segunda-feira, 30 de setembro de 2019
domingo, 29 de setembro de 2019
Serenidade.
Há
muito tempo que não ouvia Serenity,
um dos últimos discos gravados por Stan Getz antes de morrer. Stan Getz teve um
início de vida complicado, era viciado no álcool e nas drogas, foi preso quando
jovem por assaltar uma farmácia em busca de morfina. O final da vida também não
foi fácil, Getz morreu minado por um cancro. Ainda assim, entre a morfina
juvenil e o tumor dos últimos dias, conseguiu deixar-nos um disco que nos
deslumbra pela imensa serenidade, no título e não só.
Este
blogue já existe há vários anos, talvez há tempo demais, e volta não volta
abate-se sobre ele uma luz crepuscular, fruto do desalento de quem não talento
– e que há muito deveria reconhecê-lo, de uma vez por todas. Qualquer que seja
o desfecho, confesso que gostaria que o imenso
adeus ocorresse precisamente como o de Getz, e com a palavra serenidade.
Nos
últimos tempos, tenho falado muito aqui de alterações climáticas e temas conexos.
Talvez mais do que a conta, certamente mais do que a paciência dos leitores
aguenta. Não me motiva qualquer ambição de cruzada nem sectarismo radical. Já
há muito que ouço falar de aquecimento global, e até houve um tempo em que
podia sorrir, quase concordar, quando lia um livro sobre a década de 1970 em
que o autor, David Frum, relativizava o problema dos gases-estufa recordando
que nessa década dos 70 o pânico era o arrefecimento global e o surgimento de
uma nova Idade do Gelo. Também houve um tempo em que lia The Skeptical Environmentalist, de Bjorn Lomborg, e, mesmo não
concordando, ia reconhecendo, aqui e acolá, que ele talvez tivesse alguma razão
num ou noutro ponto. Mas depois vemos o que aconteceu a Lomborg e sabemos que ele
tinha uma organização com um orçamento anual de um milhão de dólares, dos quais
750 mil eram o seu salário, e depois vemos que uma organização de cientistas
como a Climate Feedback detectou os inúmeros e gravíssimos problemas do que
Lomborg escrevia – crítica que este nunca foi capaz de rebater – e começamos a
duvidar do cepticismo do dinamarquês.
Esse
tempo passou. E, sinceramente, não sei quantos mais relatórios e mais notícias
e mais tragédias serão necessários para mostrar que esse tempo passou. E é por
isso que a palavra serenidade nunca foi tão necessária como agora. Dirão que o
discurso de Greta Thunberg foi tudo menos sereno, e eu até posso concordar. No
que não posso concordar é que, a propósito desse discurso, se publiquem
comentários alarves e machistas em que se fazem trocadilhos ordinários com o
nome da miúda. Há uns anos, o Herman José fez uma piada em que dizia que a
Greta Garbo era a greta mais famosa do mundo, o que, não primando pelo bom
gosto, sempre era uma tirada humorística. Agora, não: muitos não hesitaram na
piadinha rasca e boçal, de jaez taberneiro. Nas páginas do jornal i,
um tal de Rodrigo Alves Taxa lá publicou uma prosa intitulada «Coimbra, Vacas e Gretas», em que dizia coisas como «isto do ambientalismo, tal como está
a ser conduzido, não é mais do que uma moda que não nos leva a lado nenhum»
(!). «Para piorar, ainda me aparece agora uma catraia de 16 anos, catapultada a
estrela mundial da matéria», disse Taxa, acrescentando: «ora que diabo, o que
apetece dizer perante isto é: Oh rapariga, vai-te lá acabar de criar e depois
logo falamos». Não contente, o articulista do i incomodou-se com o «palco que se dá a uma catraia de 16 anos que
nada sabendo da vida quer ensinar os outros como governar» (jornal i, de 27/9/2019). Perante um nível de
argumentação como esta, compreende-se a profunda crise da imprensa portuguesa,
fruto da indigência de quem nela escreve. Já no Observador, Alberto Gonçalves não se inibiu de perguntar, com o
habitual bom gosto: «As Gretas saíram à rua?».
