quarta-feira, 30 de março de 2022

domingo, 27 de março de 2022

São Cristóvão pela Europa (176).

 



 

Saint Riquier é uma comuna do Departamento da Somme em França.

Nela situava-se uma importante abadia beneditina com a mesma invocação. O seu grande impulsionador foi, a partir de 790, um poeta chamado Angelbert, genro de Carlos Magno que aqui o visitou várias vezes.

Foi desactivada na Revolução Francesa. Restou a igreja da Abadia.

À entrada uma estátua de São Cristóvão.

As fotografias de visitas em 1997 e 2014 estavam desaparecidas em ficheiros informáticos mal identificados.




  

Fotografias de 21 de Setembro de 1997 e 20 de Setembro de 2014.

 

José Liberato


sexta-feira, 25 de março de 2022

Nájera.

 


 

 

Nájera

 



 

Aqui jaz uma rainha fatal, raptada, malquerida e (quase) esquecida.

 

Naquele tempo se dizia, que ElRey andava em poder della enfeytiçado, e ceguo do juizo…

 

Ruy de Pina, Crónica do Rei D. Sancho II

 

No meio dos declives de terra avermelhada onde brotam as uvas que hão-de verter os famosos vinhos de La Rioja, bem perto do rio Ebro que divide a velha Castela do rebelde País Basco, está Nájera. Foi capital e nome de reino, para ser hoje uma urbe pouco interessante atravessada pelo rio Najerilla, afluente do Ebro, que separa a parte antiga do que não se distingue de qualquer outra cidade espanhola. Vale, contudo, uma visita.

                                                                                              

Ali, num mosteiro que é testemunho da glória passada, jaz uma rainha de Portugal, a primeira femme fatale da nossa História. Bela, cativante e manipuladora, acabou vilipendiada pelos cronistas, negada pelos historiadores e, como tal, quase obliterada por uma posteridade para a qual não deixou mais legado do que o seu sepulcro. Este, com armas lusas esculpidas em toda a volta, é esclarecedor quanto às dúvidas que se levantaram sobre se foi ou não rainha de Portugal: Mencía Lopez de Haro não as tinha.








 

Nájera surgiu como que apoiada num pequeno promontório rochoso e foi um centro importante da idade média quando o rei de Pamplona decidiu, no ano de 923, criar um reino para o seu filho, García Sánchez I, ainda antes de este lhe suceder no reino principal, o que aconteceria pouco depois. O novo rei fixou capital em Nájera, em detrimento de Pamplona, no que seria o início de um reino com existência relativamente efémera mas sobretudo instável, com fronteiras tão oscilantes como a denominação: ora Nájera, ora Pamplona, ora Navarra.  

 

Apesar de ter durado menos de 200 anos, o Reino de Nájera haveria de ser berço de várias dinastias. Os seus reis estão entre os ancestrais dos reis de Navarra, Castela e Aragão e, como tal, também dos reis de Portugal.

 

Não por acaso, na belíssima e inacabada Genealogia do Infante D. Fernando estão representados alguns reis de Nájera. Pintados pelo impecável punho do miniaturista Simon Bening a partir de desenhos enviados de Lisboa por António de Holanda, a folha dos reis de Aragão vale mais pela indiscutível beleza do trabalho artístico do mestre holandês do que pelo rigor genealógico. Mas lá está ao centro, Sancho Garcés III, el Mayor, em cujo reinado o Reino de Nájera-Pamplona atingiu o seu apogeu, ocupando uma vasta área do norte da Península.

 

Folha da Genealogia do Infante D. Fernando, desenhada por António de Holanda e pintada por Simon Bening, dedicada aos Reis de Aragão, onde constam os Reis de Nájera. O original está na British Library.

 

O Mosteiro de Santa María la Real de Nájera foi fundado pelo filho de Sancho, o rei García Sánchez III e pela mulher deste, depois de o rei ter descoberto uma imagem da Virgem numa gruta escavada na rocha. Foi a partir da rocha que se construiu o mosteiro e foi essa a capela, escavada ao jeito de Petra, mas mais modesta, que os monarcas escolheram para sepulcro familiar.

 

A igreja que hoje acolhe os visitantes, assim como o Panteão Real desta dinastia Jimena (em honra do fundador, Jimeno de Pamplona), são muito posteriores a esta fundação, mas nem por isso menos notáveis. Os reis e infantes de Nájera ficaram depositados na gruta durante séculos: insolitamente estavam lá também os regicidas do último rei da dinastia Jimena (e filho do fundador do mosteiro), atirado de um penhasco pelo irmão e pela irmã, durante uma caçada.  

