5. A situação nas colónias do
Oriente
A
situação crítica nas colónias do Oriente – primeiro Timor e Macau até meados de
1945, depois, a partir da mesma data, o início do “caso de Goa” – tornou-se
tema permanente da agenda do Ministro, sempre sob orientação ou ratificação de
Salazar, originando bastante correspondência entre ambos.
Quando
Marcelo Caetano tomou posse, Timor estava ocupado pelos japoneses. Logo, em
Outubro de 1944, Salazar, através de uma nota (endereçada ao Governador de
Macau), deu a conhecer o quadro geral da política que vinha sendo prosseguida:
(i) continuavam as negociações com o Governo japonês com vista à retirada das
forças, embora até à data sem resultados práticos; (ii) não era possível adiar uma
solução pois as questões do Pacífico estavam em vias de resolução e o Governo
tinha de preparar uma expedição militar para reocupar o território,
beneficiando do auxílio dos aliados, como era necessário e devido; (iii) a
ocupação por forças portuguesas não poderia ser considerada acto de guerra
contra o Japão (uma constante preocupação de Salazar, para não afectar a
“neutralidade portuguesa”); (iv) no entanto, o corte de relações poderia
ocorrer; (v) conjugadamente, devia ser considerada a situação de Macau[1]. Notificado
desta orientação, Marcelo Caetano preparou um plano pormenorizado da “Expedição
a Timor”, sistematizada sob a forma de “Memorando”, datado de 20 de Outubro:
(i) quanto ao “Governo da colónia”, a experiência mostrava que, perante a
ocupação militar, convinha que o respectivo comandante assumisse o governo,
devendo o Ministro das Colónias pronunciar-se acerca da sua escolha e serem
esclarecidos os termos do relacionamento mútuo; (ii) quanto ao “regime
administrativo”, o Ministro das Colónias tinha de declarar o estado de sítio;
(iii) quanto à “política indígena” e sua reorganização, deveria seguir viagem
uma missão de funcionários dos quadros da administração civil; (iv) quanto à
“justiça”, a expedição devia ser acompanhada de um Tribunal; (v) quanto à
“Fazenda”, era necessário ir alguém que assumisse a Direcção dos Serviços; (vi)
havia ainda que escolher um “Oficial de Informações”, «inteligente,
desembaraçado, mas sereno e dissimulador», avançando Marcelo Caetano com três
possíveis soluções; (vii) era também conveniente a ida de um responsável pela
“Engenharia”[2].
A
correspondência subsequente aborda sobretudo duas questões: por um lado a
situação dos refugiados na Austrália[3],
por outro, a reocupação administrativa de Timor[4].
A
expedição a Timor (com partida de Lourenço Marques) começou a ser preparada em
Janeiro de 1945[5].
Em 17 de Maio, Marcelo Caetano defendeu ser altura de mandar avançar os navios
de guerra de Lourenço Marques para a Austrália[6],
com vista a alcançar em Timor, a curto prazo, «uma situação militar bastante
forte»[7].
Apesar de a hipótese ter sido aventada, como prolongamento da sua viagem a
África, Marcelo Caetano acabou por não se deslocar a Timor. Os últimos
contactos referem-se à apreciação do relatório apresentado em Agosto de 1946,
pelo novo Governador, Óscar Ruas, que para o efeito se deslocara a Lisboa[8]. E,
na conclusão do Ministro, afinal à ambiciosa reconstrução de Timor
«correspondeu uma realidade bem mesquinha»[9].
Em 1944, Macau encontrava-se cercada
pelos japoneses, numa situação precária, e só o governador ia aguentando a
frágil soberania portuguesa[10].
Na perspectiva de Salazar, considerando as circunstâncias, «o Governo tinha
naturalmente de contar Macau e Timor como duas pedras do mesmo jogo»[11]
As primeiras informações que Marcelo Caetano dá a Salazar referem-se às
comunicações telegráficas mantidas com o Governador Gabriel Maurício Teixeira,
visando prevenir um rompimento prematuro com o Japão[12].
Em 7 de Outubro, informa ter notícia de que a China iria declarar guerra ao
Japão e que bandos chineses começaram logo a agitar-se em Macau, mas
tranquilizara o governador, pedindo-lhe para serenar os ânimos[13]. Os
bombardeamentos de Macau pelas tropas norte-americanas levaram a protestos
portugueses e a explicações e providências norte-americanas[14].
A exemplo do que decidira quanto a Timor, Salazar também não deferiu a
deslocação de Marcelo Caetano a Macau, então de visita em Moçambique[15].
A restante comunicação sobre Macau, na época, provém de notas de Salazar, para
mero conhecimento de Marcelo Caetano, relativas aos contactos com o Governador
de Macau sobre questões diplomáticas e forças militares na colónia[16].
