Nos últimos anos a
bibliografia sobre o Exercício ALCORA tem-se vindo a ampliar graças às
investigações nos arquivos que conservam documentação sobre a guerra colonial.
Avulta dentre a bibliografia o trabalho de Vicente de Paiva Brandão, ALCORA,
a derradeira tentativa de manter o Ultramar Português, Casa das Letras,
2020. Tudo terá começado com a tese de doutoramento do autor a que se deu um
alindamento posterior. Reconheça-se que há singularidades na pesquisa de Paiva
Brandão, percorreu arquivos nacionais e estrangeiros, procedeu a História Oral
e recolheu opiniões de intervenientes que acompanharam o desenvolvimento deste
protocolo.
Dá-nos em primeiro lugar
uma síntese da História da África do Sul, que nos poderá ajudar a compreender a
essência do poder branco e a perceção que o país do Apartheid possuía sobre a
importância crucial de ter o respaldo do Império Português. O autor dá-nos
neste ponto uma evolução do pensamento sul-africano ao longo do período que se
iniciou com a descolonização do continente africano e das iniciativas tomadas
para a aproximação com o Estado Novo, impunha-se, na lógia de Pretória, uma
defesa mútua dos valores da civilização ocidental.
A política de Salazar
era, por um lado, recetiva à cooperação mas, por outro lado, reticente quanto
às ambições hegemónicas da África do Sul e ao risco de aparecer na comunidade
internacional como parceiro de uma política racista, como o autor observa: “No
caso português, duas ordens de razões justificavam que se procurasse discrição:
primeiro, tal colaboração existia e era uma mais-valia para as forças lusas que
não convinha publicitar; por outro lado, a Lisboa não interessava a colagem a
Pretória, pois esta revia-se no sistema do Apartheid, doutrina que colidia com
o multirracialismo veiculado por Portugal. Também no que dizia respeito à
Rodésia, o executivo luso pautava-se pela prudência, devido às desavenças entre
Ian Smith e o governo de Londres, agravadas após a Declaração Unilateral de
Independência daquele território em relação ao Reino Unido. Este hábil jogo
diplomático prolongou-se durante o consulado de Salazar, mas com Marcello
Caetano, com a agudização das incursões da Frelimo, sobretudo na província
sul-africana de Tete, e a crescente atividade da SWAPO no Sudoeste Africano, em
associação com movimentos de libertação angolanos, levou ao estabelecimento, em
outubro de 1970, de um convénio ultrassecreto cujo título nos dossiês é de
Exercício ALCORA. Vai-se formalizar o compromisso das autoridades dos três
países em definirem estratégias e planos concertados para combater inimigos
mortais”.
Em 1964, a Rodésia do
Norte tornou-se na República da Zâmbia, avolumaram-se as críticas ao domínio
branco, a Rodésia do Sul, em novembro de 1965, declara unilateralmente a
independência face à Grã-Bretanha, surge um novo aliado para combater a
subversão dos independentistas, haverá bloqueio por parte da Grã-Bretanha,
graças ao porto da Beira, Salazar facilitará os abastecimentos essenciais do
governo do domínio branco de Ian Smith.
Como se disse acima,
Marcello Caetano foi convencido a uma nova abordagem militar, 1970 é o ano da
Operação Mar Verde, dirigida contra a Guiné-Conacri e a Operação Nó Górdio no
Norte de Moçambique, com a primeira agravou-se o isolamento diplomático de
Portugal, com a segunda a FRELIMO que deixara as suas bases às moscas foi
avançando para o Tete.
O autor dá-nos conta do
que foi a política de aproximação da África do Sul a certos países africanos,
tudo se agudizou em termos de política externa: falência no diálogo com os
estados africanos, incluindo Madagáscar; esfriamento das relações com o
Botswana; afastamento e hostilidade do Lesoto; manteve-se alguma cooperação com
o Malawi, Maurícias e Suazilândia e algum relacionamento com a Zâmbia. É de
utilidade o enunciado sobre a diplomacia bilateral, se bem que esta matéria
apareça estranhamente repetida noutros pontos do livro. O entendimento entre a
África do Sul e o Estado Novo fez parte da estratégia militar sul-africana logo
na década de 1950 e o autor dá um bom quadro destas diligências; entretanto
todo o cenário da subversão se alterara com os três teatros de guerra nas
colónias portuguesas e assim chegamos a outubro de 1970 em que o Exercício
ALCORA reuniu Portugal, a África do Sul e a Rodésia, todos os convites
endereçados pela África do Sul às antigas potências coloniais não obtiveram
resposta. Portugal tinha recursos limitados e aceitou apoio externo dentro da
combinação trilateral, o apoio em meios aéreos foi muito bem-vindo.
E dá-se uma descrição do
suporte, logo no Sudeste de Angola com os helicópteros Alouette III e a
colocação de combustível no Sudeste angolano. O autor observa que esta
cooperação iniciara-se já em 1968, agora intensificava-se, o protocolo tinha um
objetivo muito elástico: “Investigar os processos e meios de conseguir um
esforço coordenado tripartido entre Portugal, a República da África do Sul e a
Rodésia, tendo em vista fazer face à ameaça mútua contra os seus territórios na
África Austral”. Dava-se ênfase ao aspeto militar, estabeleceram-se modos
organizacionais envolvendo também a contrainformação, telecomunicações,
unidades de reserva e até reconhecimento e fotografia aérea. Este último aspeto
era muito importante para Portugal que não dispunha de grandes meios ao nível
fotográfico. Em 1971, reuniu-se a subcomissão ALCORA de defesa aérea, aí se
constatou que os caças da Força Aérea Portuguesa F-84 e G-91 eram inferiores a
uma hipotética ameaça de aparelhos Mig-19 e 21. E concluiu-se ser imperioso a
criação de uma força de ataque com Mirage M-5 e F-1; a ajuda suplementar em
helicópteros foi também considerada.
Os políticos
sul-africanos estavam atentos à evolução da FRELIMO em direção ao distrito de
Tete, podia pôr em perigo a construção da barragem de Cahora Bassa, que seria
vantajosa tanto para a África do Sul como para a Rodésia. Os sul-africanos
tinham ficado igualmente dececionados com as iniciativas espalhafatosas de
Kaúlza de Arriaga. Quando, em setembro de 1971, Ken Flower, chefe dos Serviços
Secretos rodesianos, se encontrou com Marcello Caetano, deu a saber ao político
português que a guerra poderia estar comprometida em Moçambique, caso não se
alterasse a respetiva orientação, havia infiltrações da FRELIMO provenientes da
Zâmbia e dirigidas a Tete. Ian Smith irá nos próximos anos revelar a inquietação
que lhe provoca a situação em Moçambique. Intensificou-se o apoio militar a
Portugal.
O autor dá-nos
seguidamente a apreciação do histórico da cooperação militar bilateral, desvela
os múltiplos contatos entre os parceiros do protocolo trilateral, a África do
Sul esteve sempre atenta à evolução dos acontecimentos em Angola e Moçambique,
temia que ambas as colónias caíssem na esfera da influência colonista, e depois
dos graves acontecimentos na Guiné de 1973 abriram os cordões à bolsa para que
Portugal comprasse armamento e equipamento à altura dos novos desafios. Para o
autor, a intervenção da África no Sul nas guerras que Portugal travou em África
não terá sido decisiva. É da maior conveniência ler esta obra no contexto das
diferentes investigações efetuadas desde a década de 2010.
Mário Beja Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário