segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Κωνσταντίνος e a tentação da política.

 




Por estes dias, reuniram-se em Atenas sete chefes de Estado para despedir um cidadão privado.

A sua morte, aos 82 anos, no seu país natal, mas com passaporte estrangeiro, motivou um comunicado seco do governo conservador de Atenas, que ficou a milímetros de saudar a morte de Konstantínos, com uma frieza que muito provavelmente custará votos a Kyriakos Mitsotakis nas próximas eleições.

Antigo campeão olímpico, o último rei simultaneamente filho de rei e genro de rei – e também o último da sua dinastia em resultado dos erros que cometeu – chegou à sepultura como um cidadão privado e estrangeiro. A decisão de recusar a Constantino II um funeral de Estado, decidida em reunião do Conselho de Ministros, levantou tal polémica que Mitsotakis teve de emendar a mão e permitir honras adicionais ao cidadão privado.

Na manhã do funeral e durante várias horas, milhares de cidadãos passaram pela pequena capela ao lado da Catedral Ortodoxa de Atenas, beijando devota e quase clandestinamente a sua urna, envolta nas cores, mas não na bandeira grega. Nem na morte Constantino II conseguiu que o seu país ultrapassasse as feridas de um reinado curto, mas traumático para os gregos e para o rei.

Nascido em plena Segunda Guerra Mundial, filho dos Príncipes Herdeiros Paulo e Frederica, Constantino viveu os seus primeiros anos num exílio depauperado, entre a Pretória e o Cairo, com a mãe e as irmãs Sofia, futura Rainha de Espanha, e Irene. O fim da Guerra encontrou uma Grécia cada vez mais republicana e comunista, que resistia ao regresso da Família Real. A manutenção da Monarquia foi validada em referendo em 1946, o que permitiu o regresso do impopular Rei Jorge II e do seu irmão, o Príncipe Herdeiro. Jorge II morreria, sem filhos, no ano seguinte; Paulo sucedeu-lhe como Rei dos Helenos e Constantino tornou-se herdeiro do trono, diádokhos, aos 6 anos.

A Grécia era uma peça importante no xadrez internacional e a guerra civil que se seguiu e terminou em 1949 foi um dos primeiros episódios da Guerra Fria, com insurgentes comunistas apoiados pela União Soviética e o governo apoiado pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos. A vitória militar das forças governamentais deixou latentes tensões que iriam perdurar por muitos anos e explicam em parte a instabilidade que sempre marcou o país, com evidências recentes no consulado de Tsipras-Varoufakis.

Paralelamente a estas tensões, Paulo e Frederica criaram uma corte faustosa, onde se sucediam bailes, cruzeiros e muito raffinement. A Rainha da Grécia encontrava sempre uma nova ocasião para celebrar e fazia-o com esplendor que trazia para o Mediterrâneo pompas dignas das cortes no Norte, de onde, aliás, eram originários os reis gregos. O custo desta pompa haveria de começar a ser visto como incomportável para um país onde tanta gente passava dificuldades, ao que Frederica de Hannover sem hesitação poderia ter respondido com a célebre frase atribuída a D. Maria Pia de Sabóia, Rainha de Portugal: “quem quer rainhas, paga-as”. A factura foi pesada para ambas.





A vida pública da Família Real era acompanhada de constante apoio político dos Estados Unidos da América. Frederica era uma fervorosa anti-comunista e, como tal, encontrava sempre abertas as portas da Casa Branca. Os comunistas gregos pagavam na mesma moeda e chamavam-lhe prussiana e nazi. Se dessa acusação a Rainha se poderia livrar, já da sua tentação de interferir na política grega será mais difícil defendê-la.

Em 2003 a revista “Socialist Worker”, tentando angariar manifestantes para a possível visita de George W. Bush a Londres, publicava um artigo (“How we wrecked tyrants’ visits in the past”) em que recordava com orgulho os protestos que marcaram a visita de Estado de Paulo e Frederica a Londres, 40 anos antes. Foi, de facto, uma visita de raro tumulto em Inglaterra, com o peso que tal acarretava para a Rainha Isabel II, visto ter o seu marido nascido Príncipe da Grécia e ter uma relação próxima com os tios, que se iria estender às gerações seguintes. Os manifestantes reclamavam a libertação de prisioneiros comunistas e insultavam especialmente Frederica, impassível no seu desfile das melhores jóias, com os vitupérios habituais.

