William Van Alen
Há
momentos em que parece existir justiça no mundo, mas não quando falamos do
Chrysler Building. Provavelmente, um dos mais belos arranha-céus de Nova
Iorque, mil vezes celebrado como a quintessência do art déco americano. Sempre que se tecem banalidades sobre Batman e Gotham
City, lá surge a referência às gárgulas metálicas que, lá do alto, vigiam a
azáfama dos mortais no calor das ruas. Nunca consegui vê-lo como queria. Do
Chrysler vi apenas o átrio e pouco mais. Não passei dali, da contemplação das
maravilhosas portas dos elevadores, folheadas a madeiras exóticas.
Tão glorificado, para sempre imortalizado
nas corajosas fotografias de Margaret Bourke-White e, no entanto, não conheço nenhum
livro que descreva a sua história, a sua arquitectura. Logo na América, onde
não se descobre nada que não tenha já sido escrutinado por outros até à
exaustão, analisado por académicos ou simples curiosos. O único livro que
conheço sobre o Chrysler saiu em 2002 – e poucas páginas dedica à história do
edifício, um prodígio de elegância urbana. Da autoria de David Stravitz, só tem
fotografias da época da construção. E percebe-se porquê. Num destes acasos do
destino, que repõem um pouco de justiça e confiança no mundo, Stravitz descobriu,
na loja de um velho fotógrafo de Nova Iorque, umas caixas que ninguém sabia o
que tinham. Perguntou o que era aquilo, responderam que não era nada de especial,
um conjunto de negativos que dentro de dias iriam ser derretidos para obter a
prata. Stravitz insistiu, teimou e enfim lá lhe mostraram o tesouro perdido:
mais de 150 negativos que mostravam, dia após dia, a erecção do Chrysler Building,
do início dos trabalhos até ao derradeiro momento. Tratava-se de uma encomenda
que o construtor ou o arquitecto tinham feito à firma de fotógrafos Peyser
& Patzig. Viram a luz do dia neste fabuloso livro de David Stravitz, The Chrysler Building. Creating a New York icon, day by day. Pouco se sabe sobre origem das imagens, de que aqui se
mostra apenas uma pálida amostra. O mais provável é terem sido encomendadas
pelo general contractor, Fred T. Ley,
para documentar a evolução da obra. O projecto começara por volta de 1911,
quando o empresário William H. Reynolds, que já se destacara na construção do Dreamland Park, em Coney Island (que
aparece em todos os filmes que
mostram Coney Island), comprou um terreno do lado leste
da Lexington Avenue, entre a 42ª e a 43ª avenidas. Pretendia edificar aí um
arranha-céus portentoso, de 246 metros de altitude, tendo solicitado os serviços
do arquitecto William Van Alen. Acabaria por vender o prédio a Walter P.Chrysler.
Conta-se que o pináculo foi edificado
secretamente para, ao ser revelado, esmagar a concorrência doutros prédios que
almejavam o título do maior do mundo. Parece ser lenda, ainda que existam
provas de que o pináculo foi montado no interior do edifício e colocado num
tempo recorde: 90 minutos. Mas o mundo só às vezes é justo: o Chrysler foi
concluído em Outubro ou Dezembro de 1929, desafiando a Grande Depressão. Com
uma altura final de 318 metros, era o edifício mais alto da época. Mas nem isso
mereceu destaque na imprensa. Meses depois, seria ultrapassado em altura pelo Empire State. Quando falaram dele foi para o denegrir,
chamando-lhe «frívolo» e «atrasado» em relação ao seu tempo. O tempo se
encarregaria de lhe fazer justiça como um dos arranha-céus mais amados de Nova
Iorque. Nos andares 66 a 68, o Cloud Club, exclusivo local de convívio para
quem podia ver o mundo de tão alto: o financeiro E. F. Hutton, o editor Condé
Nast ou Juan Trippe, fundador da Pan Am. Após a 2ª Guerra e com o apogeu do international style, pôde parecer demasiado
convencional e previsível. Mas o facto é que continua lá, gigante e belo,
simultaneamente delicado e agressivo. Bem lá no alto, a olhar por nós.
Para o José Carlos,
um esteta que vive fascinado pelo Chrysler Building
António Araújo
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Que imagens fantásticas...
ResponderEliminarO mais belo edifício do séc. XX?
ResponderEliminarJosé Navarro de Andrade