quinta-feira, 28 de julho de 2022

Entre Oriente e Ocidente (7).

 

 

O percurso de Sarajevo para Mostar faz-se ao longo do Rio Neretva, num panorama de grande beleza já no território da Herzegovina:

 





A Herzegovina tem origem no velho Principado de Hum à volta de Mostar. Em 1448, o Imperador Frederico III atribuiu ao seu chefe, Estêvão Vuksic, o título de Duque de Hum. Duque em alemão diz-se Herzog. Aí estará a origem do nome.

Mostar, a guardiã da ponte, é a principal cidade. A paisagem, a religião e as tradições otomanas são muito visíveis:

 








A mesquita fotografada é a Hadži-Kurtova. O rio é o Neretva.

 

Fotografias de 13 de Maio de 2022

 

José Liberato

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Entre Oriente e Ocidente (6).

 


 

Situada no centro da Península Balcânica, a Bósnia-Herzegovina viveu intensamente as vicissitudes da História da Região.

Já me referi à ocupação otomana.

A ocupação pelo Império Austro-húngaro em meados do Século XIX foi também marcante. Em certo momento, houve quem ambicionasse transformar o império da dupla coroa (austríaca e húngara) no Império da tripla coroa (acrescentando a servo-croata que agregaria outras nomeadamente a bósnia). Só havia um problema: a predominância sérvia, pouco apreciada pelos outros.

Neste processo, exerceu um papel importante o húngaro Benjamin Von Kallay (1839-1903). Ministro das Finanças e depois Governador, que pensou modernizar o país através de uma burocracia eficiente. Autor de uma História dos Sérvios, onde defendia o predomínio deste povo, teve de enfrentar a dura realidade étnica da Bósnia, chegando ao ponto de ter de proibir a circulação do seu próprio livro!

E tudo não passou de um sonho de alguns.

Pesadelo foi o que aconteceu em Srebrenica em 1995 perante a passividade das forças internacionais.

Um autêntico genocídio foi praticado pelas forças sérvio-bósnias Mais de 8000 bósnios foram executados sumariamente em poucos dias.

Em Sarajevo, um museu chamado Galerija 11/07/1995 evoca este episódio trágico:

  




Fotografias de 12 de Maio de 2022

 

José Liberato

quarta-feira, 20 de julho de 2022

São Cristóvão pela Europa (187).

 



No departamento de Haute Marne situa-se a igreja de Saint Rémi de Ceffonds. Construída no Século XII teve de ser refeita por volta de 1510.

Além de belíssimos vitrais do princípio do Século XVI, um deles sendo uma bela Árvore de Jessé; tem um fresco representando o nosso Santo.






 

No departamento de Nièvre, em Beaumont-Sardolles, existe um pequeno santuário, criado em 1939, que para além de uma representação de Nossa Senhora de Fátima e dos pastorinhos, tem também uma estátua de São Cristóvão:

 



 

Fotografias de 25 e 26 de Maio de 2022

 

José Liberato




Entre Oriente e Ocidente (5).

 


 

Sarajevo caracteriza-se hoje pela coexistência entre religiões.

Predomina a muçulmana, mas as outras religiões estão também presentes.

A ocupação muçulmana nos Balcãs foi sempre pragmática e muito ardilosa deste ponto de vista.

Quem não era muçulmano pagava impostos muito elevados. Escusado será dizer que este foi um argumento muito convincente para as conversões…

Em muitos locais dos Balcãs, quando chegavam as invasões turcas, os povos das aldeias fugiam para a floresta com o seu pope e os seus ícones, esperando o momento em que o invasor estivesse já longe para regressar. Diz-se que na Valáquia havia umas charretes onde os aldeões deixavam em permanência os bens essenciais nomeadamente os religiosos, o que permitia uma partida muito rápida.

A seguir a principal mesquita construída no Século XVI, a Gazy- Husrevbey, nome do governador otomano da época, a sua madrassa, e a Catedral católica

 








 

Fotografias de 12 de Maio de 2022

 

José Liberato




segunda-feira, 18 de julho de 2022

São Cristóvão pela Europa (186).

 



Semur-en-Auxois, na Idade Média o Bailio de Auxois, fazia parte do território feudal do Ducado da Borgonha. Ainda hoje, pertencendo ao departamento de Côte d’Or, é uma relíquia do património medieval.

