Maria Gabriela Llansol,
em Numerosas Linhas – Livro de Horas III (Jodoigne-Herbais, 1979-1980),
Lisboa, Assírio & Alvim, 2013: «Destituo-me da literatura portuguesa e
passo para o lado da língua; abandonei o meu papel equívoco de mundanamente e
mudamente pedir reconhecimento, e constatei que, para lá do campo da literatura
vigente, há o campo inundado da língua, sempre a evoluir na fenomenologia do
tempo; não peço mais ser o que não poderei ser, pois tomei deliberadamente
outro caminho em que escrever faz parte dos amores íntimos, intimamente» (p.
81).
«Eu sou uma mulher pobre
porque trabalho pobremente, isto é, por causa do cansaço múltiplo destes dias,
nem sempre posso escrever. Por ser, independente o mais possível, por causa de
um texto em si mesmo» (p. 85).
Garry Winogrand, 1964
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Diz-nos depois o crítico
António Guerreiro, hoje no Público, p. 36 do suplemento Ipsilon:
«Mas há, no entanto, algo novo neste diário, que não conhecíamos dos
anteriores: momentos de desalento, de crise, de desânimo perante as
dificuldades. Trata-se de um momento em que Maria Gabriela Llansol não tem
editor e não consegue publicar. E é também um momento, com a mudança para o
‘cativeiro de Herbais’, em que o trabalho pesa e as dificuldades —
inclusivamente, ou sobretudo, as financeiras — são muitas. Percebemos aqui
claramente que Maria Gabriela Llansol não teve uma vida fácil na Bélgica, não
gozou de um exílio dourado, e que a pobreza, nos seus livros, não é apenas uma
metáfora ou uma entidade ‘figural’.»
.
Apetece perguntar (sem
ironia): não haverá aqui uma contradição (que o crítico não quis ver) entre
Llansol ter decidido abandonar o «papel equívoco de mundanamente e mudamente
pedir reconhecimento» e o «desânimo» de não ter editor e não conseguir
publicar? Entre a decisão de colocar-se «para lá do campo da literatura
vigente», entre declarar «não peço mais ser o que não poderei ser, pois tomei
deliberadamente outro caminho em que escrever faz parte dos amores íntimos,
intimamente» e o desalento e a crise por não conseguir o reconhecimento de se
ver editada?
João Pedro George
Há aqui uma grave pecha em todo este raciocínio baseado no texto do António Guerreiro: o autor não cita nenhuma passagem que ilustre este suposto desânimo da Llansol. Ou seja, custa-me sequer começar a elaborar seja o que for quando se pede para articular duas citações de uma autor com um comentário vago de um jornalista sobre essa autora que nem sequer chega a ser paráfrase.
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