segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

O pianista Sequeira Costa (1929-2019) e reminiscências musicais.

 




Pela segunda semana do meu primeiro ano de seminário, fui um dos quatro ou cinco seleccionados, entre uns oitenta e tal alunos, aproximadamente, todos primeiranistas, para aprender a tocar piano, a fim de a Congregação Salesiana poder contar sempre com um número razoável de clérigos, padres e coadjutores devidamente habilitados para desempenharem o importante e nobre papel de futuros mestres de canto coral, de mestres de banda, de pianistas, de organistas e de professores de música nos seminários menores e maiores e nos colégios.

Como a frequência de qualquer conservatório estava fora de questão, para evitar, a todo o custo, por princípio e tradição, expor os futuros mestres e professores aos meios mundanos, supostamente perniciosos à sagrada vocação religiosa, não é preciso dizer que, salvo raríssimas excepções, a competência dos mestres e professores de música era de uma mediocridade gritante e confrangedora.

A referência às “raríssimas excepções” baseia-se no facto de, por um feliz acaso, aparecer, lá muito de longe em longe, uma rara avis, quer dizer, um seminarista com dotes tão extraordinários para a música e por ela tão apaixonado, que, por si só, num golpe de auto-didactismo exemplar e quase miraculoso, conseguia aprender a tocar plausivelmente bem os instrumentos musicais, tais como o piano e o órgão, e aprender os princípios fundamentais da composição, a ponto de vir a ser capaz, não só de fazer arranjos musicais, tais como transformar um canto a uma voz num canto a duas, três ou quatro vozes, ou transformar um acompanhamento difícil num acompanhamento fácil, mas até de ser capaz de compor uma peça de música original.

Perante essa vocação para a mediocridade, por parte da instituição religiosa, chegou o momento em que dois dos cinco seminaristas, já estudantes do primeiro ano de Filosofia (1952-53), literalmente envergonhados da triste figura que faziam quando eram obrigados a acompanhar ao órgão as missas destinadas a um público em que certamente havia fiéis com elevada formação musical e habituados a assistir à ópera, a recitais ou a concertos dados por grandes músicos profissionais, dois dos cinco seminaristas (os outros três tinham voltado para a ... mais apetitosa vida do século), repito, encheram-se de coragem e fizeram ver ao padre superior do seminário maior – Instituto Filosófico Salesiano do Estoril - que, uma vez que não os deixavam frequentar o conservatório, pelo menos lhes contratassem um competente professor de piano que lhes desse uma ou duas lições semanais. Advogaram tão vigorosamente a sua causa, que o padre superior, embora com certa relutância, decidiu contratar um professor de piano, digno de tal nome.

Chamava-se Doria Meunier; era de origem francesa; e era um estupendo pianista, de cujo currículo constava que tinha sido, durante vários anos, pianista do transatlântico português Santa Maria e que muitos dos seus concertos eram transmitidos pela Emissora Nacional, a que nós, seminaristas, raramente tínhamos acesso, e, sempre que isso acontecia, era com o beneplácito expresso dos superiores e sob a sua superior supervisão. Porém, manda a verdade que se diga que, como professor de piano, Doria Meunier era a incompetência em pessoa.

A ver se me explico por meio de exemplos. Chega a primeira aula de piano e que faz o professor Meunier? Senta-se ao piano e diz-nos que reparemos como ele executa a célebre Marcha Fúnebre de Chopin. Quase transfigurado, como muitos dos artistas possuídos do daimon de Sócrates, de que fala o divino Platão, toca essa sublime sonata, totalmente de cor, e no fim, a suar por todos os poros, enquanto limpa o rosto a um lenço vermelho, pede-nos os aplausos que nós ambos, como qualquer apreciador normal, não lhe podíamos regatear.

Feito um breve intervalo, para repouso do artista, pede-nos que reparemos se a peça que ele vai executar não é obra de outro génio da música. E, proferidas estas palavras, executa, com o mesmo furor daimónico, a Appassionata de Beethoven, sem sequer abrir a partitura. Entusiasticamente aplaudido por nós, que fez ele, após uns minutos de descanso? Quando imaginávamos que nos ia mandar sentar ao piano, um após outro, e nos fazia tocar um ou dois exercícios de Czerny e um ou dois andamentos das Sonatinas de Clementi ou de Kuhlau, para verificar a posição dos dedos, por exemplo, e para avaliar o nosso nível musical, como aprendizes de piano, que é que fez o nosso indigitado mestre de piano? A propósito da famosa sonata de Beethoven que ele acabara de tocar magistralmente, falou-nos, em bastante pormenor, com visível entusiasmo, de um jovem músico português, menino-prodígio, chamado Sequeira Costa, o qual, em plena adolescência, cometera a proeza de dar um recital de piano em que executou de cor todas as sonatas de Beethoven, o que lhe valera a recepção de um prémio muito especial e a fama imediata.

