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num dos seus primeiros posts, este blogue falou do casal Wagner, que todos os anos
tirava uma fotografia sua e a enviava aos amigos, como cartão de Boas Festas. Anos
seguidos, de 1909 a 1942. Muitas
outras histórias dessas têm aparecido por aqui, como a das Irmãs Brown, que
desde 1975 se fazem retratar em grupo. A nossa convidada de hoje, Lucy Hilmer, começou o ritual aos 29
anos, no dia do seu aniversário. Fotografou-se há décadas vestida apenas com um
par de cuecas, umas meias e sapatos. E assim seguiu pela vida fora. A cada dia 22 de
Abril, ano após ano, fotografa-se da mesma maneira. Com o avançar do tempo,
apareceu um homem na fotografia e na sua vida. Depois, um bebé, que mais tarde se torna uma menina. De seguida é já uma adolescente, que depois abandona a série, para
o casal reaparecer a dois, grisalho e de mãos dadas à beira de uma estrada. Na
última, surge Lucy sozinha, sem que saibamos porquê. Para o ano, fará 70 anos.
Talvez
no corpo de Lucy Hilmer se notem as marcas da erosão do tempo. Em contrapartida, e por mais
perfeitas que sejam, as imagens fotográficas nunca conseguirão alcançar o que esta mulher
terá ganho em sabedoria e em experiência. Pelo menos, Lucy não perdeu uma coisa:
o imenso íntimo querer de se apresentar assim ao mundo, desta forma inocente, desprotegida.
«Da maneira mais vulnerável possível», diz ela. Assim o quis em 1974,
assim continua até hoje. Entretanto, Lucy Hilmer morreu – melhor dizendo, uma
parte dela. Morreu a idade jovem e a firmeza dos seios, morreu a criança que o marido trazia nos braços e hoje é já uma adulta, morreram quarenta anos. «É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte
dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da
morte!», escreveu Séneca, há muitos anos, tantos que fazem séculos. Disse-o num tempo em que não existiam
máquinas de fotografar, mas em que a sabedoria humana era igual ou maior
daquela que hoje temos.
Lucy Hilmer certamente cresceu em maturidade e experiência.
Evoluiu mais ela no tempo de uma vida do que a Humanidade inteira desde os
tempos de Lucílio Séneca. Certezas,
não temos. Só uma, inevitável: a mostrar estas imagens, também o
Malomil envelhece, assim como quem o escreve e quem agora o lê, neste preciso instante − que, aliás, acaba de passar.
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