Três anos antes, em 1960, o herdeiro do trono, Constantino, conquistara a primeira medalha olímpica de ouro para a Grécia em quase 50 anos. Este feito colocava-o numa posição de quase herói nacional, visto que o seu mérito desportivo era merecedor de especial reconhecimento e de orgulho dos seus compatriotas. Mais dado ao desporto do que aos estudos, Constantino daria mais uma alegria à mãe ao abandonar os romances menos ortodoxos e anunciar o noivado com a filha mais nova do Rei da Dinamarca, Ana Maria.

O golpe mais duro para Frederica chegou com o diagnóstico de um cancro ao Rei Paulo. Importaram-se médicos e especialistas para Atenas mas ao fim de uns meses, a 6 de Março de 1964, o Rei morria com apenas 62 anos, deixando viúva uma rainha que adorava sê-lo.

Constantino tornou-se Rei dos Helenos aos 23 anos, jurando diante do governo socialista de Georgios Papandreou “em nome da Santíssima Trindade consubstancial e indivisível, proteger a religião dominante dos Helenos, de respeitar a Constituição e as leis da nação helena”.


Premonitoriamente, a capa da Paris Match que noticiava a morte de Paulo mostrava Constantino II fazendo continência com o bastão de marechal. A um canto da capa, mas em primeiro plano, estava Frederica. A influência da Rainha-Mãe, mas sobretudo o seu exemplo, foram porventura o que de pior podia ter acontecido a um rei impreparado e ingénuo, num reino que não era para novos.

Seis meses depois da subida ao trono, o casamento de Constantino II da Grécia e Ana Maria da Dinamarca tornou Atenas no foco da atenção mediática do mundo. Foi a última grande união dinástica entre duas casas reais reinantes, o princípio do fim de um mundo em que o amor podia coincidir com o dever, mas em que este se sobrepunha. Durante dias sucederam-se bailes, cortejos, paradas militares, o cintilar ofuscante de diamantes e o desfile de condecorações de cores garridas, de reis, rainhas, príncipes e princesas rodeados de genuíno entusiasmo popular, como não mais se veria.

O grande casamento de Atenas foi a glória final da Rainha Frederica, a última matchmaker da Europa do século XX. O fim da cerimónia, onde os cânticos e o incenso faziam recordar o fausto oriental de Constantinopla, viu chegar um momento teatral, quase patético, em que Frederica fez uma vénia à nora, a nova Rainha, que lhe devolveu a vénia. Era uma metáfora do que estava para vir. Se apenas Frederica se tivesse retirado, como a vénia implicava, em vez de interferir…







Os três anos que se seguiram foram um turbilhão político. E a tentação da interferência na política, talvez a mais perigosa tentação para os reis constitucionais, foi a perdição de Constantino. Recusou nomeações de ministros e forçou a demissão Georgios Papandreou, o socialista que ancorava a estabilidade. Sucederam-se meses de manifestações contra o rei, com Constantino a nomear governos que sucessivamente caíam no Parlamento por falta de apoio. Ora, na Grécia a única dinastia que foi acabou destituída foi mesmo a da Família Real, sucedendo-se no cargo de primeiro-ministro filhos, netos e sobrinhos de antigos primeiros-ministros: Constantino haveria de se cruzar com os Papandreou várias vezes ao longo do resto sua vida.

Para resolver a crise, Constantino marcou eleições para o fim de Maio de 1967. Não se chegaram a realizar. Um golpe de Estado, a 21 de Abril, orquestrado pelo exército com o argumento de que estavam a prevenir o regresso do comunismo, seria o golpe de misericórdia ao reinado de Constantino. A incapacidade do Rei para rejeitar de imediato o golpe e se distanciar foram vistas como conivência, assim como a fotografia em que o Rei surge à frente dos coronéis da Junta Militar na escadaria do Palácio Real. O habitualmente sorridente Constantino II acreditou ingenuamente que a sua expressão facial na fotografia, fechada e dura, seria sinal suficiente do seu desagrado e da rejeição do governo dos militares. A percepção generalizada foi a contrária.

