quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O aliciante apelo à proatividade para que haja um envelhecimento bem-sucedido.

 





          Em boa hora a Fundação Francisco Manuel dos Santos viabilizou um novo projeto na área da saúde, um conjunto de livros sobre a égide da saúde psicológica e de bem-estar. Talvez pelo facto de eu ser octogenário lancei a mão a um título que imediatamente me convidou à leitura: Felicidade e Flexibilidade no Envelhecimento, por Margarida Gaspar de Matos, um destes livrinhos de preço mais do que abordável, recentemente publicado. Sinto-me enriquecido pela leitura e não posso esconder a admiração pela narrativa de alguém que sabe comunicar com incisão e grande poder divulgativo.

          Vivendo nós numa sociedade mais preocupada em curar do que prevenir, ganha realce um ensaio focado no declínio cognitivo e das abordagens que proporcionem à preparação sénior um apelo mais do que amigável. A autora propõe-se refletir sobre o envelhecimento, as doenças a ele ligadas bem como os planos em relação à reforma. “Quanto mais cedo começarmos a tomar bem conta de nós, da nossa saúde e bem-estar (e uns bons anos através da simpatia e disponibilidade dos nossos primeiros cuidadores), melhores e maiores probabilidades teremos de usufruir de um envelhecimento bem-sucedido, porque o envelhecimento não é doença, doença é outra coisa, embora em geral a probabilidade da sua ocorrência aumente com a idade.”

          É sedutora a viagem que a autora nos propõe: os tempos da nossa vida (o passado, presente e futuro), esse passado acomoda-se na nossa memória, em si não muda, o futuro é imprevisível, há que admitir que é saudável e fecundo falar do passado, como falar do futuro. Mas não podemos passar a nossa vida divididos entre o passado e o futuro, é no aqui e agora, na fruição do nosso presente que devemos ganhar a capacidade de revitalização, para manter a nossa saúde psicológica no processo do envelhecimento.

        Margarida Matos irá dissecar a importância das terapias cognitivo-comportamentais que podem dar uma oportunidade de termos uma vida com mais sentido, em que consigamos ter as nossas prioridades bem identificadas e com flexibilidade psicológica. Destaca um conjunto de processos que ajudam a promover a curiosidade, abertura e flexibilidade psicológica: a identificar o que é importante para cada um de nós, dar pequenos passos em direção ao que é importante, conhecer-se e estar perto de si mesmo, estar atento, aberto e curioso em relação a perceções e sensações externas, amável consigo mesmo, ser capaz de reconhecer pensamentos e emoções como próprios sem se deixar inundar por eles.

          As crises e longos períodos de tensão, por exemplo, podem reduzir a flexibilidade psicológica, para contrariar esse processo há que manter a capacidade de ter uma paleta de respostas e de saber utilizá-las com abertura e adequação. É recorrente, na idade sénior, pender para rotinas inflexíveis, elas e modos inflexíveis de ver são prejudiciais para a nossa saúde psicológica. A autora define a flexibilidade psicológica como a nossa capacidade de manter as escolhas do que é importante, diverso em cada fase da nossa vida. Daí a necessidade de trabalharmos a nossa flexibilidade, abertura e curiosidade. Numa outra dimensão, a flexibilidade psicológica consiste na competência de prestar atenção ao momento presente, para afinarmos essa competência impõem-se estratégias de aceitação, de atenção, de compromisso e mudança de comportamentos. Observa a autora: “A flexibilidade psicológica promove a saúde mental através da diminuição do efeito dos nossos estados mentais internos negativos e promove a saúde psicológica ao permitir alcançar objetivos significativos para cada um de nós”, o mesmo é dizer capacidade de adaptação, aceitação e ação de acordo com o que se valoriza.

          Explorando a dimensão de doença, do declínio cognitivo e físico, a autora faz apelo a práticas inovadoras e inclusivas, recorda-nos o termo serendipidade, a capacidade particular de descobrir coisas valiosas e inesperadas à nossa volta. Por outras palavras, a motivação para a mudança aumenta com a perceção da competência pessoal, é assim que se contraria a inflexibilidade psicológica em que, sobretudo os seniores, não se quer arriscar a quebra da rotina.

          Quase em jeito de roteiro, e numa narrativa proativa é nos proposta uma filosofia de desenvolvimento humano, avultam quatro domínios que promovem a saúde e o bem-estar: físico, intelectual, psicológico e emocional e social; são recursos que ocorrem na interação com o ambiente físico e social. Margarida Matos usa apropriadamente depoimentos que ilustram as complexidades do envelhecimento e do adoecer associado ao envelhecimento. E seguimos a trajetória para um envelhecimento ordenado e guiado pela felicidade, daí a atenção que a autora dá à entrada na reforma, o que está em jogo na transição, como são fulcrais as condições de saúde associadas ao envelhecimento e daí uma palavra sobre os cuidadores informais que também carecem do dispor de flexibilidade psicológica, há que implementar estratégias, os depoimentos que a autora oferece são de um enorme enriquecimento.

          É também importante pôr ênfase na coesão social e suporte social e familiar como um recurso intergeracional, é nos oferecido um conjunto de ideias e chamadas de atenção, para que todos, incluindo seniores e cuidadores se sintam bem. Este roteiro para um envelhecimento bem-sucedido não esquece a importância do autocuidado, do envelhecimento mantendo os pilares da saúde, faz-se a recordatória dos consumos indesejáveis e do significado da literacia em saúde na toma de certos medicamentos, na manutenção de uma alimentação saudável, na prática de exercício físico e desporto, numa boa gestão quanto ao uso de ecrãs e das redes sociais, a higiene do sono, etc. Há também que saber quando procurar ajuda profissional e onde ela se encontra.

          Em jeito de recapitulação, também se aponta o dedo às políticas públicas para o acesso à saúde psicológica, evidenciando que elas “desempenham um papel fundamental na possibilidade de acesso à saúde psicológica. As políticas públicas promovem a saúde mental, a saúde psicológica e o bem-estar ajudam a criar um ambiente que favorece o desenvolvimento da flexibilidade psicológica, essencial para lidar com as mudanças e perdas associadas ao envelhecimento. É necessário garantir que os mais velhos têm acesso a serviços de saúde, programas de atividades físicas e de socialização, além de apoio psicológico e logístico na vida diária. Um aumento da literacia da população sobre os desafios do envelhecimento e sobre a importância da flexibilidade psicológica para a boa concretização desses desafios podem transformar a perceção social acerca do envelhecimento, promovendo uma abordagem mais positiva e inclusiva.”

          Lê-se com imenso prazer este ensaio em que se propõe aos seniores e aos seus cuidadores que respondam às mudanças inevitáveis do envelhecimento com abertura e curiosidade. Digamos que é uma narrativa bem-sucedida para um envelhecimento bem-sucedido. 

 

                                                                                    Mário Beja Santos






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