Uma selfie com o patrão
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Que
eu saiba, a imprensa portuguesa, e até a estrangeira, não deu a devida
importância a este fenómeno de massas, muito mais importante do que as eleições
no Reino Unido. Eleições no Reino Unido fazem-se há muitas décadas e
continuarão a fazer-se por muitas décadas, assim haja reino e ele permaneça
unido.
Coisa
diferente é meter 6.400 chineses na Promenade des Anglais, em Nice. Foi o que
fez Li Jinuyan, um multimilionário chinês de 57 anos, cujo nome consta da Forbes, naquela lista do people that has more
nartel or guito all over the world. Para comemorar o vigésimo aniversário da
sua empresa, a TIENS, o Sr. Li levou mais de metade dos empregados até ao sul da França.
Como convém numa sociedade sem classe, os executivos ficaram nos hotéis mais
luxuosos enquanto o resto da populaça ordeira – ou seja, o operariado – pernoitou em estabelecimentos de 4 ou mesmo 3
estrelitas. Ao todo, encheram 140 hotéis, numa operação que custou qualquer
coisa como 13 milhões de euros (fora o que cada um gastou nas lojas, que foi à
labúrdia). Para agradecer ao patrão, a manada compacta fez um número North
Korea em saudação à empresa-mãe, a TIENS.
A
TIENS é uma empresa complicada, com muitos problemas (mais ou menos como a TAP,
mas sem greves). Em 2007, segundo parece, defraudou milhares de tibetanos num
esquema de investimentos em pirâmide. Enganar tibetanos é uma especialidade
chinesa, mas a TIENS avançou noutra frente, também muito desbravada pelo
Império do Meio: a África, misteriosa. No Continente Negro, dizem, a TIENS
enganou os incautos vendendo-lhes produtos de medicina tradicional chinesa que
supostamente curavam o cancro ou a SIDA.
Nada
disto, como é evidente, impediu as autoridades francesas de receberem de braços
abertos esta multidão caída dos céus, um maná em forma de formigueiro humano
que aterrou em aviões fretados oriundos da China, da Rússia e até do Quénia. Os
responsáveis pelo turismo da Côte d’Azur rejubilaram e várias lojas de artigos
de luxo fecharam as suas portas apenas para receber esta multidão sumptuária e gastadora.
A
aglomeração de gente na Promenade des Anglais, perfilando-se disciplinadamente como
um batalhão de consumidores, é uma bela metáfora do nosso tempo. «The feedback
has been extremely positive», referiu, em anglais, o responsável pelo Turismo
de França, o Sr. Christian Mantel.
Desengane-se,
porém, quem julgar que a grandeza é um exclusivo chinês. Tomemos o
exemplo de Salvador Rodrigues Gama. Sim, Salvador Gama, um caso paradigmático de grandeza humana (com certos laivos de culto da
personalidade). Na sua página pessoal na Internet, o Sr. Salvador apresenta-se,
nada mais, nada menos, como «columbófilo de prestígio que possui pombos desde o ano de 1947». Isto, sim, é um trabalho bem feito no universo da columbofilia. Pois o
trabalho dá frutos e Salvador Gama pode, com galhardia, apresentar os seus créditos. Desde 1950, Gama já arrecadou mais de 50 títulos de campeão nas mais
prestigiadas sociedades columbófilas, tais como e a saber:
−
Lever (1100 pombos)
−
Crestuma (800 pombos)
−
Argoncilhe (750 pombos)
−
Mafamude («quando esta era conhecida como a “universidade columbófila”», onde meteu duma assentada 1.500 pombos académicos);
−
Lobão (2800 pombos, uma brutalidade)
−
Sanguedo (2200 pombos)
−
Vila Maior (em dublagem)
Um
tudo-nada vaidoso, o Senhor Gama proclama ainda ser, em letras garrafais,
«CAMPEÃO DISTRITAL DE FUNDO DO DISTRITO DO PORTO» e «CAMPEÃO DISTRITAL DE FUNDO
DO DISTRITO DE AVEIRO».