 

Os despojos do reino foram então divididos entre Navarra e Castela, mas a cidade de Nájera ficou para Castela e iniciou-se um período de declínio do mosteiro. No século XV, a ruína ditou a demolição do templo original e a sua reconfiguração, surgindo então a ideia de criar um Panteão Real[i], ideia apoiada pelos Habsburgo, que procuravam legitimar-se como herdeiros dos Reis de Navarra após a conquista da Alta Navarra pelo Rei Fernando II de Aragão, el Católico, em 1512. Tanto o neto deste, o Imperador Carlos V (Carlos I de Espanha) como o filho deste, Felipe II de Espanha (e I de Portugal), visitaram Nájera e a marca Habsburgo está presente na heráldica do exterior e do interior do Mosteiro.

 

Ali surgiram então figurados, lado a lado, os poucos reis de Nájera, em túmulos com imagens jacentes esculpidas mais de 400 anos depois da morte de todos eles. Os fundadores, de joelhos e em oração, flanqueiam a entrada à gruta original, num conjunto imponente e peculiar.

 

O panteão está construído na galilé da igreja. A palavra galilé tem origem em Galileia e a sua associação à arquitectura religiosa resulta do modelo beneditino de Cluny (o mosteiro esteve vinculado a Cluny desde que Nájera foi incorporada em Castela), que definia a galilé como o espaço de reencontro com Deus no rito funerário, tal como a Galileia onde Jesus se reencontrou com os discípulos depois da Ressurreição. O local onde estão é, afinal, propício: o novo panteão foi quase uma ressurreição para os reis antigos de Nájera-Pamplona ou Navarra, depois de quatro séculos amortalhados numa gruta de pedra.

 

Fora desta galilé e da igreja, há mais túmulos. O extraordinário claustro gótico plateresco (o estilo arquitectónico espanhol equivalente e contemporâneo do manuelino) recorta-se em belíssimos arcos rendilhados, de um esmerado trabalho do início do século XVI. Num dos topos, encontramos a Capela de la Vera Cruz, conhecida originalmente como a Capela de la Reina Doña Mencía.

 









  

* * *

 

Se a integração no Reino de Castela em 1076 teve como consequência a crescente irrelevância do mosteiro e a sua degradação, Nájera não perdeu importância estratégica. A cidade passou a estar associada ao Senhorio de Biscaia, que pertencia à Casa de Haro e passou a ser a sede da família, que escolheu o mosteiro para seu panteão familiar, ficando as suas sepulturas modestamente longe da gruta real. 

 

A dinastia dos Haro é uma sucessão intercalada de Diego López e de Lope Díaz. Em 1214, Lope Díaz II de Haro, dito o Cabeça Brava, 6.º Senhor de Biscaia, sucedeu a seu pai, Diego López II, figura polémica na corte castelhana e possível inspiração de uma lenda a que voltaremos.

 

Lope Díaz II elevara o patamar da Casa de Haro ao casar-se com uma filha, ainda que ilegítima, do Rei Alfonso IX de Leão, D. Urraca Alfonso. É deste casamento que nasce, por volta de 1214, Mencía – ou Mecía, ou Mécia, como é hoje conhecida entre nós –, que só não é mais vilipendiada rainha portuguesa porque tivemos depois D. Leonor Teles, dita aleivosa, e D. Carlota Joaquina, dita horrenda ou piolhosa.

 

Saber quão justo ou injusto é o tratamento do Rei D. Sancho II de Portugal pelos historiadores é um desafio dificultado pelas escassas fontes coevas independentes. Os sucessos militares e diplomáticos dos primeiros anos do seu reinado são consistentemente obliterados em favor da narrativa da denegação de justiça, muito alicerçada nas queixas que os bispos fizeram ao Papa e que levariam à deposição de facto do rei português.

 

D. Sancho terá casado com Mencía Lopez, da Casa de Haro, em 1241, no ano seguinte a ela enviuvar[ii]. As crónicas medievais – que têm de ser lidas criticamente, porque os cronistas não procuravam a isenção, antes agradar a quem encomendou a crónica – pretendem claramente assumir uma ligação entre os males do reino e o desleixo de D. Sancho com o seu casamento com D. Mécia, ao qual parecia opor-se a tia do Rei, Rainha de Castela, viúva do avô de Mécia. O casamento terá sido uma inflexão no reinado daquele que, assim o dizem todas as crónicas, “começou de seer muy boo Rey”.

 

Aquela que será provavelmente a mais antiga crónica portuguesa, vertida como cópia na IVª Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra e que se presume anterior a 1282[iii], terá sido escrita possivelmente ainda no reinado de D. Afonso III e estabeleceu a narrativa que será seguida posteriormente e que define, até aos nossos dias, a imagem da Rainha D. Mécia:

 

Morto ElRey Dom Affomso Reynou sseu filho Dom Sancho. E começou de seer muy boo Rey e de Justiça Mais ouve maãos conselheiros. E despois da alli em diante Nom foy Justiçosso. E ssaio de mandado Da Rainha dona Biringeira sua tia E cassousse com Miçia Lopez. E des alla foi pera mal.