 


 



 

O Museu Municipal é de visita obrigatória. Qual não foi o meu desânimo quando inesperadamente o encontrei fechado para obras. Só que a amável directora, Alexandra Bouillot-Chartier, permitiu que ele abrisse por uns momentos para o Malomil.

É que o Museu possui um extraordinário fresco representando São Cristóvão. Ele foi objecto de um estudo aprofundado da historiadora Fabienne Joubert, professora da Sorbonne e antiga conservadora do Museu de Cluny em Paris (o Museu Nacional da Idade Média). Citarei o seu estudo.

 


Este fresco foi descoberto em 1977. Encontrava-se oculto pelo retábulo da Árvore de Jessé na Igreja de Notre Dame de Semur-en-Auxois nas fotografias a seguir:

 



Em baixo do fresco, uma frase. Muito sumida, foi assim reconstituída:

Christofori sancti speciem quicunque tuetur

Illa namque die nullo languore tenetur

Em português :

Quem vir a imagem de São Cristóvão

Não será atingido no mesmo dia por nenhuma doença.

 

O estilo da pintura situa-a na segunda metade do Século XIV.

Tem alguns elementos muito distintivos, nomeadamente um fundo vermelhão ornado por um sinal muito curioso e enigmático composto por duas letras S de um lado e de outro de um pequeno tronco.

Há também a assinalar a atitude muito confortável do Menino Jesus que expõe as plantas dos seus pés, os redemoinhos provocados na água pelas pernas do santo e pelo seu cajado, as espécies de peixes, nomeadamente uma enguia.

A qualidade da pintura permite pensar num autor como Jean de Bruges que esteve activo na corte da Borgonha do duque Filipe o Audaz, bisavô de Carlos o Temerário.

Encontram-se os mesmos S em obras deste pintor. Na primeira ao alto à direita, na segunda no fundo:




Fotografias de 25 de Maio de 2022

 

José Liberato





quinta-feira, 14 de julho de 2022

Entre Oriente e Ocidente (4)

 


 

A influência otomana está bem presente em Sarajevo. Nos doces, no artesanato, nas ruas comerciais, nos caravançarais (albergarias para os mercadores).

  








A conquista otomana processava-se em geral em duas fases. Na primeira, o rei ou príncipe local era feito vassalo. Só na segunda fase se procedia à integração do território no império. Os bósnios, em particular os seus camponeses, eram dos mais pobres. Graças a um sistema feudal que durou até à chegada dos austro-húngaros, os bósnios tornaram-se frequentemente mais turcos que os próprios turcos.

 

Fotografias de 12 de Maio de 2022

 

José Liberato







quarta-feira, 13 de julho de 2022

O caminho para Wigan Pier.

 






Porventura uma das mais admiráveis narrativas sobre qualquer comunidade operária: George Orwell, 1936, o relato das condições de vida dos mineiros do Norte de Inglaterra

 

 

