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Soube-se
há dias da morte de Beate Sirota Gordon. O nome, provavelmente, não diz nada à
maioria das pessoas. Muitos, como eu, só a conheceram ao saberem que tinha
falecido no passado dia 30 de Dezembro, aos 89 anos. E, no entanto, esta mulher
fez muito por milhões e milhões de mulheres, gerações sobre gerações, durante
décadas. Filha única de um casal de judeus russos, em criança viveu em Tóquio,
onde aprendeu a língua japonesa. Estudou na Universidade de Mills, uma academia
feminina dirigida por uma feminista. Regressaria ao Japão em 1945, como civil, integrada
na equipa de tradutores do general MacArthur. Aos 22 anos, por um daqueles
acasos inexplicáveis, fez parte do grupo de cerca de duas dezenas de
norte-americanos que redigiram a Constituição japonesa (o facto de esta ter sido elaborada não pelos japoneses mas por um conjunto de americanos foi escondido e só revelado na década de setenta). O momento constituinte
foi breve: a Lei Fundamental do Japão foi escrita em sete dias… Mas nem a
juventude de Beate S. Gordon, nem o facto de ser a única mulher daquele grupo de founding fathers, nem a celeridade extrema
do processo constituinte impediram que esta mulher tivesse um papel único,
decisivo, nos destinos de milhões de mulheres. A ela se deve o artigo 14º da
Constituição japonesa, que consagra a igualdade entre homens e mulheres e o artigo 24º, que
reconhece a estas últimas o direito a casarem-se por mútuo acordo, sem
interferência familiar, bem como o direito à herança, à propriedade e ao
divórcio. Numa terra de costumes e práticas ancestrais, com duas simples normas
jurídicas esta mulher introduziu uma autêntica revolução constitucional. E também uma revolução cultural, com resultados mais frutuosos e virtuosos do que a sangrenta aventura levada a cabo perto dali, na China, pelo Grande Timoneiro. Ainda hoje
em vigor, o artigo 24º da Constituição japonesa foi um passo gigantesco para a
afirmação do estatuto das mulheres naquele país. Esse passo foi dado por uma
jovem de 22 anos, que durante muito tempo manteve em segredo o que fizera, para
que a sua juventude não fosse utilizada para desacreditar a Lei Fundamental do
Japão e regressar a outros tempos. Tempos difíceis para as mulheres, sendo hoje
Beate Gordon considerada uma heroína pelas japonesas, que tanto lhe devem – e continuarão
a dever. O Japão condecorou-a em 1998. Morreu há dias, mas o seu legado
permanece vivo no dia-a-dia das mulheres japonesas. Para quem não saiba, há
poucos anos as japonesas conquistaram um novo direito, algo estranho e
singular: carruagens só para mulheres no metropolitano. É que havia – e ainda
deve haver… – uma legião de tarados que aproveitava os apertos nas carruagens apinhadas
dos metropolitanos de Tóquio para assediar mulheres, para as importunar fisicamente,
para tirar fotografias de telemóvel por baixo das saias das passageiras. Calcula-se que, na faixa etária entre os 20 e os 30 anos, cerca de 60% das japonesas já foram assediadas nos transportes públicos daquele país. ,.
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O modelo das carruagens women-only tem sido adoptado em lugares como o Brasil, o Egipto, a Índia, Moscovo ou Taiwan. Não foi uma criação de Beate Gordon, mas a sua marca está aí, no estatuto que concedeu às mulheres nipónicas. Beate foi, além do mais, um nome de relevo no mundo das artes. Mulher que só recordamos porque morreu há dias, na cidade de Nova Iorque.
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O modelo das carruagens women-only tem sido adoptado em lugares como o Brasil, o Egipto, a Índia, Moscovo ou Taiwan. Não foi uma criação de Beate Gordon, mas a sua marca está aí, no estatuto que concedeu às mulheres nipónicas. Beate foi, além do mais, um nome de relevo no mundo das artes. Mulher que só recordamos porque morreu há dias, na cidade de Nova Iorque.
António Araújo
Gosto tanto de o ler! Parabéns pelo talento e obrigada por estes momentos.
ResponderEliminarMarta Elias