 

Livro de Linhagens[iv] de D. Pedro, Conde de Barcelos, dos primeiros anos do século XIV, a que voltaremos para mais pormenores, é praticamente uma transcrição deste, introduzindo noutras passagens a circunstância de ser o segundo casamento da filha do Senhor de Biscaia:

 

Reynou seu filho dom Sancho, e começou muy bem de seer muy boo rrey e de justiça , mas ouve máaos comsselheyros , e dès alli adeamte nom fez justiça. E sayo de mamdado aa rrainha dona Birimguella sa tia e casousse com Miçia Lopez, e dès àlli foy pera mall.

 

Já no século XV Crónica dos Sete Primeiros Reis de Portugal ou Crónica de 1419, atribuída a Fernão Lopes, é também especialmente clara nesse sentido, com uma clara relação de causa-efeito:

 

Segundo alguns dizem, começou de ser boo Rey, e depois por sua synpreza e maos comselheyros ya-se a terra toda a perder, fazendo-se todo mal em ela, e sayo-se do mandado da raynha Berengena, sua tya, e casou-se com Dª Meçia Lopez, filha de dom Lopo de Biscaya. (…) E daly em diante foy aimda o Reyno majs pera mal, em guisa que matavom e roubavom, furtando e poendo foguo, asy os grandes como os pequenos.”[v]

 

As três crónicas têm o agravamento dos problemas do reino como resultado, de alguma forma, do casamento do rei. Embora o relato de Ruy de Pina na sua Coronica do muito alto, e esclarecido principe D. Sancho II quarto Rey de Portugal[vi] seja um testemunho tardio, escrito quase 300 anos depois dos acontecimentos traumáticos do reinado de D. Sancho II, parece basear-se, por semelhança de redacção, nas crónicas anteriores[vii]. É o mais completo e nenhuma das crónicas excede a de Ruy de Pina, escrevendo no início do século XVI, na verve misógina:

 

ElRey D. Sancho por maaos concelhos dalguũs seus nom fieis, e danados Cõselheyros (…) e muito contra sua honra, e com grande escandalo, e nojo dos do Regno, cazou com Dona Mecia Lopes, Dona fermosa, e viuva, filha de Dom Lopo, senhor de Biscaya, que era parenta sua dentro no quarto graao, aquaal fora jaa cazada, com Dom Alvaro Pires de Castro (…), e posto que ElRey Dom Sancho pelos Prelados, e poovos, Senhores, e pessoas de titulo de seu Regno muitas vezes fosse requerido, amoestado, e aconselhado, que se apartasse desta molher, e recebesse outra qual, aa sua honra, e conciencia convinha, elle, ou por feitiços, de que diziam que era ligado, ho nom pode nunca fazer, nem consentir, porque naquele tempo segundo has couzas passavam, muy clara, e geralmente se dizia, que ElRey andava em poder della enfeytiçado, e ceguo do juizo seem se poder apartar”.

 

O tom do cronista é arrebatador de tanto desprezo por Mécia Lopez, cuja única virtude era ser “formosa”. Diz que Sancho se desonrou ao casar, causando “escândalo e nojo” ao reino, que o Rei estava enfeitiçado e “em poder” de D. Mécia e “cego do juízo”, rejeitando todos os apelos, admoestações e conselhos para se afastar da castelhana e se casar com alguém digno da sua condição.

 

Embora possa parecer que o pecado capital fosse o ter sido já casada com D. Álvaro Pérez de Castro, Mordomo-Mor de Alfonso IX de Leão e destacado comandante dos exércitos castelhanos de Fernando III de Castela e Leão, não parece haver nessa condição de viúva razão de escândalo nos padrões da época – o que justifica a ausência de referência nas crónicas mais antigas.

 

D. Mécia teria sido, aliás, uma heroína lendária nas campanhas militares do primeiro marido, defendendo um castelo indefeso depois de enganar uma guarnição muçulmana[viii]. Com o grupo de mulheres que ficara no castelo, vestiu armadura, pegou em armas e colgou-se nas ameias, simulando que o castelo estava defendido por homens de armas e dando tempo para que os verdadeiros soldados do marido fossem chamados de volta.

 

Terá sido como homenagem à heroicidade de D. Mécia que Doña Mencía é nome de uma vila com uns parcos 5000 habitantes, no sul de Espanha, entre Córdoba e Granada, numa zona que o marido liderou as tropas de Fernando III, el Santo, durante a Reconquista, embora por lá pareça faltar a memória histórica da razão exacta pela qual o nome foi atribuído – além de Mencía ser apenas referida como mulher de Álvaro Perez de Castro e nunca como Rainha de Portugal.

