quinta-feira, 29 de abril de 2021

Napoleão, entre os esplendores da luz perpétua (Parte I)



Napoleão, entre os esplendores da luz perpétua.

 

Parte I

 

Nos 200 anos da morte de Napoleão Bonaparte, 5 Maio 1821

 

“Thus terminates in exile, and in prison, the most extraordinary life yet known to political history.”

The Times of London, 5 Julho 1821

 

Já tudo se escreveu sobre ele. Herói da sua pátria, pária da Europa quase inteira, louco, visionário, arrebatador, déspota, estratega, ditador, brilhante, esclavagista, encantador, Napoleão Bonaparte morreu a 5 de Maio de 1821, no seu exílio-prisão miserável da ilha britânica de Santa Helena, perdida no Atlântico Sul.

 

Envenenado com arsénico ou, segundo a versão oficial, vítima de um cancro intestinal, o ex-imperador dos franceses, entregou a alma ao Criador aos 51 anos, reconciliado com a Igreja Católica, a mesma que humilhou e perseguiu de forma quase inédita.

 

Segundo alguns dos primeiros relatos que chegaram à Europa, nos seus últimos pensamentos estiveram Deus e a nação francesa. Outros mencionam apenas o exército e Josefina, a sua primeira mulher, a quem repudiou quando percebeu que não lhe podia dar o herdeiro de que tanto precisava.

 


Napoléon sur son lit de mort, óleo de Horace Vernet, 1826

 

 

A morte do homem que dominou a Europa nos primeiros quinze anos do século XIX foi dissecada desde o primeiro momento. Às páginas dos jornais ingleses e franceses chegaram, no início de Julho de 1821, todos os pormenores: dos últimos dias à autópsia, do testamento ao funeral, tal era o fascínio que este personagem continuava a exercer no imaginário das gentes que habitavam a Europa de há 200 anos.

 

A 11 de Julho, o diário bonapartista e liberal francês Le Constitutionel, além de reproduzir o que haviam escrito dias antes os jornais ingleses sobre os relatos de Santa Helena, não poupava nos encómios a Napoleão:

 

“Poucos conquistadores tiveram uma fama tão extensa quanto Napoleão Bonaparte. O seu nome encheu toda a Europa; foi ouvido nas fronteiras da Ásia. Colocado, pela força dos acontecimentos, à frente de uma grande nação, fatigada por uma longa anarquia, herdeiro de uma revolução que tinha exaltado todas as paixões boas e más, ele foi elevado tanto pela energia de sua própria vontade, quanto pela fraqueza dos partidos, ao poder supremo; colocou a França em estado de guerra permanente, substituiu a ilusão de glória pelos reais benefícios da liberdade e, identificando-se com a independência nacional, tirou do medo de um jugo estrangeiro o principal instrumento de uma autoridade sem limites. (...)

 

“Napoleão causou uma forte impressão nas mentes e na imaginação da humanidade, e assim devia suceder. Um soldado que, pela força do génio, se eleva acima dos seus contemporâneos; que dá tranquilidade a uma sociedade perturbada e dita as suas leis aos soberanos, aparece no mundo como um personagem maravilhoso, e a terra rende-se diante dele.”1

 

Napoleão Bonaparte foi, de facto, um ciclone na vida da Europa e isso mesmo sentiram os europeus dos alvores de oitocentos, vendo, entre espanto e angústia, como o mundo que conheciam parecia desmoronar-se ante o avanço confiante e imparável daquele corso de quem se dizia valer, em batalha, mais de 30.000 homens, tal era a energia que a sua presença inspirava e a aura de vencedor que o acompanhava.

 

Napoleão via-se como libertador dos povos oprimidos – foi esse o papel que reclamou para si nas Mémorial de Sainte-Hélène, as suas memórias póstumas. Os seus inimigos viam-no como o opressor. Até o Papa foi preso durante 5 anos, dois dos quais em França. O mesmo Papa, Pio VII, que presidira em Paris à lendária Coroação de Bonaparte em 1804 e que assistira impávido enquanto o próprio imperador se coroou e coroou Josefina, relegando o Pontífice Romano para a posição de espectador – depois de ter feito o longo e histórico caminho desde Roma.

 

Terá parecido um admirável mundo novo. Fronteiras e impérios ancestrais caíam, reinos novos eram criados, dinastias multi-seculares eram depostas ou fugiam e reis novos, familiares de Napoleão, eram postos em tronos tão distintos como o de Nápoles, o de Espanha, o de Itália, o da Holanda ou o da Suécia.

 

Foi esse mundo novo, com leis novas e um ar de uma certa modernidade burguesa que o Congresso de Viena tentou aplacar, restaurando fronteiras, reis e papa aos seus tronos e um certo modo de vida pré-revolucionário. 

