As
primeiras palavras d’Os Anjos de Apolo,
de Jennifer Thomas, são uma dedicatória. Para
o Tony. É-me indiferente saber se o marido de Jennifer Thomas, o
historiador Tony Judt, já então se encontrava afectado pela doença atroz que o
vitimou. Os Anjos de Apolo é, tão-só,
a melhor história do ballet que existe em língua portuguesa. Logo nas primeiras
páginas, a sua autora diz que o ballet pode ter chegado ao fim, sendo hoje
visto como antiquado e fora de moda, desajustado a um tempo acelerado e
desordenado.
Não sei se Jennifer Thomas estará a ser
demasiado pessimista neste seu prognóstico tão sombrio. Mas acerta plenamente no diagnóstico:
o ballet exige uma ordem e um equilíbrio que nem sempre parecem compagináveis
com o ritmo alucinante dos nossos dias. Não é difícil percebê-lo: há uns tempos, já longínquos, publiquei
aqui uma série de imagens de Alfred Eisenstaedt, cisnes repousantes, perto do
céu.
O
ballet é uma arte exigentíssima, que requer tanto esforço e trabalho como
qualquer outra das mais duras actividades humanas. Aqui estão bailarinas mas poderiam estar operárias fabris, trabalhadoras das minas ou camionistas de longo curso. Há 16 anos, a fotógrafa Lucy
Gray, acabada de ser mãe, decidiu retratar mulheres que conjugam a maternidade
e a profissão. Um dia, por acaso, encontrou num mercado uma bailarina; falaram,
conversaram-se, e Lucy começou a espreitar os bastidores do San Francisco Ballet.
Durante 15 anos, acompanhou três mães-bailarinas: Katita Waldo, Tina LeBlanc e
Kristin Long. Os depoimentos destas mulheres podem ser vistos aqui, o
que deveras recomendo porque hoje é Dia da Mãe.
As
fotografias, como disse, foram tiradas durante 15 anos, acompanhando o
crescimento das crianças, feito em palco ou fora dele. Lucy Gray publicou
há pouco o produto do seu trabalho: Balancing Acts. Three Prima Ballerinas Becoming Mothers. Ao apresentá-lo, disse que a
maternidade tinha dado àquelas mulheres uma nova perspectiva sobre o seu
trabalho, um novo olhar sobre o bailado. Não se tratou apenas de conseguir conciliar a experiência
de ser mãe e uma das mais árduas profissões do mundo. Muito mais do que isso: a
maternidade enriqueceu aquelas mulheres como pessoas e como praticantes de uma
arte que, dizem, está em vias de extinção. Pelo menos, foi o que aqui testemunharam as três mães-bailarinas.
Se
é verdade ou não, não sei. Sei apenas que, por uma coincidência incrível, estava ver estas imagens granuladas
quando, subitamente, me aparece à frente um trecho de um livrito maravilhoso que andava a ler, chamado
Uma Negrinha à Procura de Deus, de
George Bernard Shaw. Que diz assim:
«A
vida é chama que está sempre a extinguir-se. Mas acende-se de novo todas as
vezes que nasce uma criança. A vida é maior do que a morte, a esperança maior
do que o desespero.»
Seria
algo pretensioso e exageradão dedicar este texto a todas as mães do mundo, pois o Malomil não
é visto em toda a parte, notando-se falhas acentuadas de visitantes da
Bielorússia e da África subsaariana. Por isso, estas palavras piegas vão apenas para a
Raquel, que foi mãe e depois fez uma tese, e para a Isabel, que fez uma tese e
depois foi mãe. E também, claro, porque é hoje o dia, para a minha Mãe, com mãeiúscula.
António
Araújo
Belo texto, António.
ResponderEliminarTeresa Mónica
Amizade sua, Teresa. Mas obrigado, claro!
ResponderEliminarCom amizade minha,
António
E eu acrescento, se me permite:
ResponderEliminar"...e às que não foram mães mas distribuem - ou distribuíram - o seu amor maternal por quem passou e dele necessita(va)."