Serenidade,
impõe-se, por muito que não apeteça. Serenidade para reconhecer, par une fois, que, ao contrário do que
tantas vezes sucede, José António Saraiva tem no jornal Sol um artigo intitulado «Carne de Vaca» que coloca questões
interessantes e pertinentes. A mais importante é a saber até que ponto não é
fácil e ilusória, e também ela confortavelmente simbólica, a adesão dos
estudantes de Coimbra ao fim da carne de vaca nas cantinas universitárias.
Merece reflexão a pergunta que Saraiva faz, a de saber se esses mesmos
estudantes estariam e estarão dispostos a maiores sacrifícios, a sacrifícios
que mais lhes custem e doam, como largar o automóvel a caminho das aulas ou
consumir menos em viagens aéreas, em festas ou em roupa, tudo a bem do
ambiente. A propósito disso – e essa vai ser uma prova de fogo para o reitor,
para a universidade e para a comunidade académica – será interessante ver como
a Academia se porta na próxima Queima das Fitas. Se a Queima vai ser como todos
os anos é, um arraial de imundície em que, além dos neurónios e da
inteligência, se desperdiçam milhares e milhares de copos de plástico. O Senhor
Reitor, que tomou uma medida ousada e corajosa, e os alunos, que logo o
apoiaram, foram sujeitos a um vendaval de críticas (quanto a mim, quase todas
infundadas, mas adiante). Pois a melhor forma de mostrarem que são capazes de
ir além do simbolismo dos bifes é imporem às cervejeiras e às comissões das fitas
e das queimas que haverá um uso racional do plástico naqueles dias de loucura e
«tradição»; por exemplo, como agora já se faz um muita festa jovem, premiando a
reutilização dos copos de plástico ou mesmo – será pedir muito? – abolindo totalmente
o seu uso. Faço daqui este modestíssimo apelo – que, de resto, não é original,
Mário Ramires já falou disto nas páginas do Sol – com a legitimidade de quem
apoiou a decisão do Magnífico desde a primeira hora.
E
a decisão do Reitor deve ser apoiada porquê? Uma vez mais, por serenidade.
Gozarão alguns, dizendo que aquela decisão foi tudo menos serena. Pois não me
interessa se o foi ou não, como já estou cansado de tentar saber se a decisão
tinha ou não fundamento «científico». Desde que rebentou, este caso pareceu-me
muito mais importante e expressivo do que parece à primeira vista. Para uns,
não passará de uma controvérsia pateta em torno de uma questiúncula menor, como
tantas vezes sucede na esfera pública portuguesa. Não é. Foi, sem dúvida, uma
questão menoríssima, quase caricata. E é por isso, paradoxalmente, que uma querela
menoríssima se tornou, em meu modesto entender, numa questão de importância
crucial, crucial. O facto de uma questão destas ter suscitado tanta celeuma é,
quanto a mim, a prova provada de que não estamos nada, absolutamente nada,
preparados para mudanças de maior vulto que, pelo que vou vendo e lendo, terão mesmo de ocorrer. Queiramos ou não.
Muitas dessas mudanças até podem ser, concedo serenamente, pouco fundamentadas
e apressadas, ditadas por um desejo de mostrar serviço e aliviar consciências
pesadas. Julgo que não, mas admito que o sejam. Pois bem: quando mudanças
maiores tiverem de ocorrer, estamos preparados para elas? Não, não estamos.
Serenamente, temos de o reconhecer. Não estamos preparados para coisas como vão
acontecer na Indonésia, em que 30 milhões de pessoas vão ter de abandonar Jacarta, em risco de ser afundada pela subida do nível das águas. Trinta
milhões, leram bem. Esses vão ter de mudar de casa, emprego, etc., algo um
pouco mais forte do que deixar de comer bife numa cantina de uma universidade.