 

Apesar dos esforços, o mundo pós-napoleónico é, em grande medida, o resultado de Napoleão. Grande normalizador da França revolucionária, Napoleão foi a transição entre o mundo radical de Robespierre e o liberalismo que ainda tomava forma. O regresso do absolutismo imposto por Viena foi efémero. A marca de Napoleão estava para ficar.

 

* * *

 

No exacto momento da morte do mítico ex-imperador, o nosso menos mítico Rei D. João VI estava, também ele, no meio do Atlântico Sul, certamente não muito longe, em milhas náuticas, de Santa Helena.

 

Nove dias antes, a 26 de Abril de 1821, e no meio de um caos com paralelo na partida de Lisboa em 1807, a corte portuguesa – ou cerca de 4000 almas dela – levantara finalmente âncora no Rio de Janeiro e voltava a Lisboa, depois de 13 anos cariocas.

 

O contraste entre os dois soberanos dificilmente poderia ser mais gritante. Se Napoleão fizera mover fronteiras e dinastias pela sua bravura e liderança, D. João viveu a sua regência e o seu reinado como uma constante vítima das circunstâncias que outros lhe impunham. Mesmo considerando que a fuga para o Brasil foi um golpe de alguma mestria, quando comparada com a submissão e queda das restantes dinastias europeias, não deixou de ser uma fuga.

 

Em 1821, D. João VI regressava para tentar salvar o que restava num reino que se dava desafiantes ares liberais, consequência da Revolta Liberal que começara no Porto em Agosto de 1820 e se estendera pelo país, exigindo ao Rei a adopção de uma constituição baseada no modelo espanhol. Os ventos liberais tinham chegado também ao Brasil, com as notícias do que se passava em Lisboa.

 

A 26 de Fevereiro uma sublevação militar no Rio de Janeiro tinha forçado o Príncipe Real, D. Pedro, a jurar a constituição nascente em nome do seu augusto pai. No mesmo dia, o Rei encenou uma demonstração de aquiescência para acalmar os ânimos, desfilando em coche pelas ruas do Rio e ouvindo, no teatro, vivas à constituição que não jurara e também não renegara2. D. João fora, uma vez mais, forçado a uma atitude, mais um eco de um reinado inteiro.

 


Acceptation provisoire de la constitution de Lisbonne: à Rio de Janeiro, en 1821; gravura de Jean-Baptiste Debret

 

A consciência de que o regresso do Rei e da Família Real era inadiável em face dos acontecimentos em Lisboa – onde decorriam Cortes à revelia do Rei –, fez com que crescesse a hostilidade numa terra que, após uma década de franco desenvolvimento pela presença da corte, estava inconformada com deixar de ser o centro do império, para voltar a ser uma mera colónia.

 

Além de serem tema de intriga militar e política, os argumentos para que os Bragança não regressassem a Lisboa tinham tomado a forma de panfletos, onde se procurava – com assinalável sucesso – incendiar a opinião pública.

 

A tentativa de rebater os argumentos levou à impressão de respostas às proposições do autor do panfleto anónimo, que circulara primeiro em francês e em que a questão fundamental era: “O Rei, e a Família Real de Bragança devem, nas circunstancias Presentes, voltar a Portugal, ou ficar no Brazil? Tal he a questão d'alta Politica, que occupa agora a attenção do Portuguez da Europa, e d'America, e parece dividir em opinião as melhores cabeças.”3

 

Com assinaláveis preocupações democrática e racional de mostrar o argumento e o seu contrário, a publicação falhou em toda a linha no seu objectivo, que era o de justificar o regresso do Rei e as vantagens da manutenção da união entre o Reino de Portugal e Reino do Brasil. Ironicamente, era a defesa do rei absolutista que invocava as maravilhas do liberalismo.

 

As proposições do folheto original acabaram provadas: a independência do Brasil seria o resultado “d’hum passo tão impolitico” como o regresso a Lisboa, num momento em que Portugal “não póde absolutamente passar sem o Brazil”, enquanto “o Brazil pelo contrario não tira a menor vantagem da sua União com Portugal”.

 

O apelo do anónimo autor era a que D. João VI fundasse no Brasil o império florescente que inevitavelmente perderia se voltasse a Portugal. Em retrospectiva, não deixavam de ter razão quando afirmavam que o Rei regressar a Lisboa o colocaria “em poder dos Rebeldes” e que o atraso no regresso provavelmente atrasaria “o vôo revolucionario dos Portuguezes da Europa”.

 

O plano inicial, de que o Príncipe D. Pedro regressaria a Lisboa para tratar dos revoltosos, teve de ser abandonado depois da sublevação de 26 de Fevereiro. D. João VI decidiu regressar ele próprio, deixando D. Pedro como regente do Reino do Brasil.  Numa sucessão vertiginosa de acontecimentos, preparou-se o regresso do Rei e a eleição dos representantes nas Cortes.

