impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 83 - PAT
METHENY
Fotografia de Marek Dudek (1985)
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Ouvindo as edulcoradas e amáveis
produções musicais do mais recente Pat Metheny, que, em abono da verdade, têm
merecido todo o apreço do público do jazz, ratificado pelos sucessivos
sufrágios da Downbeat a pontificarem o seu nome no topo da lista dos escolhidos,
pouco se adivinhará que debaixo da toga senatorial tão comodamente envergada
pelo guitarrista, palpitou um coração musical abrasado e díspar.
Guitarrista
sem mestre – identificar no seu estilo acordes de Jim Hall e de John McLaughlin,
é dizer que o condimentou com azeite e vinagre – Pat Metheny teve idade para
iniciar a carreira na época menos entusiasmante do jazz, nessa década de 70 em
que a corda se esticava entre a fusão e o free, com pouco quartel para quem não
se extremasse. À maneira desses tempos, Metheny não prescindiu de eletrificar a
sua guitarra, mas fê-lo com circunspecção, de forma a não perder uma certa
reverberação acústica, esbatendo a sonoridade histriónica e clamorosa que
predominava em instrumentistas mais radicais, ou em ruptura mais acentuada com
a tradição do jazz.
Talvez seja delírio, ou talvez não,
ouvir na música de Pat Metheny evocações do horizonte expandido e do céu muito
ancho do seu Missouri natal. Terá sido, precisamente, esta harmonização de
índole paisagística ou contemplativa que distinguiu a sua personalidade musical
como um campo de placidez por entre as barulhentas tendências de então. Se tais
particularidades lhe permitiram que desde a sua primeira publicação (“Bright
Size Life”, 1976), e durante quase 10 anos, tenha sido acolhido pela ECM, ou se
a editora o adequou à sua feição, talvez não importe tanto como reparar que Pat
Metheny foi um dos fundadores e esteios (com Keith Jarrett) do característico
“som ECM”
Estava-se nestes conformes, que não eram
maus de todo, bem pelo contrário, quando Metheny decidiu mudar de bordo. A
aventura recebeu o nome de “Song X” e consistiu na surpreendente reunião do
guitarrista com Ornette Coleman.
Song
X
1985 (2005)
Nonesuch - 7559799182
Pat
Metheney (guitarra, sintetizador), Ornette Coleman (saxofone alto, violino),
Charlie Haden (contrabaixo), Jack DeJohnette (bateria), Denaro Coleman
(percussão).
Entre o jovem que nunca perdera a pose de
rapaz do midwest (que em português snob se poderia designar por “saloio”) e o
veterano dos heróicos e vanguardistas tugúrios de Nova Iorque, que mais urbano
não se acha, noivos de linhagem tão dissonante, houve um casamento de
conveniência? Sim, se a expressão não for levada a mal. A Pat Metheney convinha
demonstrar que nele havia outro génio que não apenas o de ser tecnicamente
impecável, melodicamente delicado e formalmente respeitoso. Ornette Coleman,
que desde a sessão de 1971, donde saíra o disco “Science Fiction”, se apartara
de Don Cherry, pungia-o a comum, mas sempre desagradável, realidade dos
percursores, de em 1985 já não ser recebido como inovador; ansiava por dizer que
era capaz de franquear itinerários musicais transitáveis por intérpretes de
estirpe muito desigual à sua.
“Song X” constitui, assim, um dos
encontros mais improváveis e temerários da história editada do jazz – óbvio é
que se tivesse corrido mal, hoje não seria recordado. Agravava o caso o facto
de que juntar um professante do jazz de fusão e um cardeal do free, no ano da
graça de 1985, ou seja, quando o “restauracionismo” de Marsalis, que contra
ambas estas correntes se levantou, pilotava a todo o pano, só podia ser
entendido como repto.
Em “Song X” guitarrista e saxofonista puseram-se
tão à vontade como se fazia nas clássicas jam sessions, sucedendo, assim, que pelo
meio de improvisos ferozes, velocidades meteóricas e de sintonias comungantes, se
ponham a brincar. Tais momentos de
burlesco – raríssimos no jazz – são deveras engraçados e não apenas meras
facécias, porque discrepam da austeridade de sobrancelha franzida e do lirismo
de olhos em alvo, que se imputavam às imagens, respectivamente, de Coleman e
Metheny – é um caso sério de amor-próprio e maioridade que músicos deste entono
não tenham medo do ridículo.
Desde “Song X” até hoje, Pat Metheny
nunca mais foi escutado da mesma maneira, mesmo que daí em diante o guitarrista
tenha regressado ao meio do rio em que paulatinamente fluía a sua música. Em
resposta ao dilema dos seus apreciadores, e para enfatizar que não rogava
amnistia pela façanha, nem a desculpava como irreflectida, Metheny restaurou a
obra com primoroso cuidado numa nova edição, em 2005, que não se limitou a
acrescentar o que da sessão de estúdio ficara de fora no vinil de 85, ou a
remasterizar os defeitos da gravação um pouco apressada. Bem pelo contrário, colou
à cabeça “Police People”, peça que havia sido preterida, obrigando-nos a ouvi-la
como prelúdio da liberdade sonora e da sua boa ordenação, que destacam “Song X”
de toda a regularidade.
Oxalá Pat Metheny voltasse a este lugar
mais vezes.
José
Navarro de Andrade
Mais um com namorada portuguesa segundo me constou e daí as suas muitas viagens a este covil.Gosto também da fase soft como por exemplo o disco com o Charlie Haden sobre temas latinos.
ResponderEliminarMetheny e Haden fazem verdadeiramente uma dupla de génio.
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