Depois de nos maravilhar e de nos deixar embasbacados e deslumbrados com a narração dos êxitos fulgurantes e retumbantes desse pianista prodigioso que, desde criança, demonstrara um talento tão extraordinário para o piano, que, aos oito anos de idade, deixou Luanda, onde nascera, em 1929, para ir para Lisboa estudar com o famoso pianista e mestre Vianna da Motta, o nosso novo professor de piano, executou, com o maior vigor e brilhantismo, a Polonaise Heróica de Chopin e deu por finda a lição.

Daí a dias, Doria Meunier voltou para nos dar uma segunda lição de piano, sensivelmente nos moldes em que nos dera a primeira. Tocou ele e nós não tivemos outro remédio senão ouvi-lo e aplaudi-lo. A partir desse momento, o nosso famoso e putativo professor de piano passou a mandar-nos um filho dele, o qual pouco mais sabia que nós e, quanto a competência didáctica, era mais ou menos o retrato do pai, fazendo jus ao velho adágio: tal pai, tal filho.

Quando o Padre Director nos perguntou, passado algum tempo, se gostávamos do professor de piano, tivemos que lhe confessar, com toda a sinceridade, que sim e que não. Convidados a explicar-lhe esse aparente paradoxo, não tivemos outro remédio senão fazê-lo. Perante esse facto, o Padre Director apenas nos disse que a Ordem era pobre e que não dispunha de dinheiro para gastar com professores desses: que nos contentássemos com a prata da casa, isto é, com o professor que tínhamos, o qual não passava de um pobre amador, mas que tinha competência suficiente para nos ensinar o indispensável, garantia ele a pés juntos, a fim de podermos acompanhar, atabalhoadamente, ao órgão as missas cantadas e acompanhar ao piano os cantos e as operetas, por ocasião das muitas festas em que a Congregação Salesiana era pródiga.

Conclusão. Para nossa frustração e tristeza, a nossa modesta e legítima aspiração a uma formação pianística elementar não encontrou quem podia e devia remediá-la.

Voltando ao grande pianista português Sequeira Costa, vou contar brevemente o que aconteceu em 1981. Ocupando, desde 1976, o prestigioso cargo de Cordelia Browm Murphy Distinguesd Professor of Piano na Universidade de Kansas, em Lawrence, tendo renome internacional e tendo dado concertos de piano a solo e concertos com grandes orquestras através do mundo e nas salas de música mais célebres, em Fevereiro de 1981 pôde finalmente realizar um dos seus sonhos, que é o de todos os grandes pianistas do mundo inteiro. Com o patrocínio do Consulado-Geral de Portugal de Nova Iorque, da Câmara do Comércio Luso-Americana da mesma cidade e da Fundação Calouste Gulbenkian, Sequeira Costa deu um concerto de piano a solo na lendária Carnegie Hall de Nova Iorque.

           Não é necessário dizer que, tal como outros carolas de outros estados próximos de Nova Iorque, com a velha Pátria sempre na mente e no coração, o Cônsul Honorário de Portugal em Connecticut e o abaixo-assinado fizeram o máximo de publicidade entre a vasta comunidade luso-americana para levar um bom contingente de espectadores a esse auspicioso concerto. Além da publicidade feita, eu, por exemplo, por minha parte, orgulhoso por poder mostrar à América que em Portugal também havia grandes pianistas e se fazia, embora em tom menor, alta cultura musical, convidei quatro casais amigos, da minha universidade, sabendo de antemão, por experiência própria, que todos tinham considerável formação musical e apreciavam a grande música romântica, especialidade de Sequeira Costa.  

          Para minha desagradável surpresa, eterno optimista, a celebérrima Carnegie Hall estava muito longe da enchente esperada.

         Como é natural, o pianista esteve à altura do prestígio de que gozava através do mundo, ou, como diria o meu amigo Manuel Gaspar, não deixou os seus pergaminhos por mãos alheias. Entretanto, quando, na manhã do dia seguinte, abro o New York Times para ler a recensão da praxe, venho a encontrá-la, escondida e envergonhada, no fundo de uma página, na secção das Artes, reduzida a umas magras linhas em que apenas era posta em destaque a curiosa peça que o célebre pianista português tocara como brinde, ou “encore”: uma sonata do compositor português João Domingos Bomtempo (1775-1842), lamentavelmente desconhecido do público americano e, muito provavelmente, do crítico musical do New York Times.

            Ao chamar a atenção da Jane e George Reinhardt, dois dos meus oito convidados e ambos competentes musicólogos, para essa modestíssima recensão, apressaram-se a dizer, em uníssono, que outra coisa não era de esperar, dado o reportório que o pianista português escolhera, abrindo o concerto com a Appassionata de Beethoven e prosseguindo com as peças mais frequentemente executadas pelos mais célebres intérpretes da música romântica para piano. Que essas icónicas peças as tinham visto os novaiorquinos executar aos maiores pianistas do mundo inteiro. Que o que esperavam de Sequeira Costa era um reportório diferente, só dele, e que ele desperdiçara estultamente essa oportunidade única. 



                              António Cirurgião





 





2 comentários:

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