Adianta
que, apesar desses triunfos, «de todos os títulos em que me consagrei vencedor, os mais prazerosos foram: Campeão na Sociedade Columbófila de Mafamude, considerada na altura como a Catedral da Columbofilia, e Campeão na Sociedade Columbófila de Lobão, Nata da Columbofilia de Aveiro»
É,
portanto, entre a nata de Lobão e a catedral de Mafamude que Salvador Gama
estende o seu império pombeiro. É comovente pensar que tudo isto começou com um animal,
«o célebre 750». O famoso 750 ganhou mais de 20 prémios e sagrou-se campeão
nacional. Mais: dos reprodutores do Senhor Gama, 80% são da linhagem do 750.
Salvador
Gama anda nisto desde 1947, ainda a China nem comunista era, coitadita. O Mundo Columbófilo classifica o Senhor
Gama, e muito bem, como «um nome incontornável da columbofilia leverense». É
verdade. Sem Salvador, Lever não teria pombos de raça. Aqui, convenhamos, o Senhor
Salvador estica-se um bocadito, mas nada que não se perdoe. Ouçamo-lo: «A columbófilia em Lever começou por mim. Na minha juventude, em Lever ainda ninguém tinha pombos-correio. Eu ouvia falar disso, mas não percebia nada. Certo dia fui a Avintes e perguntei quem era o melhor columbófilo. Disseram-me que era o Neca Trinta. Fui ter com ele e perguntei-lhe se me queria vender pombos. Olhou para mim, eu era um rapazito novo. Perguntou-me ... tu tens dinheiro para pagar ? Respondi-lhe que sim. Mandou-me entrar. Acabei por trazer 8 pombos, pelos quais paguei 800 escudos, o que em 1946/1947 era muito dinheiro. Fiz um pombal em casa dos meus avós e meti lá os pombos. Passado três anos fui campeão na SC Crestuma. Em Lever, as pessoas começaram a ver os meus pombos voar e a chegar dos concursos, algumas entusiasmaram-se e tornaram-se columbófilas, estou a falar do Salvador da Torre, do Neca Cunha, do Ramalho, do Neca Batata, entre outros.»
Além do famoso pombo 750, Salvador Gama chegou onde
chegou (isto é, ao topo) porque caminhou aos ombros de gigantes, para usar as palavras de Isaac
Newton, outro nome grande da columbofilia. Ele próprio o reconhece: o Ramalho, o Neca Trinta, o Neca Cunha, o Neca Batata… Sem
eles, Salvador não seria quem é: o pai-fundador da columbofilia leverense. Até
de Minas Gerais, no Brasil profundo, afluem mensagens de homenagem a este Homem,
preitos de gratidão vindos de gente humilde e columbófila que tem nos seus pombais exemplares da linhagem do 750. Fábio
Chagas, devoto de Salvador, apelida-o de «um mito da columbofilia mundial».
Agora, uma história que fica para a História.
Um episódio, contado pelo Mestre, que define o seu carácter, a sua atitude
proactiva (e retroactiva) no adestramento do pombo-correio. A vossa atenção:
(fim de citação).
A
concluir, o melhor de tudo, o epílogo exemplar. Respeitado mundialmente, com
pombos nos confins do Brasil, Salvador Rodrigues Gama foi um dia contactado por um empresário
chinês. Não sei se foi aquele que levou os empregados à França ou se foi um
das Três Gargantas, não interessa. Um dia, Salvador Gama foi contactado por um
chinês. Ofereceu-lhe este 25 mil euros por um pombo-campeão. Certamente o animal seria um
descendente do famoso 750. Por 25 mil euros, seria, sem dúvida, um bicho de grande valia e raça. Talvez a Topo da
Gama, uma «supercampeã voadora a fazer História como reprodutora, mãe de pombos a ganhar todos os níveis em todas as distâncias».
http://www.cicpigeons.com/en/node/7757 |
A Salvador Gama deram 25 mil euros por um
pombo. Muito dinheiro, dava para ir a França e voltar. Mas Salvador não vendeu. Ao contrário dos emplumados de
Nice e da Promenada dos Ingleses, Salvador foi firme, valoroso, resistiu ao vil metal. Em
Crestuma-Lever pode haver muita porrada entre as aldeias, mas ainda há gente com dignidade na cara. Com povo assim, até dá gosto ser pombo.
À memória do grande 750
António Araújo
António Araújo
Obrigado, mil vezes obrigado António. Abraço G
ResponderEliminarObrigado. Uma história fantástica.
ResponderEliminarResistir é vencer.
É assim mesmo, António!
ResponderEliminarTeresa Mónica
Gosto tanto da maneira como entrança as histórias.
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