Estaremos nós preparados para coisas como essas? Não. Daí termos motivos para,
sem perder a serenidade, ficar ainda mais preocupados. Daí a exemplaridade deste
caso dos bifes da Lusa Atenas. À preocupação com as alterações climáticas
junta-se uma preocupação adicional: não só temos de lidar com o aquecimento
global como ainda temos de lidar com a resistência e a aversão à mudança, com a
incapacidade de alterar as mais pequenas coisas do nosso quotidiano – como
teremos de lidar ainda, e sempre com serenidade, com o sectarismo acéfalo de
muitos opinion makers e com a
tendência para converter tudo, mas tudo, num território de disputa e combate.
Impressiona-me, sinceramente, o apreço que muita da nossa direita parece agora
mostrar pelo marxismo da luta de classes, e pela facilidade com que se entrega e
resvala numa lógica conflitual e confrontacional tão ao gosto da esquerda mais
radical, da esquerda – e, pelos vistos, de muita direita – que é incapaz de
alcançar compromissos e de encontrar consensos para além da sua trincheira e da
sua barricada ideológica. É por estas e por outras, por falta de serenidade,
que as sociedades estão cada vez mais polarizadas e maniqueístas, mais
extremistas, sem centro equilibrante nem consenso possível. De um lado, Donald
Trump, do outro Bernie Sanders. No meio, terra de ninguém.
Isto
vê-se em pequenas coisas que nunca pensei ver, em dias da minha vida, até aqui
serena. Por exemplo, vê-se no modo como especialistas e universitários
apareceram a falar numa questão de bifes. Pessoas que muito respeito, como
Henrique Pereira dos Santos, ou outras que também merecem respeito, como Manuel
Cancela d’Abreu, da Universidade de Évora («Carne de vaca - e porque não?»). O que me impressiona e aflige é que
falem agora, apenas agora, a propósito de uma questão menoríssima mas que se
tornou estupidamente numa querela política, com todas as críticas ao reitor a surgirem
de forma alinhada da mesma área ideológica. Há meses, não muitos, o Governo
aprovou e fez publicar no jornal oficial o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC 2050). Ora, e como bem se assinala aqui, neste artigo de três
professores do Instituto Superior Técnico especialistas em Ambiente e Energia, esse
Roteiro preconiza «uma redução significativa do
número de bovinos em Portugal em 2050 com base na constatação, correcta, de que
constituem um significativo contributo para as emissões de metano, um gás com
forte efeito de estufa». Este artigo aconselha ponderação e louva as pastagens
biodiversas, na linha do Roteiro para a Descarbonização, que contou nessa parte
com a assessoria técnica da Agroges e de uma personalidade que muito admiro,
Francisco Avillez, penso que insuspeito de ser um extremista da esquerda
radical. Leiam o que diz, aqui.
Admiro-me, por isso, que os que agora criticam o Reitor, intervindo
e politizando uma questão menoríssima, não tenham, ao que sei, criticado o que
mais importa, porque de maior alcance, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica
e a sua aposta numa redução, numa redução significativa, do número de bovinos.
O Roteiro esteve em consulta pública, foi amplamente debatido, e o facto de a
celeuma se ter instalado por causa da micro-decisão de um Reitor e não por
causa desse Roteiro – que, insiste-se, aponta para uma redução significativa do
número de bovinos – é a prova, mais uma, da indigência do debate público em
Portugal.
E, no meio de tudo, a questão essencial fica sempre por
responder, e é esta: reduzir o consumo de carne de vaca é ou não é positivo para
a saúde pública e para o ambiente? Reduzir, como aqui se diz, é ou não positivo para o planeta e para a nossa vida?
Se a resposta for negativa, se não fizer sentido diminuir a
produção e o consumo de carne de vaca, então porque é que o Roteiro para a
Descarbonização fala disso? E, se fala, porque é que os actuais críticos do
Reitor de Coimbra não o criticaram? Se as pastagens são boas para fixar carbono, e se só olharmos a essa realidade, deveremos então comer ainda mais carne do que aquela que comemos? Uma coisa parece-me evidente: o que o
Reitor fez não foi mais do que um tímido contributo, na sua limitadíssima
esfera de actuação, para concretizar objectivos inscritos numa Resolução de
Conselho de Ministros de Portugal.
Se a resposta for positiva, se se entender que a produção e o
consumo de carne são danosos para o ambiente e para a saúde pública, que é
necessário haver moderação, então para quê questionar o que foi decidido em
Coimbra?
