segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Carta de Bruxelas.

 





Outono


O Verão, diz o poeta, é a única estação. Depois da alegria ruidosa, exterior, objectiva, vem o tempo do recolhimento. Lá fora e lá para trás ficaram as aventuras movimentadas, os risos colectivos, as festas longas – e a promessa de mais no dia seguinte. Em casa, junto da família, sente-se o perfume quente e adocicado da compota ao lume, o conchego da lareira com o seu fogo antigo, a manta no sofá – talvez um bom livro para ler. O Porto velho substituiu a cerveja. Já chegaram as chuvas, que reflectem as luzes das lojas e dos automóveis, e chegaram também os vendedores de castanhas; é pena já não serem servidas nos cones feitos com as folhas das listas telefónicas. O frio faz-se sentir, tão agradável antes de se recolher ao lar, no contentamento discretamente sorridente de quem se cruza com as crianças pequenas que regressam da escola, ruidosas, ainda entusiasmadas como tudo o que começa. As ocasiões e os passeios pedem já outra roupa, que, pesada, sai ligeira dos armários; um encontro marcado no passado que se cumpre como esperado e com a satisfacção serena de uma surpresa não inteiramente surpreendente. E com o passar do tempo aproximam-se as férias e o Natal, os planos, as compras. É o Outono – de todos os lados chega o convite à traição. 


                                                                                João Tiago Proença




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