 

D. Sancho II e D. Mécia eram, como escreveu Ruy de Pina, parentes, num grau que apesar de ser impeditivo do casamento, era susceptível de dispensa, o que acontecia com frequência e normalidade. D. Mécia era trineta de D. Afonso Henriques e D. Sancho era bisneto do primeiro rei de Portugal.

 

Esta consanguinidade não explica a repugnância que cercou Mécia, embora a pretensa endogamia viesse a ser, de facto, argumento para anulação do casamento, a pedido do irmão do Rei D. Sancho, o Infante D. Afonso, Conde de Bolonha e futuro D. Afonso III. Como se verá adiante, o argumento do Infante parece ter sido apenas conveniente para os seus propósitos de garantir que o irmão não tinha descendência legítima e, como tal, bastante oportunista.

 

Das elencadas, a razão que melhor poderia explicar a recusa nacional da nobre castelhana seria o facto de o casamento não servir os interesses do reino e a ascendência de Mécia, pouco digna do trono português. Na Crónica de 1419, Fernão Lopes refere que o casamento foi “cousa os povos ouverom por estranha por ser ligua de tam baixo lugar segundo o que pertencia a seu estado”. As três primeiras rainhas – Mafalda de Sabóia, Dulce de Aragão e Urraca de Castela – eram filhas de chefes de casas reinantes e a Casa de Haro, por importante que fosse, não ombreava com estas.

 

Restam ainda como plausíveis causas do ódio que gerou a beleza e a sensualidade de Mécia Lopez. A mulher de D. Sancho II é apresentada, em diversos escritos, como uma mulher cativante e dominadora, uma verdadeira mulher fatal capaz de controlar o rei por artes que, não sendo certamente de magia, podiam ser de sedução.










  

* * *

 

Em Santa María la Real de Nájera, D. Mécia Lopez aparece esplendidamente vestida para a eternidade, de vestido, capa e touca de biscainha. Um desenho do túmulo feito em meados do século XIX, antes de ser irremediavelmente danificado o rosto da estátua jacente, mostra uma rainha muito bela e sobretudo muito jovem como certamente não era quando morreu, por volta de 1271, com cerca de 56 anos – um recorde de longevidade em que bateu, por larga distância, as suas três antecessoras, nenhuma das quais chegou aos 40. Desta vida relativamente longa restam relatos de alguns episódios curiosos e com um pormenor inusitado.

 

Dos escritos de D. Pedro Afonso, Conde de Barcelos (1287-1354), filho bastardo do Rei D. Dinis e excepcional cronista dos primeiros anos das monarquias hispânicas, chega-nos a informação mais próxima dos acontecimentos, mas também uma certa intenção no que respeita àquilo que da dama da Casa de Haro que se alçara a Rainha de Portugal se saberia para a posteridade.

 

No seu Livro de Linhagens, o Conde de Barcelos incluiu os Haro mas associou à família uma extraordinária lenda, da qual fará eco muito posterior Alexandre Herculano no seu repositório das lendas portuguesas[ix]: a Lenda da Dama Pé-de-Cabra. Herculano inspirou-se no essencial da lenda contada no século XIV, acrescentando cenas e personagens em abundância.

 

Segundo a versão original, um antepassado da Rainha D. Mécia, Diego López, ter-se-ia enamorado de uma dama belíssima que encontrara nos campos e com quem casara depois de jurar que não mais faria o sinal da Cruz, como que abjurando a sua fé.

 

Descobriria que, apesar de toda a formosura e perfeição, a dama tinha pés-de-cabra – quase uma incarnação de belzebu. Isso não teria impedido que tivessem filhos e uma vida feliz, até ao dia em que, tendo lançado um osso para debaixo da mesa, uma cadela da casa matou com tal violência o cão de D. Diego que este se benzeu e invocou Nossa Senhora – “samta Maria vall, quem vio numca tall cousa!” – o que fez com que a mulher se levantasse e desaparecesse correndo, levando a filha.

 


 Desenho do sepulcro da Rainha D. Mécia, feito em meados do século XIX, antes de a face da estátua jacente ser irremediavelmente danificada. Doña Mencía López de Haro, Valentin Carderera dibujó; Rufino Casado litografió, Biblioteca de La Rioja (Biblioteca Virtual de La Rioja > Doña Mencía López de Haro ; Don Diego López de Salcedo)

 

A história continua com o filho do casal a procurar a mãe nos montes, para que o ajudasse a libertar o pai, que caíra cativo dos muçulmanos, em Toledo, nas guerras da Reconquista. A mãe, que adivinhou ao que o filho ia, deu-lhe um cavalo, garantindo-lhe que o pai se libertaria. A lenda do Conde de Barcelos termina com a libertação de D. Diego; a de Herculano traz mais aventuras com o cavalo endiabrado, reagindo à santificação da mesma forma que reagira a dama de pé-de-cabra.

