há uma primeira obra de Aristides Pereira, para a qual concorreu Leopoldo Amado, uma segunda também deste alto dirigente entrevistado pelo jornalista José Vicente Lopes, desta feita mais disponível e quebrando sigilos do passado; há o testemunho de Luís Cabral sobre a obra do irmão, a par do seu percurso dentro do PAIGC, biografia e hagiografia; temos igualmente testemunhos de dirigentes ou quadros do PAIGC de origem cabo-verdiana ou guineense, mas o cabal esclarecimento que comportam é diminuto, alguns deles  têm até a particularidade de serem de pura vanglória ou procurarem trazer justificação às tragédias de governação a partir de 1974 (das quais eles não têm qualquer responsabilidade).

O que Rosário Luz vem procurar neste trabalho biográfico (ou autobiográfico?) sobre Manecas Santos é procurar revisitar a viagem de uma sigla, revelada efémera, sobre a unidade Guiné-Cabo Verde, contando com um ator de eleição, o então jovem cabo-verdiano Manuel Maria Monteiro Santos, nascido na cidade de Mindelo, em ambiente burguês, tendo estudado em Lisboa e daqui partido para a luta, preparando-se em Cuba, e depois, degrau a degrau, galgando a hierarquia e assumindo responsabilidades nomeadamente no período histórico de 1973, quando o aparecimento dos mísseis Strela abanaram fortemente a última supremacia que restava às Forças Armadas na Guiné; viagem que se prolonga com o seu desempenho no poder do Estado, como chegou a ministro da Economia e das Finanças e vem agora depor sobre o colapso do Estado. Temos, pois, Manecas Santos na primeira pessoa, em jeito de prólogo fala da sua chegada à Guiné em 1968, como fez a tarimba, com quem combateu e aonde, em 1971 passa a ser comandante de um corpo de Exército e no ano seguinte, tendo voltado de treinos em antiaéreos na Crimeia, irá assumir o comando militar na frente norte.

Fala-nos do Mindelo, da família e do meio; concluído o liceu em S. Vicente, vem para Lisboa, estuda na Faculdade de Ciências, refere-nos os estudantes africanos, em 1964 parte para Paris, daqui segue para Argel, depois Havana, confessa que a intensidade do treinamento físico foi implacável e que, fisicamente, a guerra na Guiné não foi mais do que um passeio. Descreve o Exército de Libertação e como ele foi concebido por Amílcar Cabral. “Cabral cuidava pessoalmente da formação de todas as unidades do Exército. Era ele quem escolhia o comandante, o segundo oficial e organizava toda a estrutura. Apesar da sua baixa estatura, emanava autoridade, e quando era necessário impor-se, fazia-o sem titubear. No entanto, possuía uma natureza afável e um trato agradável. Mantinha uma relação de extrema proximidade com os soldados, chamando cada um pelo nome e visitando frequentemente as bases para verificar o andamento das operações.” Menciona o recrutamento dos guerrilheiros, como o trabalho de mobilização foi encetado no Sul. Alude à organização tanto do Exército como o papel das milícias, o apoio dado pela União Soviética, observa a importância da medida tomada no I Congresso em que o poder miliar ficou subordinado ao poder político. E deixa-nos uma descrição detalhada de como se processou a guerrilha na Guiné, esta foi o palco das mais violentas das guerras coloniais. É neste preciso instante que Manecas Santos nos traz a primeira inverdade: em meados de 1968, cerca de dois terços do território já estavam sob a administração do PAIGC.

Há cerca de 18 anos à porfia no que concerne a História da Guiné Portuguesa e a História da Guiné-Bissau, tenho-me deparado com mitologias e mentiras cujos autores teimam em franco despudor reincidir. O doutor Carlos Lopes, a quem devemos estudos de alto significado, escreveu que na Operação Tridente o PAIGC tinha abatido 500 militares portugueses; o historiador português Rui Ramos veio dizer que em 1970 o PAIGC tinha sido sustido, já não tinha bases na Guiné, vinha do exterior, flagelava e retirava – pergunta-se como é que é possível uma tirada destas quando possuímos a história das campanhas da Guiné que demonstram inequivocamente que nesse ano de 1970 íamos aos mesmo santuários em que PAIGC estava instalado há anos, e com pouco sucesso.

Inevitavelmente, falará da operação de cerco a Guidaje e da resposta das tropas portuguesas enviando um batalhão de comandos africanos até uma base do PAIGC em Cumbamory. Dirá: “Sofremos baixas absolutamente negligenciadas: cinco feridos e nenhum homem morto. O exército colonial sofreu baixas pesadas. O adversário deixou 16 cadáveres em campo, todos de comandos africanos.” Desse-se Manecas Santos ao cuidado de investigar o que sabemos sobre tal operação, teria ido ao Arquivo da Defesa Nacional, onde existe um registo das transmissões portuguesas que interferiram nas transmissões de Cumbamory para Conacri, onde se diz abertamente que as forças do PAIGC tiveram um número de mortos superior a 60…

Quanto ao assassinato de Cabral, é contido, não fala nem na PIDE nem em Spínola, dirá que foi praticado por ilustres desconhecidos, está certamente esquecido que o embaixador de Cuba em Conacri, Oscar Oramas, chegou pouco depois ao local do crime, e escreveu mais tarde que viu Osvaldo Vieira, entre outros, a esconder-se atrás da vegetação; acontece que esses ilustres desconhecidos ameaçaram todo o grupo cabo-verdiano de morte, deram-lhes ordem de prisão, enquanto se dirigiam para Sékou Turé. Acontece que não existe nenhum documento que comprove qualquer propósito de Spínola ou da PIDE para induzir tal assassinato. Mas convém deixar sempre no ar de que o complô tinha o braço longo de Spínola e dos seus infiltrados.

Reconheça-se a importância do seu depoimento na época do pós-Cabral, dá-nos um retrato da multiplicidade de contradições dentro do PAIGC e da sua ocupação do Estado, relata o definhamento ideológico, fala da sua atividade como ministro e quantos aos fuzilamentos praticados pelo PAIGC, dirá algo de surpreendente, que talvez por volta de 1976 Luís Cabral jantou com Ramalho Eanes em Belém, e este ter-lhe-á pedido que fossem devolvidos a Portugal antigos efetivos do exército colonial, Cabral Terá concordado, convocou altos responsáveis, entre eles António Alcântara Buscardini, chefe dos Serviços de Segurança do Estado e este, com toda a desfaçatez informou Cabral que os soldados não podiam ser devolvidos porque já tinham sido executados, tinha tomado individualmente tal decisão, Cabral engoliu a afronta. A história seguramente estará na desmemória de Manecas, haverá fuzilamentos, que estão devidamente registados até dezembro de 1977, e há que perguntar como é que é possível um chefe de segurança andar a praticar matanças sem o presidente saber. Nino Vieira será uma rábula parecida depois de 14 de novembro de 1980, manda abrir as valas de gente executada, ele que era primeiro-ministro, também não sabia…

Um testemunho para juntar ao de outros líderes do PAIGC, impõe-se como um retrato fiel do desmoronamento do Estado, onde Manecas Santos foi elemento preponderante. 


                                                        Mário Beja Santos