 

Le Moniteur universel, jornal oficial do Reino de França, daria conta aos leitores, em Julho, das cenas pouco ortodoxas vividas no Rio de Janeiro no final de Abril – as exigências feitas ao Rei que partia e de como o “demónio da anarquia” andava por ali. Naquilo que aos portugueses do século XXI parecerá um invertido dejá vu, relatava que “os ex-directores do banco, cujas malversações quase haviam causado a ruína daquele estabelecimento, tiveram todos os seus bens confiscados”4.

 

O Le Constitutionel detalhava os acontecimentos: “A partida do rei deu lugar a algumas cenas muito desagradáveis, quando o povo quis fazer desembarcar uma quantidade de bens e outras coisas preciosas destinadas ao uso  da Família Real na Europa; mas a tropa fez um ataque vivo e inesperado sobre o povo reunido na bolsa, e algumas pessoas perderam a vida. Tal é o espírito de descontentamento manifestado pelo povo no Rio de Janeiro e noutras partes do Brasil, que esperamos eventos deploráveis.”5

 

Le Moniteur universel, 21 Julho 1821

 

Sala da biblioteca do convento de Nossa Senhora das Necessidades adaptada a Sala das Cortes Constituintes. Desenho a traço de tinta castanha atribuído a Domingos Sequeira. (cf. Côrte-Real, Manuel, Palácio das Necessidades, 2021)

 

No meio de protestos e de tentativas de o impedir de embarcar o tesouro, o Rei partiu para Lisboa sem glória. Saíra de Lisboa empurrado para a colónia pelas tropas de Napoleão e saía do Brasil elevado a Reino empurrado para a capital europeia pelos ventos liberais que o mesmo Napoleão inspirara.

 

Em 23 de Junho, a Gazeta do Rio de Janeiro, tinha uma brevíssima nota que dava conta de que chegara um navio de Santa Helena com notícias da morte de Napoleão Bonaparte, o arqui-inimigo de Portugal, mas também cunhado do Príncipe Regente D. Pedro.

 

A Princesa Real (e futura Imperatriz do Brasil) D. Leopoldina era irmã da segunda mulher de Napoleão, a ex-Imperatriz dos Franceses Maria Luísa. Filhas, ambas, do último Imperador do Sacro Império, despromovido a Imperador da Áustria. Tudo por obra e graça de Napoleão, que com aquela união elevara a um patamar mais elevado a humilhação dos Habsburgo.

 

Não por acaso, por alturas do casamento, em 1810, Maria Carolina da Áustria, avó da noiva e Rainha de Nápoles destronada pelo noivo, terá reclamado: “é a última coisa que faltava às minhas misérias, tornar-me Avó do Diabo6.

 

O regresso de D. João VI a Lisboa, há 200 anos, mostra como, mesmo depois de cinco anos exilado e preso e então já morto, o diabo continuava a determinar a vida da Europa e da América...

 

(Continua...)

 

* * *

 

1 Le Constitutionel, 11 Julho 1821.

2 Relação dos successos do dia 26 de Fevereiro de 1821 na corte do Rio de Janeiro. - Bahia : na typ. da Viuva Serva, e Carvalho, 1821.

3 Exame analytico-critico da solução da questão: o rei e a família real de Bragança devem nas circunstâncias presentes, voltar a Portugal ou ficar no Brasil? - Bahia: Typ. da viúva Serva e Carvalho, 1821.

4 Le Moniteur universel, 20 Julho 1821.

5 Le Constitutionel, 15 Julho 1821.

6 Citada em Waltraud, Maeirhofer, Maria Carolina, Queen of Naples: The Devil’s Grandmother, 2009.

 

Ademar Vala Marques

Abril 2021








segunda-feira, 19 de abril de 2021

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Ataque a Conakry, História de um golpe falhado.

 


 

Ataque a Conakry, História de um golpe falhado, por José Matos e Mário Matos e Lemos, Fronteira do Caos, 2020, é a mais recente investigação sobre o antes, durante e após a Operação Mar Verde. Os acontecimentos em si do que ocorreu na madrugada do dia 22 de novembro de 1970 é amplamente conhecido, nos seus traços essenciais: com o beneplácito de Marcello Caetano, foi desencadeada uma tentativa de sublevação a partir da capital da república da Guiné Conacri, seis navios de guerra portugueses transportaram uma força militar de tropas especiais portuguesas e opositores do regime de Sékou Touré. O objetivo da operação era múltiplo: incluía a tentativa de um golpe de Estado que derrubasse o ditador guineense, destruir os meios navais do PAIGC e da Guiné Conacri, capturar Amílcar Cabral, resgatar 20 e poucos militares portugueses encarcerados numa prisão às ordens do PAIGC e neutralizar, destruindo mesmo, o potencial aéreo guineense. O sonho de Spínola em ver instalado um regime em Conacri que expulsasse o PAIGC malogrou-se: nem o ditador guineense nem o líder do PAIGC foram encontrados; por desacerto na comunicação, não foi tomada a estação de radiodifusão, que seria essencial para os sublevados anunciarem o golpe de Estado, os aviões de origem soviética tinham mudado de aeroporto, os meios navais do PAIGC foram destruídos, os prisioneiros portugueses foram resgatados, a prazo os sublevados guineenses foram executados como executados foram o alferes Januário Lopes e cerca de duas dezenas de militares-comandos africanos que se rebelaram contra as intenções da Operação Mar Verde e se entregaram às autoridades guineenses. O malogro deste ataque a Conacri iria constituir o mais rude golpe diplomático, adensando o isolamento do Estado Novo.