São estas perguntas que deixo, numa tentativa de abordar serenamente
um tema que, convenhamos, bem merecia ser mais consensual e pacífico. Serenity, please.
sábado, 28 de setembro de 2019
é só ir seguindo os links...
O
meu amigo Miguel Geraldes Cardoso, que muito aprecio e que até já contribuiu
para o Malomil, em resposta aos meus posts (de pescada...) sobre alterações
climáticas e sobre a crise do bife em Coimbra, tem-me enviado muitos artigos de
análise dessas questões. Análise feita por uma organização chamada Human
Progress.
Human Progress é um projecto do Cato Institute, e o Cato Institute é um instituto libertário (de direita) financiado pelos irmãos Koch, os principais sponsors do negacionismo das alterações climáticas (aqui). O Cato Institute foi, aliás, fundado em 1974 como Charles Koch Foundation, só assumindo o nome actual em 1976. Charles Koch é a 11ª pessoa mais rica do mundo, dono e presidente das Koch Industries, que têm, entre muita coisa, empresas de fertilizantes, de pipelines de petróleo, de químicos, de refinarias e até um rancho em Montana com mais de 15.000 cabeças de gado. São os donos da Lycra, entre muita outra coisa. Se comprar coisas de Lycra, saiba: Koch Industries. E Charles Koch, ao que parece, está agora a aproximar-se de Donald Trump (aqui).
É claro que o Cato Institute poderia
ser independente de tudo isto e ideologicamente neutro, mas não é. Se formos à
página do Cato Institute encontramos artigos contra as propostas dos Democratas a área da saúde, a favor da política de Trump no sentido de reduzir a
intervenção federal em matéria de poluição das águas, porque é que a América não pode subscrever um Green New Deal, etc, etc. Curiosamente,
só encontramos artigos a favor de um lado, apenas de um. Veja-se este conjunto de artigos sobre aquecimento global do Cato Institute. O Human Project tem artigos a dizer que os ambientalistas são inimigos do crescimento e, pasme-se, que são mais deprimidos do que os outros mortais…
O
Cato Institute é também financiado pela John Templeton Foundation, que apoia
projectos que, digamos, estão muito para lá da pseudociência. Character Virtue Development, Intellectual
Humility, Future-Mindedness, Immortality… (aqui, tudo). O Human Project é também financiado pela Brinson Foundation e pelo Searle Freedom Trust.
Criticou-se a decisão do Reitor de Coimbra por ser «simbólica» e não ter «fundamento científico». Afirmou-se que ela provinha do «pensamento mágico», não do «pensamento científico». Não sei o que se dirá dos projectos da John Templeton Foundation, mas enfim…
Criticou-se a decisão do Reitor de Coimbra por ser «simbólica» e não ter «fundamento científico». Afirmou-se que ela provinha do «pensamento mágico», não do «pensamento científico». Não sei o que se dirá dos projectos da John Templeton Foundation, mas enfim…
Como
aqui tenho dito, é sempre de evitar «informação» vinda de sites ou fontes não
oficiais nem autorizadas. Aconselho, vezes sem conta, a que se leiam fontes
oficiais.
Por
exemplo, a Direcção-Geral de Saúde portuguesa, que na sua Nota sobre Alimentação e Cancro aconselha moderação no consumo
de carnes vermelhas. Ou da FAO – convém mostrar que a FAO não é uma organização
que condene cegamente a carne, apenas alerta para o seu consumo, que irá
duplicar até 2050. Há quem ainda conteste o seu relatório de 2006, mas o certo é que ele permanece,
a FAO não o corrigiu, como não corrigiu isto.
Ainda
recentemente, em Agosto deste ano, a ONU considerou que moderar o consumo de carne pode ajudar a proteger o planeta das alterações climáticas.
Podemos
não acreditar na «ciência» divulgada pela Organização das Nações Unidas, uma
entidade que agrega dezenas de países e recebe o influxo de centenas de
cientistas de todo o mundo. Podemos não acreditar na ONU, mas… entre a ONU e o
Cato Institute, qual parece mais isento ou credível? Já agora, que tal olhar para a NASA, ou é uma organização pouco científica?