No ano que precede a sua ida para Barcelona, onde participou na guerra civil de Espanha, em plena frente, George Orwell passou 2 meses numa perfeita intimidade com a comunidade operária de Yorkshire e Lancashire. Pergunta-se como foi possível termos sido arredados da tradução de um relato luminoso, feito da observação direta, alguém que convive com a sujidade, pobreza, deploráveis condições de trabalho nas minas, questiona a assistência social face a um desemprego sem precedentes. É óbvio que a segunda parte do trabalho, onde Orwell dá o seu próprio testemunho ideológico, está completamente datado e não possui o impacto literário que é sua vida em terras mineiras. É um relato que tinha fins claros, falar das condições deprimentes nas regiões industriais no norte do país. A impressão que ainda hoje nos provoca este documento é estarrecedora. Logo no arranque desta prosa que nos prende irremediavelmente: “Os primeiros sons da manhã eram os do matraquear dos tamancos dos operários descendo a rua empedrada. Éramos geralmente quatro a dormir neste quarto, e bem feio lugar era este, com aquele aspeto de transitória profanação dos quartos desviados do fim a que se destinavam.” Descreve o lugar detalhadamente, quem ali habita, a família explora o negócio, a clientela mais permanente, a sujeira omnipresente, até a sordidez à mesa: “Ao pequeno-almoço davam-nos duas fatias de bacon, um ovo estrelado descorado, e pão com manteiga que muitas vezes fora cortado de véspera e apresentava sempre as marcas do polegar. Por mais diplomáticas que fossem as minhas tentativas, nunca consegui levar o Sr. Brooker a deixar que fosse eu a cortar o meu pão com manteiga; tinha de ser ele a passar-mo fatia a fatia, cada uma deles firmemente agarrada sob aquele enorme polegar sujo. O almoço consistia em geral de um daqueles pudins de carne que se vendem em latas prontos a comer. Para a hora do chá havia mais pão com manteiga e uns bolos a desfazerem-se. Ao jantar, um queijo de Lancashire mole e descorado e bolachas.” E não deixa de anotar o que sentiu quando dali partiu: “O comboio levou-me dali, através de monstruoso cenário de escombreiras, chaminés, montões de sucata, carreiros de lama de cinzas com as marcas dos tamancos que se entrecruzavam. Estávamos em março, mas o tempo estivera horrivelmente frio e por todo o lado se viam montes de neve enegrecida.” E recomeça o texto com uma observação quanto à importância do carvão na civilização do tempo: “A nossa civilização está assente no carvão, de um modo mais completo do que alguém imagina até parar para pensar nisso. As máquinas que nos mantêm vivos e as máquinas que fazem as máquinas dependem todas elas direta ou indiretamente do carvão. No metabolismo do mundo ocidental, o mineiro de carvão ocupa o segundo lugar mais importante a seguir ao homem que lavra a terra. O mineiro é uma espécie de cariátide encardida sobre cujos ombros assenta quase tudo o que não é encardido.” E quase com brutalidade vamos descer com ele ao fundo de uma mina de carvão, um dos mais impressionantes textos que me foi dado ler, vale a pena exemplificar: “A primeira impressão que temos, que se imporá a todas as mais durante algum tempo, é o estrépito medonho, ensurdecedor, do tapete rolante que transporta o carvão para fora. Não se consegue ver até muito longe porque o nevoeiro formado pelo pó de carvão nos devolve o feixe de luz da lanterna, mas é suficiente para vermos a cada um dos nossos lados a fileira de homens ajoelhados, em intervalos de quatro ou cinco metros, enfiando as pás por debaixo do carvão retirado e atirando-o com um movimento rápido por cima do ombro esquerdo. É deste modo que alimentam o tapete rolante, uma tira de borracha em movimento que corre a um metro ou dois por detrás deles. Através deste tapete flui constantemente um rio cintilante de carvão.” E impõe-se descrever o trabalho e os homens: “É um trabalho terrível o deles, um trabalho quase sobre-humano medido pela bitola de uma pessoa comum. Porque não só removem quantidades monstruosas de carvão, como ainda por cima o fazem numa posição que duplica ou triplica o esforço. São obrigados a manter-se de joelhos o tempo todo – seria difícil levantarem-se sem baterem no teto – e alguém que tem de fazer o mesmo não terá dificuldade em compreender o tremendo esforço que isso envolve. Manejar uma pá é comparativamente fácil quando se está em pé, porque se pode usar o joelho e a anca para dar impulso à pazada; se ajoelhados, todo o esforço se concentra nos músculos do braço e do ventre. E o resto das condições não torna as coisas propriamente mais fáceis. Há o calor e o pó do carvão que entope a garganta e as narinas e se acumula nas pálpebras, e o matraquear incessante do tapete rolante, que naquele espaço confinado mais parece o matraquear de uma metralhadora. Só vendo os mineiros no fundo da mina e nus poderemos entender que homens extraordinários eles são. Na sua maior parte são de pequena estatura, mas quase todos apresentam o mais nobre dos corpos; ombros largos num tronco que se vai estreitando até à cintura delgada e flexível, nádegas pequenas pronunciadas e coxas musculosas, sem uma ponte carne a mais em parte nenhuma. Nas minas mais quentes usam apenas uns calções leves, tamancos e joelheiras; nas minas ainda mais quentes, só tamancos e joelheiras. Pela figura mal se pode ver se são novos ou velhos. Podem ter qualquer idade até aos 60 ou mesmo 65, mas quando os vemos completamente pretos e nus todos têm o mesmo aspeto.” Iremos saber os seus horários de trabalho como mais tarde conviveremos com as suas famílias e conheceremos a sua habitação. E descemos ao fundo da mina como se pode imaginar o fundo dos infernos, é um texto que se retém para o resto da vida: “Entramos na jaula, que é uma caixa de aço com a largura de uma cabine telefónica e duas ou três vezes o seu comprimento. Cabem lá dentro 10 homens, mas que ficam apertados coo sardinhas em lata, e um homem alto não pode ficar direito em pé. A porta de aço fecha-se atrás de nós e alguém, manejando o guincho que fica lá em cima, larga-nos no abismo. A meio da descida, a jaula chega a atingir uma velocidade de 100 quilómetros à hora, provavelmente. Quando nos arrastamos para fora a chegar ao fundo estaremos talvez a uma profundidade de mais de 350 metros.” E começa o percurso pelas galerias, caminha-se curvado, é preciso andar de gatas, o regresso deixa-nos completamente extenuados. E Orwell observa a toda a volta o que se passa debaixo da terra, as máquinas, os ruídos, os horários, as folhas de salário, questiona os acidentes, as doenças terríveis: “São propensos a sofrer de reumatismo e um mineiro com problemas de pulmões não dura muito naquele ar saturado de pó, mas a doença profissional mais característica é o nistagmo. Trata-se de uma doença dos olhos que faz com que os globos oculares oscilem de um modo estranho quando perto da luz. Deve-se presumivelmente ao trabalho em condições de semiobscuridade e por vezes conduz à cegueira total.” Iremos percorrer estas cidades industriais, os falanstérios, conversar com desempregados, saber como se gere a magreza dos rendimentos, e Orwell despede-se com um registo da família da classe operária, ele próprio se sente emocionado com uma paisagem cultural que minimamente não previa. Não conheço documento literariamente tão impressionante como este.