Em que é que a obra de José Matos e Mário Matos e Lemos introduz inovações? A estrutura do estudo permite uma leitura cronológica e o conhecimento aprofundado de um punhado de peripécias que a investigação permitiu desvendar. Fica bem claro que a Operação Mar Verde foi uma ousadia, tinha planeamento mas enfermava de graves omissões: o efetivo de sublevados era irrisório, a clique política guineense-Conacri que aceitara participar na Operação vivia graves tensões internas e a sua motivação e programa eram uma nebulosa; a PIDE não dispunha de informações fiáveis sobre os objetivos, houve que recorrer a um antigo desertor, o soldado Alfaiate, que se prestou a explicar a topografia da cidade, manifestamente insuficiente o seu conhecimento; diferentes ministros de Caetano puseram seríssimas reticências à operação, temeram sempre o pior, as consequências internacionais, as informações que se dispunham nos dirigentes políticos da oposição levavam a supor que seria um golpe de Estado de pouca dura, haveria um volte-face em poucos meses, e o PAIGC reocuparia rapidamente esta poderosa retaguarda. Os autores consideram que os dois principais acontecimentos políticos congeminados por Spínola: um, para atrair guerrilheiros numa nova formação militar composta por guineenses apoiantes da soberania portuguesa e outros a favor da independência; dois, instalar em Conacri um regime hostil ao PAIGC, deram como falhanço e o governador e comandante-chefe da Guiné, a partir daí, quis sempre abrir a porta para a solução política, que Caetano energicamente recusou. É verdadeiramente de questionar se não houve mais aventureirismo que realismo, ao querer confiar naquela oposição a Sékou Touré, sabendo-se mesmo que a organização da unidade africana teria todos os predicados para intervir e abortar o golpe de Estado.

Depois de contextualizar a estratégia de Spínola na Guiné e de se ter chegado à solução radical da Operação Mar Verde, conta-se a história dos contatos estabelecidos entre esta oposição a Sékou Touré e as autoridades portuguesas. Pesquisada a documentação, as intenções desta frente de libertação da Guiné (FLNG) eram dadas como amadoras, mesmo sabendo-se que a França e o Senegal veriam com bons olhos o derrube do ditador de Conacri. Até 1970, a FLNG não tinha quaisquer intenções de organizar uma guerrilha, mas sim um golpe contra Sékou e a sua clique de apoio, dizia que o povo da Guiné Conacri os acolheria triunfalmente. No entanto iam pedindo dinheiro a Portugal, e repetidamente. OS autores dão-nos um quadro das cumplicidades, mostram com desenvoltura o planeamento da Operação e o seu desfecho; e chegamos ao rescaldo, a verificação por parte de Spínola de que não era viável uma solução militar. Segue-se a escalada da guerra, é certo e seguro que os meios de fogo do PAIGC passaram a ser superiores aos das forças portuguesas, Spínola pede a exoneração e planeia escrever Portugal e o Futuro, será publicado em 22 de fevereiro de 1974, que propõe era já inviável, mas criou condições para a arrancada do 25 de abril. Os autores recordam que Caetano defendia uma autonomia progressiva para as colónias e não aceitava uma negociação com o PAIGC, segundo ele, seria um precedente relativamente às outras colónias, ele pensava que Angola e Moçambique podiam acabar na independência desde que estivessem assegurados os direitos dos colonos. Havia também hipóteses do plano de Spínola que não tinham nem pés nem cabeça, como o de integrar Amílcar Cabral como Secretário-Geral do Governo Provincial. E os autores observam: “Cabral nunca mostrou qualquer interesse em negociar com Spínola. Para o líder do PAIGC, o diálogo teria que ser com o governo central em Lisboa e não com o governador provincial. Isto significa que Spínola tentou protagonizar na Guiné uma solução que estava condenada à partida, não só porque estava em rota de colisão com a política oficial do regime, como também não correspondia às aspirações do PAIGC”.