Cada
um pode consumir o que quiser, carne de vaca ou de cão. E o mesmo se aplica à
informação que se ingere e divulga. Ainda assim, convém ler o rótulo do que comemos…
sexta-feira, 27 de setembro de 2019
Portugal é Sensacional.
Numa
audaciosa operação com meios terrestres, a GNR do Lordelo identificou quatro perigosos homens, dois baralhos
de cartas e 21 euros, estes em numerário. Crê-se que o grupo criminoso, todos homens
do sexo masculino com idades compreendidas entre os 58 e os 68 anos que se
entregavam a um jogo conhecido como «Loba», tem ligações à Al-Qaeda, ao Daesh
e, às sextas-feiras, ao Califado Islâmico, secção Alto Minho. A acção segue agora os seus trâmites, com início em Lordelo, Guimarães, e paragem em todas as acções e apeadeiros, Alfarelos, Entroncamento e Guatanamo.
quinta-feira, 26 de setembro de 2019
A questão dos animais.
«Quer ajudar o planeta? Não tenha animais de estimação». Ao ler o título deste artigo
da Visão, baseado num artigo científico americano, achei que estavam a tresler
o que o autor queria dizer. Mas não. Concluindo que alimentação para cães e
gatos de tem uma grande pegada ecológica, o autor defende mesmo, and I quote, que
é necessária uma «large-scale reduction in their number». Ou seja, que temos de
mudar o modo como alimentamos os nossos animais domésticos, mas que devemos
reduzir o seu número. No entanto, e como refere a Visão, citando o cientista,
«Esta análise não significa que devemos limitar a propriedade de cães e gatos»
«Mas também não podemos vê-la como u, bem incontestável».
Vamos
por partes:
1º
- Devemos reduzir o número de animais domésticos – mesmo aceitando esta
premissa, ninguém pensa, creio eu, abatê-los em massa e incinerá-los, até pelos
efeitos colaterais que isso teria para a atmosfera. Assim, a esterilização é a
solução. Só ela permite reduzir o número de animais sem matar os que já
existem.
2º
- Logo, a melhor solução será, creio, não proibir os animais domésticos ou retirá-los
a quem os tenha, mas, pelo contrário, evitar os animais abandonados e não
esterilizados. A melhor forma de o evitar será capturar os que existem,
esterilizá-los, dá-los para adopção. Assim, não podemos ficar pela ideia
básica: não devemos ter animais de estimação. Devemos. Se os alimentarmos de
forma diferente, se garantirmos que não se reproduzem. Veja: https://www.esteriliza-me.org/
3º
- Além da carga sobre os particulares, que têm de alimentar de outra forma os
seus bichos e, se possível, esterilizá-los, o Estado tem de intervir – o que
tem feito o Estado português na matéria? Muito pouco, quase nada… no início do ano, notícias sobre concursos para esterilização. Avançou-se? Pouco…
4
º - Devemos proibir a posse de diversas espécies de animais exóticos, pela sua
perigosidade e pelos seus efeitos ambientais, sobretudo quando são devolvidos
«ao selvagem» a habitats que não são nem nunca foram os seus, onde podem morrer
ou reproduzir-se em massa, tornando-se uma espécie invasora ou predadora da
fauna autóctone.
5º
- Insiste-se: a ideia que perpassa do título da notícia da Visão é enganadora.
A questão não é termos ou não termos animais em casa. Para os animais que já existem, a
questão não é essa, é esterilizá-los. Só assim se combate a pegada ambiental de
cães e gatos, a qual pode ser significativamente minorada com mudanças na
alimentação. Ninguém de bom senso, nem o autor do artigo americano nem ninguém
de bom senso, pode pensar em matar os animais que existem e queimá-los em larga
e poluidora escala. Reduzir através da esterilização, cuidando que isso não
afecta o futuro de algumas espécies, é o melhor caminho. E o caminho mais
adequado para a esterilização é a posse de animais domésticos. Saber se a
esterilização deve ser imposta e obrigatória, aí, sim, estamos perante uma
questão controversa. Essa é que merece ser discutida, pois é a única que
suscita dúvida.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019
São Cristóvão pela Europa (95).