Este episódio haveria de inspirar o cunhado de Constantino, Juan Carlos I de Espanha, a lidar com a tentativa de golpe de 23 de Fevereiro de 1981. A condenação internacional perante o golpe de Estado caiu também sobre o Rei, de todos os quadrantes, incluindo a sua família dinamarquesa que deixou claro que não seria bem-vindo em Copenhaga enquanto a situação perdurasse. Constantino tentou, sem sucesso, que os Estados Unidos interviessem em seu favor e acabou por ensaiar um contragolpe em Dezembro, que falhou. Constantino, Ana Maria e os seus dois filhos, incluindo o recém-nascido herdeiro, partiram para Roma.

A Grécia é o país que mais vezes referendou a forma de Estado no século XX, tornando-se numa monarquia sucessivamente validada pelo povo. Constantino II alimentou por isso e durante muitos anos a ideia de que o seu exílio não era definitivo, como não havia sido para o seu avô Constantino I, e para o seu tio, Jorge II, que tinham recuperado o trono depois de o perderem. Formalmente, aliás, Constantino manteve-se como rei até 1973, quando o seu alegado envolvimento numa nova tentativa de golpe contra a Junta Militar levou a que fosse proclamada a república e feito um plebiscito para a legitimar.

Quando a democracia foi restaurada, em 1974, o inesperado aconteceu novamente. O líder da direita tradicionalmente monárquica e antigo primeiro-ministro, Konstantinos Karamanlis, marcou um novo referendo, mas não só não fez campanha pela monarquia, como se recusou a autorizar que o Rei regressasse para fazer campanha, permitindo-lhe apenas uma mensagem ao país, a partir de Londres. Constantino admitiu os seus erros, fez a profissão de fé na democracia e prometeu que a mãe não se intrometeria na política – os cartazes da propaganda republicana tinham apenas a fotografia de Frederica e anunciavam: “Vem aí!”. A república teve uma vitória retumbante com quase 70% dos votos.



Constantino viveu as suas décadas de exílio expectante, cada vez menos convencido de que regressaria do exílio para uma pátria que o receberia como o herói olímpico a quem os pecados seriam perdoados. Permitiram-lhe regressar por um par de horas, em 1981, para enterrar a mãe, a Rainha Frederica, no cemitério de Tatoi. O complexo de Tatoi seria, aliás, o pretexto da grande batalha de Constantino contra o Estado grego.

Em 1992, o Primeiro-Ministro Konstantinos Mitsotakis, sobrinho-neto, primo e pai de primeiros-ministros, chegou a acordo com Constantino para lhe devolver a propriedade de Tatoi, que o antigo rei considerava privadas, a troco das terras no resto da Grécia. Constantino regressou a Atenas no ano seguinte, mas a pressão política sobre o governo de Mitsotakis foi tal que lhe pediram para voltar a sair. No ano seguinte, as eleições ditaram o regresso ao poder de Andreas Papandreou, antigo primeiro-ministro, filho e pai de primeiros-ministros e um velho conhecido de Constantino – fora afinal à volta do alegado envolvimento de Andreas Papandreou em conluios durante o governo do pai que começara a crise em 1965. Papandreou fez aprovar legislação a reverter o acordo com Mitsotakis e a retirar a nacionalidade grega a Constantino. O Rei não se conformou. Pôs uma acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que viria a ganhar em forma de indemnização, mas sem recuperar Tatoi.

Só muito mais tarde e muito discretamente pôde Constantino regressar para viver os seus últimos dias, tranquilos, na terra que o rejeitou por ampla maioria. Ironicamente e novamente em vésperas de eleições, foi a um novo Mitsotakis, Kyriakos, filho e sobrinho-bisneto de primeiros-ministros, que coube tomar as decisões sobre o funeral do antigo monarca, arriscando desta vez ir em sentido contrário das decisões do pai e mantendo-se longe dos monárquicos e do funeral.

A gentileza e bonomia de Constantino II fizeram com que à sua volta se continuassem sempre a reunir os reis europeus, que o tratavam como um dos seus. Em Atenas, embalado pela polifonia ortodoxa, incensado pelo Arcebispo de Atenas, Constantino foi rodeado por esses reis por uma última vez. Ao lado das mais importantes condecorações gregas, dinamarquesas e espanholas, estava a sua maior glória, a medalha de ouro olímpica. Georges Menant, que assinava a peça de Atenas para o Paris Match quando Constantino subiu ao trono, terminava o texto dirigido ao novo rei com “Régnez en paix, Sire. Les dieux feront le reste.” Os deuses gregos não foram generosos para Constantino.


Ademar Vala Marques

Janeiro 2023







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