Trata-se de um estudo muito bem urdido e que introduz dados novos sobre a Operação Mar Verde. Como em toda a historiografia da guerra da Guiné, omite os dados relevantes da génese e desenvolvimento da luta armada. A historiografia privilegia Spínola e nunca se serve dos arquivos para estudar os acontecimentos ocorridos entre 1962 e 1968, parece sempre Louro de Sousa e Arnaldo Schulz andaram para ali sete anos a encanar a perna rã, nunca se fala nos meios postos à disposição destes dois comandantes-chefes e até do dinheiro que o regime de Salazar dificultou para o desenvolvimento socioeconómico da Guiné. É dentro da efabulação que a historiografia faz aparecer Spínola como o Atlas do combate feroz à guerrilha, da implementação da Guiné melhor e dos cheiros da autodeterminação. Isto só para sublinhar que continuamos a fazer historiografia numa sala de espelhos partidos. 


Mário Beja Santos

 

 




 

 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

“NON SIBI SED PATRIAE” Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo | 1921-2021





“That they may find true happiness together and be guided on the paths of duty and honour is the prayer of all.”

Sir Winston Churchill, Outubro de 1947




Na aldeia de Yaohnanen, situada na ilha de Tanna, em Vanuatu, a notícia da morte do Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo, será sentida de forma especial. Ali, no mais remoto Pacífico, o Príncipe não era apenas o marido da Rainha de Inglaterra. Era, por direito próprio, venerado como um ser divino.

A tribo identificou Filipe de Edimburgo nos anos 50 como a figura de que falava uma antiga lenda, o filho de um espírito da montanha, que viajara pelos mares para casar com uma mulher poderosa. A criação deste pitoresco culto do Príncipe em Yaohnanen levou a uma relação simpática de Filipe de Edimburgo com os nativos, que perdurou no tempo.

Não é, contudo, apenas em Vanuatu que se lamenta a morte do ancião príncipe inglês, ou grego. Se ainda há poucos anos, o Príncipe Filipe era apresentado como a excepção a um suposto aforismo que nos dirá que toda a gente acaba por ser popular, se viver o tempo suficiente para isso, a sua morte no Castelo de Windsor a 9 de Abril de 2021, vem porventura provar que, mesmo inexistindo, o aforismo tem razão de ser.

Afastado dos holofotes desde há uns anos, a percepção pública do Duque de Edimburgo parece ter melhorado, porventura com a ajuda da dramatização televisiva, que permitiu conhecer outras facetas do marido da Rainha de Inglaterra, que não apenas as suas celebérrimas gaffes.

Filipe de Edimburgo morreu a dois meses do centenário do seu nascimento e exactamente 19 anos depois do funeral da sua sogra, a Rainha-Mãe Isabel. O contraste entre os dois consortes não podia ser maior. Isabel Bowes-Lyon (1900-2002), consorte de Jorge VI e mãe de Isabel II, era a guardiã da tradição, apreciava a popularidade que a acompanhara desde os anos da sua juventude, celebrou os seus aniversários com estrondo e até o seu funeral planeou com detalhe.

Filipe da Grécia e Dinamarca (1921-2021) – ou Mountbatten, como passou a ser desde 1947 –, pelo contrário, apresentou-se como o campeão da modernidade, aparentemente acomodado à discrição que o seu papel impunha e parece ter dado indicações estritas de que não queria demasiado barulho quando morresse. Terá chegado a dizer que não conseguia pensar em nada mais terrível do que fazer cem anos.

A relação entre genro e sogra foi, de resto, sempre especial e marcada pelas visões distintas da política e da Monarquia. A 3 de Dezembro de 1946, o então pretendente à mão da Princesa Isabel escrevia à futura sogra, pedindo-lhe desculpa pela “rather heated discussion” e que ela não o considerasse “violently argumentative and an exponent of socialism” (citado em Shawcross, William; Queen Elizabeth The Queen Mother – The Official Biography, p. 625).

Castiço e estóico, directo e não raro inconveniente, Filipe de Edimburgo bateu todos os recordes de longevidade como consorte de um soberano britânico, tal como o Primeiro-Ministro Boris Johnson fez questão de sublinhar na declaração ao País da passada sexta-feira. Num mundo mais atento aos recordes do que à substância dos mesmos, valerá a pena sublinhar a dedicação e o serviço aos britânicos e à Commonwealth nos seus 73 anos de casamento, 69 dos quais como consorte da Rainha.

Quando a sua urna for depositada na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, estará coberta com o seu estandarte pessoal, testemunho da sua ilustre ascendência e da sua história como consorte.


* * *


Em Outubro de 1947, na Câmara dos Comuns, foi debatida uma moção de congratulação ao jovem real que viria a casar na Abadia de Westminster no dia 20 de Novembro: Isabel, filha e herdeira do Rei Jorge VI, e Filipe, ex-Príncipe da Grécia e Dinamarca, então apenas Tenente Philip Mountbatten.

Sir Winston Churchill, então líder da oposição depois da surpreendente derrota nas eleições do pós-Guerra, formulava aos noivos os votos de dever e honra, além de felicidade. O casamento celebrou-se com uma pompa limitada mas que poderia ter parecido ofensiva, tendo em conta a miséria que a Guerra deixara aos londrinos. O antigo (e futuro) Primeiro-Ministro preferiu antever o casamento como “a flash of colour on the hard road we have to travel” e foi essa a sensação que predominou do casamento: a esperança num tempo melhor.