 

O Conde de Barcelos era neto de D. Afonso III, cujo papel central na deposição do irmão abordaremos brevemente. Esta associação de uma lenda de magia negra e de pacto com o demónio à família de D. Mécia dificilmente poderá ser inocente. Mesmo que a lenda existisse, associá-la à família de uma Rainha de Portugal num livro de linhagens só poderia ter como efeito desqualificá-la a ela e aos Haro aos olhos futuros.

 

Mas as histórias relacionadas com D. Mécia Lopez nas crónicas de D. Pedro Afonso não ficam por aqui. No mesmo Livro de Linhagens, o filho de D. Dinis descreve com requintes uma cena de ciúmes durante o cerco de Paredes de Nava, numa época em que Mécia seria ainda solteira mas cortejada pelo que viria a ser o seu primeiro marido, D. Álvaro Perez de Castro. Mécia é retratada na sua tenda, “as faldras da tenda alçadas contra a vila”, a jogar “acedrenche” (xadrez) com D. Martim Sanches, filho ilegítimo de D. Sancho I e como tal tio de D. Sancho II, descrito como estando “en manto e en saya”, ou seja, num momento de descontração.

 

Este momento de verdadeiro voyeurismo medieval, terá irado Álvaro Perez de Castro, que se dirigiu à tenda para confrontar o casal de jogadores, surpreendidos em cena suspeita, em pleno cerco. Vendo que Martim Sanches estava desarmado, não o feriu. Mas irremediavelmente ferida ficou a imagem de D. Mécia que, ainda solteira, é retratada em jogos de sedução, com cavaleiros a defrontarem-se pela sua atenção.

 

* * *

 

Se as crónicas medievais procuraram denegrir D. Mécia Lopez e a Casa de Haro, pior estaria ainda para vir na historiografia nacional. Com o argumento de que D. Mécia não surge a confirmar os documentos da Chancelaria de D. Sancho II, Frei António Brandão sugeriu, em princípios do século XVII, que o casamento nunca teria acontecido e que D. Mécia nunca teria sido rainha. Isso contradiz directamente as crónicas medievais, que a tratam por rainha, mas também diversos documentos, como a bula do Papa Inocêncio IV que manda anular o casamento ou outros que mencionam os castelos que eram “das arras” da Rainha, ou seja, do seu dote.

 

Só no século XIX a historiografia portuguesa, com base nas fontes documentais, tentou reabilitar, de alguma forma, a figura da mulher do quarto Rei de Portugal. Alexandre Herculano[x] e Frederico de La Figanière[xi] empenharam-se especialmente no assunto e ficou esclarecido, pelo menos para a maioria, que Mécia Lopez de Haro foi de facto Rainha de Portugal[xii].

 

Tendo existido casamento, foi também certamente tudo o que não se pode considerar um conto de fadas. O tempo de casados de D. Sancho e D. Mécia foi vertiginoso em acontecimentos – todos eles decisivos no processo de deposição do rei e da guerra civil que se seguiu.

 

O casamento coincide com um período de instabilidade no reino, que alguns chamam de anarquia. Certo é que, instado pelo Papa a fazer justiça, D. Sancho terá continuado perdido e enfeitiçado. E no Concílio de Lyon, em que o Papa Inocêncio IV estava em modo de deposição de reis e já tinha deposto o Imperador do Sacro Império – nem mais nem menos do que o genial Frederico II, o Stupor Mundi a que o Papa chamou Anticristo –, ordenou-se que o irmão do rei, o Infante D. Afonso, Conde de Bolonha por casamento, tomasse o governo do Reino de Portugal das mãos do rei D. Sancho II.

 

Sem explorar razões ou descrever passos da sangrenta guerra civil, as traições dos alcaides[xiii] e os avanços e recuos de ambos os lados, vale a pena olhar os dois momentos fundamentais que envolvem a Rainha D. Mécia, ambos dramáticos.

 

O testamento de D. Afonso II, pai de D. Sancho II e do Infante D. Afonso, estabelecia de forma clara e pela primeira vez, uma ordem de sucessão baseada na primogenitura, com preferência pelos varões – ou seja, as infantas poderiam suceder no trono, mas apenas depois de esgotados os infantes e as respectivas linhas. Os Reis de Portugal estariam casados há já 4 anos, sem descendência, mas a possibilidade de a Rainha D. Mécia engravidar e dar um herdeiro a D. Sancho existia.

 

O infante D. Afonso era, ainda, o herdeiro legítimo do irmão e, perante a legitimação papal para que tomasse o poder em Portugal, quis garantir que o irmão não tinha descendência que colocasse em causa essa legitimidade. Fê-lo por duas vias: uma, legal, mas dramática e suprema; outra, simultaneamente genial e digna de um thriller, embora a D. Sancho tenha porventura parecido o clímax da sua tragédia pessoal.