São manifestações
estéticas da veneração que sobretudo no passado existiu pelo santo dos
viajantes.
Nuremberga não é
excepção.
Na igreja gótica de
São Sebaldo, um fresco no interior:
No exterior:
Na igreja, também
gótica, de São Lourenço, um imenso vitral representa por um lado o casamento do
Imperador Frederico III e Leonor de Portugal, filha do nosso rei D. Duarte, e
por outro a busca da Santa Cruz na Terra Santa.
Mesmo à direita do
escudo de Portugal, o nosso São Cristóvão:
segunda-feira, 23 de setembro de 2019
Vai ser bonito, vai (2).
Peço
mil perdões por voltar à vaca fria, mas o tema, aparentemente menor, tem-se
revelado maior do que eu pensava. Sobretudo pelo que demonstra de terrível e
assustadora ignorância em relação a um futuro que já é presente. E pelo que
mostra como muitos – os mais qualificados! – ainda não perceberam o filme que
está em cartaz e aí vai permanecer anos
a fio. Pessoas de grande cultura e invulgar talento como Francisco José Viegas
vieram criticar a medida da Reitoria, no que foram seguidas por distintos
pensadores e publicistas, como… o doutor Moita Flores. Definitivamente, não
estamos preparados para a batalha das alterações climáticas.
Hoje, nas páginas do Correio da Manhã, João Pereira Coutinho,
que admiro imenso e estimo pessoalmente como um dos intelectuais mais cultos, inteligentes
e divertidos deste país, tem um artigo chamado «A política da paranóia». Onde diz:
«Não se entende como é possível excluir o bife e deixar a salvo outras carnes. O
impacto ambiental não é o mesmo?»
Não, não é, meu caro João. Para já, não
se exclui só o bife, exclui-se toda a carne de vaca. E o impacto ambiental da
carne de vaca não é o mesmo do que o das outras carnes. As minhas filhas sabem
isto, aprenderam no ensino básico. Mas, apesar de básico e elementar, aqui fica
um quadrinho da FAO/Nações Unidas sobre as emissões de CO2 por tipo de animais, que mostra em bonecos aquilo que todos
deviam saber, sobretudo antes de escrever e opinar:
domingo, 22 de setembro de 2019
Vai ser bonito, vai.
Ao retirar a carne de vaca das ementas
das cantinas (insiste-se, à náusea: o que é muito diferente de proibir o
consumo de carne de vaca na universidade inteira), o reitor de Coimbra – ou,
melhor, da equipa reitoral, pois não creio que tenha actuado sozinho – levantou
um coro de protestos, quase todos oriundos da área da direita. Além de
comentários cáusticos no jornal Sol
(aí, Mário Ramires fez uma sugestão oportuna: proibir copos de plástico na
queima das Fitas), surgiram no Observador vários artigos críticos, dois dos
quais de pessoas que estimo e aprecio, Helena Matos («Os Filhos do Vasco Granja») e João Marques de Almeida («O Senhor Reitor não Gosta de Bifes»).
Em ambos os casos, e noutros textos,
fala-se de «ditadura», o que, convenhamos, é um manifesto exagero, tanto mais
que, ao que sei, a Lei Fundamental não consagra o direito fundamental a comer
carne de vaca ou o produto X ou Y numa cantina que é, para mais, subsidiada.
Não tenho direito a caviar ou trufas do Périgord no tabuleiro de fórmica – e ninguém
fala em opressão à liberdade por uma cantina universitária decidir sobre a sua
ementa, a ementa que é subsidiada por ela, não paga ao preço de custo pelos
alunos (alguém recordou isso?). Se o aluno pagasse na íntegra o preço da
refeição, a conversa poderia ser outra, mas não é assim que as coisas se
passam, temos pena. O Reitor já disse, e bem, que as restrições orçamentais e,
sobretudo, as regras da contratação pública não lhe permitem comprar a carne
que bem entenda, há regras e procedimentos, tem de se escolher a mais barata.