O debate que se seguiu à intervenção de Churchill evidenciou as tensões políticas próprias de um mundo em tumulto e as pressões que a futura Guerra Fria já fazia despertar, em que a Grécia, terra natal do noivo da Princesa, tinha então um papel central, com uma guerra civil sangrenta que decorria há vários anos e que opunha os comunistas apoiados por Tito e (pouco convictamente) por Estaline ao governo apoiado pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos.

Willie Gallacher, líder sindical escocês, fundador do Partido Comunista da Grã-Bretanha e deputado por West Fife, não perdeu a ocasião para um remoque sobre o governo ‘monárquico’ da Grécia natal do então ex-Príncipe. Segundo Gallacher, no dia do anúncio do noivado, “milhares de cidadãos gregos – comunistas, socialistas e sindicalistas – foram enviados para campos de concentração”.

Apesar de o Speaker da Câmara ter procurado afastar o assunto grego, Gallacher voltou à carga aludindo à “untuosa hipocrisia” com que os jornais tinham proclamado que como Philip Glucksburg (nome da dinastia grega) Filipe seria visto com suspeição, mas que como Philip Mountbatten seria recebido de braços abertos. Gallacher, que votou contra a moção, perderia o lugar na eleição seguinte, em 1950.

Nem o facto de Filipe ter servido na Royal Navy durante a Guerra parecia, pois, atenuar as preocupações que eram certamente partilhadas por outras pessoas, bem mais próximas da Princesa do que o comunista Gallacher. De facto, naquela época teria porventura sido mais bem aceite a opção da Princesa por um aristocrata inglês do que por um príncipe estrangeiro.

Filipe nasceu príncipe. Da Grécia, mas também da Dinamarca, embora neste caso de forma apenas honorífica. O seu avô, Guilherme, nascido príncipe da Dinamarca, fora escolhido com 17 anos para Rei da Grécia, em substituição de outro príncipe, bávaro esse, que reinara mas não agradara por 30 anos, até 1862. Com o novo nome de Jorge I da Grécia – ou dos Helenos, que é a designação correcta dos reis gregos desta dinastia – manteve a ligação à sua Dinamarca natal, conservando para os seus descendentes o título de Príncipe da Dinamarca.

O pai de Filipe, o Príncipe André, foi um dos 8 filhos do Rei Jorge I e da Rainha Olga, nascida Grã-Duquesa da Rússia e neta do Czar. A Família Real Grega foi especialmente afectada pelas guerras, não apenas as mundiais mas também as dos Balcãs, numa turbulenta sucessão de regicídios, exílios e reinados. No ano a seguir ao nascimento de Filipe, o seu pai foi responsabilizado por uma derrota militar e exilado. Foi a este legado e ao nome desta família paterna que Filipe renunciou no início de 1947, antes do anúncio do seu noivado com a filha do Rei de Inglaterra.


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Mountbatten era o apelido da família da mãe de Filipe. Ou melhor, a versão anglicizada do apelido Battenberg com que Alice nascera.

Os Battenberg eram um ramo morganático da Casa de Hesse-Darmstadt – ou seja, um ramo que resultou de um casamento que não cumpria os requisitos de igualdade de nascimento das leis da Casa. Simplificando, o ramo era o resultado de uma bonita história de amor entre uma jovem condessa, dama de companhia de uma Grã-Duquesa e futura Imperatriz da Rússia, por quem o Príncipe Alexandre de Hesse, irmão desta (e do Grão-Duque de Hesse), se perdeu de amores.

A Casa de Battenberg haveria de ser pródiga em excelentes casamentos com casas reais europeias, dando consortes a monarcas de Espanha, da Suécia e da Inglaterra. O seu nome esteve, além disso, perto de vingar como nome de uma nova dinastia inglesa.





Um dos filhos desse casamento morganático, o Príncipe Luís de Battenberg, naturalizado britânico e oficial da Royal Navy com uma carreira fulgurante, casaria com uma neta (e homónima) da Rainha Vitória. Com a eclosão da Grande Guerra em 1914, a família renunciou a todos os títulos alemães, o nome de família foi anglicizado e o Rei Jorge V conferiu títulos de nobreza britânicos para recompensar a lealdade. Berg, monte em alemão, passou a Mount, monte em inglês. E os Battenberg passaram a Mountbatten.

Luís e Vitória foram pais, nada menos, do que uma futura Princesa da Grécia (a mãe de Filipe), de uma futura Rainha da Suécia e de um futuro Vice-Rei da Índia, o célebre Lorde Mountbatten de Burma. A ligação de Lorde Mountbatten à Royal Navy terá sido providencial para assegurar não apenas a carreira naval do seu sobrinho Filipe, que cresceu em Inglaterra e na Escócia, longe da terra natal e da família paterna, mas também o seu futuro matrimonial.