Em 16 de Maio de 1945 surgiram as
primeiras más notícias sobre o Estado da Índia, através de uma carta que
Marcelo Caetano remeteu a Salazar vinda do Dr. Froilano de Melo «acerca dos
manejos nacionalistas indianos de anexação de Goa»; o Ministro acrescentava que
doutras partes recebera alarmes análogos e que, desde logo, dera instruções ao
novo Governador Ferreira Bossa «para seguir o assunto com a máxima atenção»,
parecendo-lhe que as diligências junto de Londres sugeridas por Froilano de
Meloa não teriam grande êxito[17].
Na
segunda metade de 1946, o “caso de Goa” passou a tema constante da
correspondência entre ambos, sobretudo através de comunicações de Salazar. No
fim de Agosto, uma primeira nota remetia um ofício do Consulado de Bombaim
sobre a agitação dos goeses para Marcelo Caetano ficar com uma ideia das
manifestações contra Portugal[18].
Em fins de Setembro, perante declarações de Nehru «acerca da nossa Índia»,
Salazar traçou uma série de directivas; (i) havia que «começar a encarar o
problema e a preparar elementos de toda a ordem – históricos, jurídicos,
estatísticos, etc. – para nos defendermos numa instância internacional qualquer
ou mesmo perante o mundo»; (ii) pelo menos naquela altura, não parecia que o
Governo da Índia fosse desenvolver acção militar ou semelhante, embora pudesse
«tornar-nos a vida impossível, por diversos meios ao seu dispor»; (iii)
impunha-se «a defesa local, como for aconselhável» e ter preparados meios de
defesa perante qualquer areópago internacional; (iv) discretamente e com vária
colaboração «uma pequena comissão devia ocupar-se sem demora do assunto», tendo
como principal trabalho uma «monografia precisa e séria, sem desenvolvimentos
escusados nem luxos de erudição»[19].
Perante
o crescente dos ataques da imprensa da Índia às «nossas coisas de Goa», Salazar
desenvolveu diligências diplomáticas junto de Londres e Washington e começou a
criticar o Governo britânico por este se limitar a devolver «as carambolas da
Índia»[20].
Simultaneamente, Marcelo Caetano e Salazar apoiavam-se em Froilano de Melo para
se informarem da situação vigente em Goa e preparar o texto da moção que a
Assembleia Nacional deveria aprovar após o debate quanto à política de defesa
do Estado da Índia[21].
No
Conselho de Ministros de 16 de Dezembro, entre as questões coloniais, além da
situação em Macau, foi apreciado o caso de Goa, de «panorama sombrio»[22].
De seguida, Salazar e Marcelo Caetano deram grande atenção à substituição do
Patriarca da Índia, José da Costa Nunes[23]. Já
no termo da sua gestão ministerial, Marcelo Caetano foi informado e consultado
por Salazar sobre duas questões específicas: a eventual visita do Governador
Ferreira Bossa a Bombaim (para marcar a solidariedade britânica) e, sobretudo,
o andamento do projectado Estatuto da Índia, a ser aprovado pela Assembleia
Nacional[24].
6.
A
revisão do Acto Colonial (1945)
Como
se viu, logo no mês seguinte ao da posse, Marcelo Caetano comunicara a Salazar
a intenção de preparar uma série de alterações à Carta Orgânica do Império
Colonial, especialmente quanto ao sistema de delegações de competência por este
se mostrar «de legalidade duvidosa e não produz[ir] o efeito político desejado»[25].
Tratava-se pois, embora isolada, de uma medida favorável à descentralização
administrativa. Em Dezembro, o estudo desta proposta no Ministério das Colónias
estava feito, apenas faltando acabar o relatório. Porém, aprofundada a matéria,
concluíra-se que afinal ela não poderia preceder a reforma constitucional,
antes a pressupunha, quer porque as alterações à Carta Orgânica postulavam um «ligeiro
retoque no artigo 40.º do Acto Colonial» (que regulava o orçamento privativo de
cada colónia), quer porque convinha «introduzir nela diversos preceitos
relativos à actuação do Ministro das Colónias». Assim sendo, Marcelo Caetano
ficava aguardando instruções de Salazar[26].
Em
Março de 1945 comunicou ter pronta a proposta de alteração do Acto Colonial com
o respectivo relatório; quanto à conexa alteração da Carta Orgânica do Império
Colonial, estava também quase pronta[27]. Em
18 de Abril, Salazar solicitou-lhe o envio imediato do trabalho sobre a revisão
do Acto Colonial «sem prejuízo de o examinarmos mais tarde em conjunto»[28].
Em
18 de Maio, Salazar fez «uma importante comunicação» à Assembleia Nacional e entregou
a proposta de lei sobre a revisão da Constituição e do Acto Colonial. No
entanto, só referiu a revisão constitucional no último capítulo da sua
intervenção e sobre o Acto Colonial nada disse[29]. Talvez
a omissão resultasse do facto de, na Proposta de Lei sobre a revisão agora
exibida, o Governo se limitar, quanto ao Acto Colonial, a propor alterações à
redacção dos artigos 27.° (competência legislativa do Governo), 28.° (forma e
publicação dos actos legislativos) e 40.° (intervenção do Ministro das Colónias
na elaboração e aprovação dos orçamentos coloniais). Ou seja, acolher (apenas e
só) as sugestões de Marcelo Caetano, que, por sua vez, vinham do seu prévio
propósito de alterar a Carta Orgânica do Império Colonial.