Logo, pensar em novilhos bio, carnes maturadas, vacas japonesas massajadas ao
som de Mozart, tudo isso é muito bonito, está muito bem, mas há dinheiro? Seria
legalmente possível? Imagine-se agora que o Reitor, por uma qualquer razão,
conseguia obter carnes de luxo para as cantinas, pagas com os impostos dos
contribuintes. Que diriam os que agora o criticam? Filé mignon com os nossos impostos! Diferente, pois ponderada e informada,
é a opinião de Henrique Pereira dos Santos, a ler. Obrigado, Henrique.
O ponto, quanto a mim, é outro. Isto
foi um caso risível de bifes numa cantina. Dirá o Reitor que é «simbólico», no
bom sentido, dirão os críticos que é «simbólico», no mau. Não interessa. O que
interessa, e o que me interessa, o que me aflige e me preocupa, é pensar: se ficou
tudo alvoroçado com a retirada da carne de vaca de uma cantina, como será
quando se tiverem de fazer mudanças a sério? Os estudantes não se queixaram,
até aplaudiram. Na universidade, de quem come lá, não houve contestação, nem um
Maio de 68 carnívoro. As críticas vieram de quem não come na cantina, mas
opina. E a prova que tanta gente dá, Assunção Cristas incluída, de aversão e impreparação
para a mudança é assustadora. Assustadora. E reveladora. De ignorância. Acaso
não saberão que Jacarta, a capital inteira de um país imenso, vai ter de mudar de sítio? Acaso ignorarão que a Cidade do Cabo esteve meses, anos, sem água,
até há muito pouco? Isso, sim, são mudanças. Por cá, carne coimbrã…
Theewaterskloof, o principal reservatório de água da Cidade do Cabo, com 11% da sua capacidade. Fotografia de Março de 2018.
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Aqui, em Portugal, só muda a ementa de
uma cantina – e é isto, um psicodrama. E se Lisboa tivesse de mudar de lugar,
como na Indonésia, ou se o Porto passasse meses à seca, como na África do Sul?
Como será quando e se (o «se» aqui é eufemístico) tivermos de racionar a água,
deixar de andar de automóvel, limitar as viagens de avião ao estrangeiro? Vai
haver mortos e feridos? Que sinal dá ao povo português, e à necessidade de
mudança radical e urgente, uma dirigente política que reage como Assunção Cristas
reagiu? Que mensagem transmite aos agricultores? Julga que está a defender os
seus interesses, no imediatismo de vistas curtas, mas não, puro engano. Não é
do interesse dos agricultores nem da «lavoura» manterem o statu quo, não alterarem os seus modelos
de produção, fingirem que as alterações climáticas, como alguém já disse, são
uma artimanha da esquerda radical e comuna para pôr em causa o empresariado e a
iniciativa privada. Santo Deus… Quantos relatórios ou notícias (como esta) serão necessários, quantos
tufões e furacões, quanto milhões de mortos conseguirão vencer aquilo a que Cipolla
chamou as leis fundamentais da estupidez
humana?
Este foi um caso de bitoque que deu um
vendaval de bitaites. Quando for a doer, que teremos? Uma guerra civil? Os
professores do Mondego sumariamente executados, caso não inédito na nossa
História? E não, não falem de direita e esquerda. O ambiente não é, nem deve
ser, uma «causa fracturante». Se for, se deixarem que o seja, a direita está
arrumada, perdeu os jovens, perdeu o mundo, perdeu o poder e o mando por décadas e
décadas. Ainda não perceberam isso? Ainda não perceberam que uma tão falada
«refundação» da direita tem forçosamente de passar pelo ambiente? Que é
insensato e estúpido, profundamente estúpido, deixar que isto se torne uma
causa e um feudo da esquerda? Não perceberam que, mesmo na esquerda, quem se
atrasou neste tema, quem abriu campo e jogo ao PAN, foi e vai ser eleitoralmente
punido por causa disso? Não percebem que só tendo uma voz activa neste domínio existe legitimidade para criticar depois excessos, radicalismos, fundamentalismos e falsos alarmismos?
Desculpem, não maço mais, mas... é mesmo preciso
fazer um desenho?