 

Primeiro foi o pedido ao Papa para que anulasse o casamento dos Reis, com o argumento de que o casal real não tinha sido dispensado do grau de consanguinidade. A Chancelaria Papal não hesitou e foi expedida bula em Fevereiro de 1245, dirigida ao arcebispo de Compostela e ao bispo de Astorga, ordenando que verificassem a existência de tal casamento “cum nobili muliere Mentia Lupi[xiv] e que lhe aplicassem a pena de divórcio. A bula não deixa lugar a dúvidas: o pedido partiu do irmão do rei, o Conde de Bolonha e futuro D. Afonso III.

 

Apesar desta anulação pretendida, se nascessem filhos haveria sempre uma sombra de dúvida quanto à legitimidade de D. Afonso, pelo que o infante, no ano seguinte a invadir o Portugal por ordem do Papa e dar azo a uma violenta luta fratricida, parece ter posto em prática um plano audacioso: raptar a Rainha, naquele que será o verdadeiro golpe de misericórdia no irmão, tolhendo-lhe para sempre o orgulho e a capacidade de liderança.

 

É, uma vez mais, pela pena do Conde de Barcelos, no Livro de Linhagens, que surge o relato. D. Sancho II teria sido traído por um seu vassalo e, em Coimbra, a cidade que lhe era fiel, foi-lhe roubada a mulher, humilhação suprema para um marido, para um guerreiro, e sobretudo para um rei:

 

elrrey jazia dormindo em sa cama e filharomlhe [roubaram-lhe] a rrainha dona Miçia sa molher dapar delle e levaromna pera Ourem.” [xv]

 

O Rei estaria dormindo na sua cama e D. Mécia foi-lhe roubada do lado e levada para o Castelo de Ourém, que era da Rainha por lhe ter sido dado no dote – o que justifica a crença de alguns de que D. Mécia poderá, de alguma forma, ter estado implicada ou ter sido conivente com o espectacular rapto, embora o cronista real o desminta e diga que a Rainha foi contra sua vontade. Apesar do desmentido do Conde de Barcelos, no final do século XIX ainda Francisco da Fonseca Benevides jurava a pés juntos que D. Mécia teria de estar implicada, admoestando-a pela eternidade:

 

Não é demais o indelevel labéo de deslealdade que sobre ella pesa, manchando sua memoria a grande culpa de haver trahido seu amante, marido e rei, vendendo-se ao usurpador; acto infame e indigno que exclue toda a indulgencia.[xvi]

 

Indo em perseguição, D. Sancho foi recebido em Ourém com flechas, apesar de se ter apresentado com pendão e escudo, ou seja, como Rei de Portugal. Incapaz de reaver a mulher, D. Sancho era também certamente incapaz de reaver o Reino. Exilado em Castela, morreria ainda Rei de Portugal em Toledo, em Janeiro de 1248. Foi sepultado na catedral, perdendo-se o seu túmulo com os séculos dos séculos.

 








 

* * *

 

Voltemos a Nájera. O túmulo já não nos mostra o belo rosto de D. Mécia, que um artista nos idos de oitocentos teve a bela ideia de imortalizar. Mas o sepulcro da Rainha é ainda um singular exemplo de como, através da heráldica, a marca de Portugal se encontra um pouco por toda a Europa, até nos sítios mais recônditos, como esta pequena cidade.

 

Na face posterior do túmulo surge, destacado numa escultura bastante mais tosca do que a estátua jacente da rainha, o símbolo da Casa de Haro: o lobo, do nome/apelido tradicional da família Lope/Lopez, que leva na boca um cordeiro. De cada lado do túmulo há também dois escudos com as armas de Haro, dois lobos com cordeiros na boca, com bordadura com cruzes de Santo André. E é igualmente nas laterais do túmulo que encontramos as armas nacionais portuguesas, duas vezes de cada lado, tal como as usava D. Sancho II – ainda sem os castelos que D. Afonso III incluirá[xvii] e com os escudetes do meio virados para o centro.

 

Mécia foi sepultada, não há dúvidas, como Rainha de Portugal. Mas está ausente, radicalmente excluída, do testamento do Rei – sinal de que o rapto de Coimbra terá sido também o golpe de misericórdia na relação conjugal.

 

É, contudo, duvidoso que o divórcio ordenado pelo Papa tenha sido cumprido, tendo em conta o que resta da memória de D. Mécia. A castelhana nunca deixou de se intitular rainha e de ser tratada como tal, como provam diversos documentos em que outorga ou é mencionada depois de regressar a Castela[xviii].

 

No seu Rainhas de Portugal, apesar do desprezo com que trata a fatal biscainha, Benevides reproduziu um documento de 1246, que entretanto parece ter-se extraviado da Torre do Tombo, o único original em que outorgava como Rainha ainda em vida de D. Sancho II, com selo próprio – o primeiro selo de uma Rainha de Portugal[xix]. D. Mécia era, numa das faces, representada de corpo inteiro, com diadema na cabeça; na outra face do selo, as armas nacionais e em ambas a inscrição que sugere: “SIGILLUM DN MECIE REGIN PORT”.