O
Parecer da Câmara Corporativa concordou com as alterações dos três artigos em
causa, embora dando uma diferente redacção ao artigo sobre a competência
legislativa do Ministro das Colónias. Mas tinha algo de inesperado ao sugerir por
duas vezes – como ponto prévio e logo antes da “conclusão” – que as alterações
«talvez devessem ser mais amplas e profundas». No ponto prévio, propunha-se a
integração na Constituição das disposições fundamentais relativas às províncias ultramarinas. Na consideração
final, reiterava-se a ideia, acrescentando que o Parecer não só usava como sublinhava
a nova terminologia por considerá-la «mais harmónica do que a palavra colónias,
com a índole do Império Português»[30].
Não são apresentadas outras razões nem desenvolvidas as consequências de tais
alterações.
As
sugestões (mudança de terminologia e supressão do Acto Colonial) não foram, na
época, bem-sucedidas, em particular junto da Assembleia Nacional, a quem cabia
apreciá-las. O Ministro das Colónias, de partida para África, embora autor da
proposta de revisão, não lhes faz qualquer referência, em parte alguma.
António
Duarte Silva
[5] Carta de
Marcelo Caetano, de 31 de Janeiro de 1945, apud José Freire Antunes, op. cit., pp. 145/146.
[7] Telegrama de 20
de Agosto de 1945, citado por José Filipe Pinto, O Ultramar Secreto e Confidencial, Coimbra, Almedina, 2010, p.
199.
[8] Carta de
Marcelo Caetano, de 9 de Agosto de 1946, e Nota de Salazar, de 10 de agosto de
1946, apud José Freire Antunes, op. cit.,
pp. 188/189.
[9] Marcello
Caetano, Minhas Memórias…, p. 225.
Sobre a reocupação e o novo quadro regional, ver Valentim Alexandre, Contra o Vento – Portugal, o Império e a
Maré Anticolonial (1945-1960), Lisboa, Temas e Debates-Círculo de Leitores,
2017, pp. 175 e segs., e Fernando Augusto Figueiredo, “A presença portuguesa em
Timor: da concepção imperial ao modelo autonómico (1945-1975)”, in Rui Graça
Feijó (coord.), Timor Leste:
Colonialismo, Descolonização, Lusutopia, Porto, Edições Afrontamento, 2016,
pp. 176/179
[11] Oliveira Salazar, “Timor” (Nota Oficiosa
publicada nos jornais de 7 de Outubro de 1945), in Discursos e Notas Políticas – IV – 1943-1950, Coimbra Editora, 1951,
p. 162.
[12] Cartas de
Marcelo Caetano, de 27 e 29 de Setembro de 1944, apud José Freire Antunes, op. cit., pp. 124/125.
[14] Notas de
Marcelo Caetano, de 5 de Março de 1945, e de Salazar, de 15 de Abril de 1945, ibidem, pp. 152 e 156, respectivamente
[16] Notas de
Salazar, de 27 de Março, 29 de Novembro e 11 de Dezembro de 1945, apud José
Freire Antunes, op. cit., pp. 154,
166/167 e 171, respectivamente.
[17] Carta de 16 de
Maio de 1945, ibidem, pp. 159/160.
Froilano de Melo (1887-195) era médico, catedrático da Escola Médico-Cirúrgica
de Goa, católico, prefeito de Pangim e deputado à Assembleia Nacional. Na
altura entrara numa “guerra surda” contra o Governador José Ferreira Bossa.
[21] Ver Nota de
Marcelo Caetano, de 8 de Novembro de 1946, e Nota de Salazar (não datada), ibidem, pp. 200 e 202/203,
respectivamente.
[23] Nota de
Salazar, de 27 de Dezembro de 1946, e Cartas de Marcelo Caetano, de 27 de
Dezembro de 1946 e de 7 de Janeiro de 1947, Nota de Salazar, de 7 de Janeiro de
1946, ibidem, pp. 205, 206, 208 e
209, respectivamente.
[24] Carta de
Marcelo Caetano, de 7 de Janeiro de 1947, Notas de Salazar, de 7 e 8 de Janeiro
de 1947, Carta de Marcelo Caetano, de 8 de Janeiro de 1947, e Notas de Salazar,
de 15 e 25 de Janeiro de 1947, ibidem,
pp. 205/213. Quanto à concessão de um estatuto político especial ao Estado da
Índia, ao afastamento do Governador Ferreira Bossa e à questão do Padroado
português, Valentim Alexandre, Contra o
Vento…, cit., pp. 126 e segs.
[30] Cfr. Câmara
Corporativa, “Parecer sobre a proposta de lei n.º 110 (Alterações à
Constituição e ao Acto Colonial)”, in Diário das Sessões, Suplemento ao n.º
176, de 16 de Junho de 1945, pp.
642-(19) e 642-(21), respectivamente.
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