Em
boa hora a Fundação Francisco Manuel dos Santos viabilizou um novo projeto na
área da saúde, um conjunto de livros sobre a égide da saúde psicológica e de
bem-estar. Talvez pelo facto de eu ser octogenário lancei a mão a um título que
imediatamente me convidou à leitura: Felicidade e Flexibilidade no
Envelhecimento, por Margarida Gaspar de Matos, um destes livrinhos de preço
mais do que abordável, recentemente publicado. Sinto-me enriquecido pela
leitura e não posso esconder a admiração pela narrativa de alguém que sabe
comunicar com incisão e grande poder divulgativo.
Vivendo
nós numa sociedade mais preocupada em curar do que prevenir, ganha realce um
ensaio focado no declínio cognitivo e das abordagens que proporcionem à
preparação sénior um apelo mais do que amigável. A autora propõe-se refletir
sobre o envelhecimento, as doenças a ele ligadas bem como os planos em relação
à reforma. “Quanto mais cedo começarmos a tomar bem conta de nós, da nossa
saúde e bem-estar (e uns bons anos através da simpatia e disponibilidade dos
nossos primeiros cuidadores), melhores e maiores probabilidades teremos de
usufruir de um envelhecimento bem-sucedido, porque o envelhecimento não é
doença, doença é outra coisa, embora em geral a probabilidade da sua ocorrência
aumente com a idade.”
É
sedutora a viagem que a autora nos propõe: os tempos da nossa vida (o passado,
presente e futuro), esse passado acomoda-se na nossa memória, em si não muda, o
futuro é imprevisível, há que admitir que é saudável e fecundo falar do
passado, como falar do futuro. Mas não podemos passar a nossa vida divididos
entre o passado e o futuro, é no aqui e agora, na fruição do nosso presente que
devemos ganhar a capacidade de revitalização, para manter a nossa saúde
psicológica no processo do envelhecimento.
Margarida
Matos irá dissecar a importância das terapias cognitivo-comportamentais que
podem dar uma oportunidade de termos uma vida com mais sentido, em que
consigamos ter as nossas prioridades bem identificadas e com flexibilidade
psicológica. Destaca um conjunto de processos que ajudam a promover a
curiosidade, abertura e flexibilidade psicológica: a identificar o que é
importante para cada um de nós, dar pequenos passos em direção ao que é
importante, conhecer-se e estar perto de si mesmo, estar atento, aberto e
curioso em relação a perceções e sensações externas, amável consigo mesmo, ser
capaz de reconhecer pensamentos e emoções como próprios sem se deixar inundar
por eles.
As
crises e longos períodos de tensão, por exemplo, podem reduzir a flexibilidade
psicológica, para contrariar esse processo há que manter a capacidade de ter
uma paleta de respostas e de saber utilizá-las com abertura e adequação. É
recorrente, na idade sénior, pender para rotinas inflexíveis, elas e modos
inflexíveis de ver são prejudiciais para a nossa saúde psicológica. A autora
define a flexibilidade psicológica como a nossa capacidade de manter as
escolhas do que é importante, diverso em cada fase da nossa vida. Daí a
necessidade de trabalharmos a nossa flexibilidade, abertura e curiosidade. Numa
outra dimensão, a flexibilidade psicológica consiste na competência de prestar
atenção ao momento presente, para afinarmos essa competência impõem-se estratégias
de aceitação, de atenção, de compromisso e mudança de comportamentos. Observa a
autora: “A flexibilidade psicológica promove a saúde mental através da
diminuição do efeito dos nossos estados mentais internos negativos e promove a
saúde psicológica ao permitir alcançar objetivos significativos para cada um de
nós”, o mesmo é dizer capacidade de adaptação, aceitação e ação de acordo com o
que se valoriza.
Explorando
a dimensão de doença, do declínio cognitivo e físico, a autora faz apelo a
práticas inovadoras e inclusivas, recorda-nos o termo serendipidade, a
capacidade particular de descobrir coisas valiosas e inesperadas à nossa volta.
Por outras palavras, a motivação para a mudança aumenta com a perceção da
competência pessoal, é assim que se contraria a inflexibilidade psicológica em
que, sobretudo os seniores, não se quer arriscar a quebra da rotina.
Quase
em jeito de roteiro, e numa narrativa proativa é nos proposta uma filosofia de
desenvolvimento humano, avultam quatro domínios que promovem a saúde e o
bem-estar: físico, intelectual, psicológico e emocional e social; são recursos
que ocorrem na interação com o ambiente físico e social. Margarida Matos usa
apropriadamente depoimentos que ilustram as complexidades do envelhecimento e
do adoecer associado ao envelhecimento. E seguimos a trajetória para um
envelhecimento ordenado e guiado pela felicidade, daí a atenção que a autora dá
à entrada na reforma, o que está em jogo na transição, como são fulcrais as
condições de saúde associadas ao envelhecimento e daí uma palavra sobre os
cuidadores informais que também carecem do dispor de flexibilidade psicológica,
há que implementar estratégias, os depoimentos que a autora oferece são de um
enorme enriquecimento.
É
também importante pôr ênfase na coesão social e suporte social e familiar como
um recurso intergeracional, é nos oferecido um conjunto de ideias e chamadas de
atenção, para que todos, incluindo seniores e cuidadores se sintam bem. Este
roteiro para um envelhecimento bem-sucedido não esquece a importância do
autocuidado, do envelhecimento mantendo os pilares da saúde, faz-se a
recordatória dos consumos indesejáveis e do significado da literacia em saúde
na toma de certos medicamentos, na manutenção de uma alimentação saudável, na
prática de exercício físico e desporto, numa boa gestão quanto ao uso de ecrãs
e das redes sociais, a higiene do sono, etc. Há também que saber quando
procurar ajuda profissional e onde ela se encontra.
Em
jeito de recapitulação, também se aponta o dedo às políticas públicas para o
acesso à saúde psicológica, evidenciando que elas “desempenham um papel
fundamental na possibilidade de acesso à saúde psicológica. As políticas
públicas promovem a saúde mental, a saúde psicológica e o bem-estar ajudam a
criar um ambiente que favorece o desenvolvimento da flexibilidade psicológica,
essencial para lidar com as mudanças e perdas associadas ao envelhecimento. É
necessário garantir que os mais velhos têm acesso a serviços de saúde,
programas de atividades físicas e de socialização, além de apoio psicológico e
logístico na vida diária. Um aumento da literacia da população sobre os
desafios do envelhecimento e sobre a importância da flexibilidade psicológica
para a boa concretização desses desafios podem transformar a perceção social
acerca do envelhecimento, promovendo uma abordagem mais positiva e inclusiva.”
Lê-se
com imenso prazer este ensaio em que se propõe aos seniores e aos seus
cuidadores que respondam às mudanças inevitáveis do envelhecimento com abertura
e curiosidade. Digamos que é uma narrativa bem-sucedida para um envelhecimento
bem-sucedido.
Mário Beja Santos

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