De leitura obrigatória, acresce a belíssima tradução.



Mário Beja Santos




segunda-feira, 11 de julho de 2022

Entre Oriente e Ocidente (3).

 

 

Sarajevo é hoje uma cidade tranquila combinando a modernidade com a arquitectura otomana ou austro-húngara.

 







 

Em Novembro de 1995 os Acordos de Dayton deram certamente um contributo para a pacificação do país.

Congeminados pelo diplomata americano Richard Holbrooke caracterizam-se pela sua complexidade e uma forma requintada de engenharia política.

Instituíram a Bósnia-Herzegovina como um único Estado composto de duas partes: a Federação Bósnio-Croata e a República Sérvia da Bósnia. O país é supervisionado por um Alto Representante com poderes de veto, nomeado pela União Europeia. O primeiro foi o antigo Primeiro-Ministro Sueco, Carl Bildt

A Presidência é composta por um bósnio, um croata e um sérvio, que rodam na função de Presidente.

Quando se faz a caricatura do sistema político do país diz-se que a Bósnia- Herzegovina tem 3 Presidentes, 13 Primeiros-Ministros e mais de 180 ministros…

Mas a realidade é que os Acordos fizeram terminar a guerra e que, não obstante a sua fragilidade, têm assegurado a paz. E já lá vão 27 anos.

Símbolo da cidade é o edifício da Câmara Municipal, hoje restaurado.

Para aqui foi transportado o Arquiduque Francisco Fernando a seguir ao atentado e aqui expirou.

O edifício foi sistematicamente bombardeado, tendo perecido uma preciosa biblioteca. Ficaram célebres os concertos de música clássica entre as ruínas.






Fotografias de 12 de Maio de 2022

 

José Liberato





São Cristóvão pela Europa (185).

 


Terminando a visita da Região do Centro Vale do Loire encontrei São Cristóvãos nos departamentos do Cher, com capital em Bourges, e do Eure-et-Loire, com capital em Chartres.

A igreja de São Blaise em La Celle é um notável monumento românico cuja estrutura essencial data do Século XII. É célebre pelos seus capitéis de enorme qualidade.





 

Um fresco bastante deteriorado representa São Cristóvão. Apenas se adivinha o Menino que o Santo transporta no seu ombro. Nesta região, invocava-se o Santo na travessia do rio Cher o qual ganhava impetuosidade com frequência ao ponto de ter destruído a ponte mais próxima:

 



Em Chartres, a famosa Catedral alberga dos mais notáveis vitrais do Mundo.

 


 

Entre eles, um, datado de cerca de 1230, é misterioso:

 



A inscrição parece claramente identificar o Santo da esquerda como São Cristóvão. Mas os atributos não correspondem de maneira nenhuma.

Terá havido engano durante uma restauração? Representará outro São Cristóvão?

 

Na igreja de São Pedro de Chartres uma imagem em pedra:

 



No Museu das Belas Artes de Chartres uma imagem de madeira policromada proveniente da Alemanha e criada no Século XV ou XVI.

 


Fotografias de 26, 27 e 28 de Maio de 2022

 

José Liberato