 


Facsímile reproduzido por Francisco da Fonseca Benevides no seu Rainhas de Portugal, estudo historico, Tomo I, 1878. O documento, o único original em que D. Mécia outorgava como Rainha de Portugal em vida de D. Sancho II, parece ter-se extraviado da Torre do Tombo.

 

 

Cópia do selo da Rainha D. Mécia, reproduzido por Francisco da Fonseca Benevides no seu Rainhas de Portugal, estudo historico, Tomo I, 1878. O selo, como o documento em que estava aposto, parece ter-se extraviado da Torre do Tombo.

 

Uma escritura em que vende uma vila em Castela, em 1257, revela-nos que, quase dez anos depois da morte de D. Sancho, D. Mécia mantém um séquito significativo[xx], que incluía mordomo, capelães e clérigos, intendente, monteiro e alfaiate, que assinam como testemunhas. Revela-nos ainda que a posse da vila que era vendida, havia sido uma troca “que me dió el Rey don Alfonso en cam[io] con outras villas por Torres é por Oren é por los outros Castiellos de las mis Arras de portogal, que yo dí con todo(s) los mios derechos, que yo y avia é devia a[ver][xxi].

 

Fica a dúvida sobre que “Rey don Alfonso” lhe terá dado a vila em Castela, visto que tanto o Rei de Portugal como o Rei de Castela, à época, se chamavam Afonso: Afonso III de Portugal e Alfonso X de Castela. Terá Alfonso X (que auxiliou D. Sancho II, sem sucesso, na guerra civil) compensado a rainha exilada pela perda do dote português? Ou terá sido D. Afonso III que, querendo de volta os importantes castelos da cunhada, encontrou forma de a compensar com terras no reino vizinho? A referência da D. Mécia na escritura de que cedeu os castelos “com todos os seus direitos, que tinha e devia ter”, parece indicar no sentido do rei português. Herculano sugeriu “arranjos feitos entre as duas coroas” na sequência do casamento de D. Afonso III com D. Beatriz de Castela.

 


Primeira página da cópia do documento no Cartulário de Nájera onde os executores do testamento da “Reyna D.ª Mencía” instituem as capelanias e as missas “cada dia hasta la fin del Mundo” por alma da defunta.

 

Desconhece-se o conteúdo do testamento da Rainha D. Mécia, que terá morrido em 1271, mas infere-se de várias passagens das crónicas espanholas que terá deixado os seus bens ao herdeiro do trono de Castela, o Infante D. Fernando de la Cerda (cuja morte prematura, em 1275, iria complicar a sucessão de Alfonso X, como referido no texto sobre o Mosteiro das Huelgas de Burgos).

 

Conhecem-se ainda dois documentos, no Cartulário de Nájera, que mencionam a “Reyna D.ª Mencía”. Um é o testamento da irmã, em 1266, em que a consorte de D. Sancho II é referida diversas vezes como proprietária de imóveis em Nájera. O segundo documento é datado de 1275 e é a instituição da memória da Rainha no Mosteiro de Santa María la Real de Nájera pelos executores do seu testamento. Fundam-se quatro capelanias e ordenam-se missas pela sua alma “cada dia hasta la fin del Mundo”.

 

O mundo, está visto, ainda não acabou – não obstante as ameaças russas dos últimos tempos, que poderiam indicar que está para mais breve. Mas as missas por D. Mécia já não são rezadas há muito, esgotados os maravedis que as deviam pagar. Fica, contudo, partindo de Nájera, a memória desta biscainha, rainha de tempos conturbados, de beleza tão perturbadora que lhe chamaram feitiço, a primeira mulher fatal da nossa História de país independente, que desencaminhou um rei e o fez perder um reino. Descansa em paz, esperando as orações e as visitas do povo que lhe mostrou o caminho de regresso.

 

Ademar Vala Marques

Março 2022

 

(Fotografias de Janeiro 2022)

 

 

 

 



[i] Barrón García, Aurelio Á., “La galilea y el panteón real de Nájera: Juan Martínez de Mutio, Alonso Gallego y Arnao de Bruselas”, BSAA arte, 84 (2018).

[ii] FERNANDES, Hermenegildo, D. Sancho II, Círculo de Leitores, 2006.

[iii] A possibilidade de a IVª Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra ser uma cópia de uma crónica anterior foi explorada por Filipe Alves Moreira em Afonso Henriques e a Primeira Crónica Portuguesa.

[iv] BARCELOS, Conde de, D. Pedro Afonso, Livro de Linhagens, in Portugaliae monumenta historica, Academia das Ciências de Lisboa, 1856.