William Shawcross, biógrafo oficial da Rainha-Mãe, sintetizou desta forma o papel de Mountbatten no romance: “A sua amizade foi promovida, por vezes de forma demasiado insistente, pelo tio de Filipe, Lorde Mountbatten, cujos entusiasmos sociais podiam interferir com o seu sentido de decoro” (op. cit., p. 624).

Quando, em Julho de 1947, o Rei Jorge VI anunciou o noivado da sua filha e herdeira, a Princesa Isabel, Lilibet na família, com o Tenente Filipe Mountbatten, já tinham ocorrido, por parte de Filipe, a renúncia aos títulos e direitos dinásticos gregos, a naturalização como cidadão britânico e ainda uma enorme operação de charme liderada por Lorde Mountbatten, ainda Vice-Rei da Índia em processo de independência em curso, para que a classe política não levantasse questões à sua escolha.

Na manhã do casamento e seguindo a tradição, o Rei Jorge VI conferiu ao (ainda futuro) genro os títulos de Duque de Edimburgo, Conde de Merioneth e Barão Greenwich. Na véspera tinha-lhe conferido o tratamento de Alteza Real, o mesmo a que Filipe renunciara meses antes, a exclusiva Ordem da Jarreteira. Consciente da sua generosidade pelos padrões britânicos, Jorge VI escreveu à sua mãe, a Rainha Maria (1867-1953), tentando justificar tamanha prodigalidade: “I know Philip understands his new responsibilities on his marriage to Lilibet” (citado em Shawcross, William, op. cit., p. 628).

Foi esse – Sua Alteza Real o Duque de Edimburgo – o tratamento e título que teve até 1957, quando regressou a Londres com a sua mulher, rainha há já 5 anos, da visita de Estado a Portugal.


* * *


Com a subida da Princesa Isabel ao trono do Reino Unido, na sequência da morte do Rei a 6 de Fevereiro de 1952, voltou a haver uma rainha reinante, Isabel II, num reinado que se antevia longo por força da juventude da soberana.

O início do reinado ficou, contudo, marcado pela tensão a propósito do nome da dinastia. Ainda Isabel não reinava há um mês e em Londres circulava já que Lorde Mountbatten, ávido por ‘dourar’ o apelido da sua família, dizia já que desde 6 de Fevereiro a dinastia era a de Mountbatten.

A Rainha Maria, viúva de Jorge V (que dera o nome de Windsor à Casa Real em 1917), terá conspirado com a Rainha Mãe e o governo de Churchill em peso, para forçar a nova Rainha a manter o nome da Casa, preterindo a vontade e o nome do marido, ‘o único homem na Grã-Bretanha que não pode transmitir o apelido aos seus filhos’, como o próprio terá dito. A 11 de Abril de 1952, The London Gazette publicava a declaração feita pela Rainha de que a sua Casa e Família era a de Windsor e que esse seria o apelido dos seus descendentes.

Filipe nunca recebeu o título de Príncipe Consorte, usado antes pelo marido da Rainha Vitória, o Príncipe Alberto – embora conferido apenas em 1857, 17 anos depois do casamento. Agravando o contraste, a dinastia que sucedeu a Vitória recebeu o nome da família de Alberto, Saxe-Coburgo-Gotha, depois alterada para Windsor durante a Grande Guerra.

Ao contrário das consortes dos soberanos, o consorte da rainha não tem um papel especial na coroação. Não é coroado ao seu lado e o Duque de Edimburgo sentou-se com os restantes duques reais. Coube-lhe ser o primeiro a jurar fidelidade e beijar a face da sua soberana e mulher, em momento registado não apenas pelas câmaras mas também no belíssimo óleo de Sir Terence Cuneo que está na Colecção Real.

Deve-se ao Duque de Edimburgo um grande desenvolvimento da televisão nos seus alvores. A sua insistência na transmissão integral e em directo da cerimónia em 1953, que vingou apesar da resistência dos cortesãos, levou à aquisição em massa de aparelhos televisivos. Permitiram, além disso, o registo integral daquela que foi porventura a mais esplêndida cerimónia do século XX, irrepetível em muitos dos seus pormenores porque o mundo da próxima coroação é irremediavelmente diferente daquele que assistiu aos “vivas” a Isabel II na Abadia de Westminster.





Ao lado da Rainha, o marido adaptou-se ao seu papel, por definição secundário, tentando dar à Monarquia os toques de modernidade que apreciava. Fez dos seus interesses pessoais – as Forças Armadas, a Conservação da Natureza, a modernização industrial – o foco da sua acção e parece ter transmitido aos seus filhos, em particular ao filho mais velho, algumas das suas prioridades.