[v] ZIERER, Adriana, Mécia, Matilde e Beatriz: Imagens Femininas Refletidas nas Rainhas de Portugal do Século XIII, Revista Mirabilia 3, Dezembro 2003; EFFGEN, Augusto Ricardo, A construção de modelos e contramodelos régios na obra de Fernão Lopes (século XV), Niterói, 2009.

[vi] PINA, Rui de,  Chronica do... principe D. Sancho II quarto Rey de Portugal, Lisboa Occidental : na officina Ferreyriana, 1728.

[vii] ALVES MOREIRA, Filipe, A Crónica de Portugal de 1419: Fontes, Estratégias e Posteridade, Faculdade de Letras do Porto, 2010.

[viii] Embora o feito heróico seja habitualmente atribuído a D. Mécia, há autores que referem ter sido a primeira mulher de D. Álvaro Perez de Castro, Condessa de Urgel, a defender o castelo de Martos. V. GUTIÉRREZ PÉREZ, José Carlos, El asedio de Martos por el rey Al-Ahmar y la defensa  de la condesa Aurembiaix de Urgel. Mito o realidade, 2011.

[ix] HERCULANO, Alexandre, Lendas e narrativas, Tomo II, Lisboa, Casa da Viúva Bertrand, 1858.

[x] HERCULANO, Alexandre, História de Portugal, Tomo Segundo, 1854.

[xi] FIGANIÈRE, Frederico Francisco de la, Memorias das Rainhas de Portugal, 1859.

[xii]

[xiii] O cancioneiro nacional dá uma visão muito próxima e crítica dos alcaides que traíram D. Sancho II e se bandearam para o lado de D. Afonso. Para uma descrição pormenorizada da trova “A lealdade da Bezerra pela Beira muito anda” v. SANTOS, Herlânder Gonçalves dos, D. SANCHO II - Da deposição à composição das fontes literárias dos séculos XIII e XIV, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009.

[xiv] BERGER, Elie, Les Registres d’Innocent IV, Paris, 1897. Alexandre Herculano também transcreveu a bula na sua História de Portugal, designadamente na nota que dedica a Mécia Lopez de Haro e em que se empenha longamente a rebater os argumentos daqueles que, no seguimento Fr. António Brandão, questionaram a existência do casamento entre D. Sancho e a biscainha. 

[xv] BARCELOS, Conde de, D. Pedro Afonso, Livro de Linhagens, in Portugaliae monumenta historica, Academia das Ciências de Lisboa, 1856. O relato completo: “E este Reymom Veegas de Portocarreyro suso dito seemdo vassallo del rrey dom Samcho Capello e seu naturall de Portugall veo huuma noite a Coymbra com companhas de Martim Gill de Soverosa , o que vemceo a lide do Porto , hu elrrey jazia dormindo em sa cama e filharomlhe a rrainha dona Miçia sa molher dapar delle e levaromna pera Ourem sem seu mandado e sem sa vontade. E quando o elrrey soube lamçou em pos elles e nom os pode alcamçar salvo em Ourem que era emlom muy forle e tiinhao a rrainha dona Miçia suso dita em Arras. E chegou elrrey hy e disselhe que lhe abrissem as portas ca era elrrey dom Samcho , hu elle levava seu preponto vestido de seus synaaes e seu escudo e seu pemdom ante ssy : e derom lhe muy gramdes sectadas e muy gramdes pedradas no seu escudo e no seu pendom , e assy se ouve ende a tornar.

[xvi] BENEVIDES, Francisco da Fonseca, Rainhas de Portugal, estudo historico, Tomo I, 1878.

[xvii] METELO DE SEIXAS, Miguel, Quinas e Castelos, sinais de Portugal, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019.

[xviii] Em 1898, o historiador e arqueólogo espanhol Miguel Fita y Colomé publicou no Boletim da Real Academia de História a transcrição de um conjunto de documentos até então inéditos sobre a Rainha D. Mécia. FITA Y COLOMÉ, Fidel, Doña Mencía, reina de Portugal. Documentos inéditosin: Boletín de la Real Academia de la Historia vol. 33, 1898.

[xix] Há notícia de um outro selo, usado pela Rainha depois da morte de D. Sancho, com armas de Haro e de Portugal. GUDIEL, Geronymo, Compendio de algunas historias de España, 1577.

[xx] Fernández, Luis, Colección Diplomática del Real Monasterio de Santa María de Benavides, Publicaciones de la Institución Tello Téllez de Meneses, n.º 20, 1959.

[xxi] O texto, citado por Fidel Fita y Colomé, continua com a enumeração dos castelos das arras: “Estos son los Castiellos de las mis Arras: Sintra, Ablantes, Penniella, Laymoso, Aguilar de sosa, Cellorico de basto, Linar[es], O[liv]era, N[emao], Faria, Çevera, Vermuy.