A Visita de Estado a Portugal em Fevereiro de 1957, retribuindo a visita do Presidente Craveiro Lopes a Londres dois anos antes, ficou no imaginário nacional luso pela pompa inédita mas foi também um momento importante para Isabel II e o Duque de Edimburgo.

A ausência do Duque numa viagem de vários meses a bordo do Iate Real tinha feito disparar alarmes sobre o real estado do casamento. A reunião deu-se em Lisboa. Imediatamente após o regresso a Londres, Isabel II conferiu ao marido o título e a dignidade de Príncipe do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, fazendo saber que passava a ser conhecido por Sua Alteza Real o Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo, designação que usou até à sua morte.

Três anos depois, em 1960, a Rainha emendou a mão relativamente à declaração de 1952 sobre o nome da família, decidindo que se chamariam Mountbatten-Windsor todos os descendentes que não tenham tratamento de Alteza Real ou título real, perpetuando assim o nome adoptado pelo marido em 1947.

Filipe de Edimburgo regressaria a Portugal em 1973, para participar na comemoração dos 600 anos do Tratado de Londres, assinado em 1373 entre o Rei D. Fernando I e o Rei Eduardo III de Inglaterra. Américo Tomás e Marcello Caetano não pouparam nas celebrações, entre banquetes e espectáculos equestres. O Duque recebeu o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, até então apenas conferido a Chefes de Estado.

Ao emproado discurso do Presidente Américo Tomás no Palácio da Ajuda, Filipe de Edimburgo respondeu com um discurso algo desconcertante, com toques de humor, que o Arquivo RTP permite recordar na íntegra. Recordando que a maioria dos tratados é esquecido antes de a tinta secar, destacou a singular circunstância de se celebrar os 600 anos de um tratado de amizade que certamente nenhum dos presentes tinha lido:

When the relationship between states is based on political, strategic or even industrial considerations, it is liable to sudden and complete change. When the relationship depends upon the attitude of the people of one country to the people of another, when ways of life, cultures, senses of humour are admired and enjoyed, and when there is a sense of mutual trust, then it will not change, even during periods of strain. It is these factors which are at the base of real friendship between nations. The sort of friendship in which it is possible to be frank without giving ofence, to criticize without malice and to be appreciative without cynicism.

Porventura o aviso de que Marcello Caetano podia esperar críticas em Londres durante a visita que teria lugar no mês seguinte, mas sempre com amizade.


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Nas armas do Príncipe Filipe, reproduzidas no estandarte que cobrirá a sua urna, estão os leões dinamarqueses, a cruz branca sobre o fundo azul da bandeira grega, duas listas negras em fundo branco das armas Battenberg (ou Mountbatten) e as armas da cidade de Edimburgo, o seu ducado.

Ao contrário das gerações seguintes, Isabel II e Filipe de Edimburgo nunca foram pródigos em declarações públicas sobre a sua relação. Biografias futuras, com acesso à correspondência trocada, permitirão relevar um pouco mais sobre a relação de 73 longos anos e sobre o papel efectivo que Filipe desempenhou no reinado da sua mulher.

A excepção a essa discrição foi o agora glosado discurso por ocasião das Bodas de Ouro, no difícil ano de 1997, menos de três meses após a trágica morte de Diana de Gales. A Rainha falou dos incríveis 50 anos para o Reino Unido e, no seu característico humor, não deixou de sublinhar o difícil feitio do marido, antes de lhe fazer o elogio:

All too often, I fear, Prince Philip has had to listen to me speaking. Frequently we have discussed my intended speech beforehand and, as you will imagine, his views have been expressed in a forthright manner.

He is someone who doesn't take easily to compliments but he has, quite simply, been my strength and stay all these years, and I, and his whole family, and this and many other countries, owe him a debt greater than he would ever claim, or we shall ever know.

Vinte anos depois, em 2017, ano em que cumpriram 70 anos do seu casamento e de serviço público, a Rainha, sua mulher, mandou cunhar várias moedas com efígie do Duque de Edimburgo com a inscrição em latim “NON SIBI SED PATRIAE”: não para si, mas para o país.

É nessa renúncia de si mesmo, do seu título, da sua família, do seu apelido, da sua liberdade e da sua privacidade, que se baseia o serviço que Filipe de Edimburgo prestou ao Reino Unido, estoicamente ao lado da mulher, em bons e maus momentos – uma longa vida inteira. Cumprindo, de alguma forma, aquilo que dias após o casamento, em 1947, Filipe escrevia numa carta:

Lilibet is the only ‘thing’ in this world which is absolutely real to me and my ambition is to weld the two of us into a new combined existence that will not only be able to withstand the shocks directed at us but will also have a positive existence for the good...

(Carta do Duque de Edimburgo à sua sogra, a Rainha Isabel, 3 Dezembro 1947, citada em Shawcross, William, op. cit., p. 631)

 

Ademar Vala Marques

Abril 2021