Como observa o investigador José
Matos, a Operação Mar Verde, desencadeada em novembro de 1970 por um
contingente das Forças Armadas Portuguesas e um agrupamento de oposicionistas
do regime de Sékou Touré, foi das mais ousadas levadas a cabo durante toda a
guerra colonial. Resta dizer que trouxe terríveis consequências para o Governo
de Marcello Caetano, marcou o isolamento diplomático português ao seu nível
mais baixo. Há significativa literatura sobre esta operação, inclusivamente
José Matos e o investigador Mário Matos e Lemos já se tinham debruçado sobre o
assunto. As limitações para investigar são muitas, mas foi possível juntar mais
documentação e trazer novas informações a público. A obra intitula-se Ataque
Secreto, Operação Mar Verde em Conacri, Guerra e Paz 2025.
As
peripécias da operação são por demais conhecidas. Uma força naval portuguesa,
em 22 de novembro de 1970, cercou a capital da República da Guiné. De acordo
com o plano operacional elaborado por Alpoim Calvão, usou-se a escuridão da
noite e desembarcaram vários grupos de tropas especiais em pontos estratégicos
da cidade.
Calvão propusera esta operação
inicialmente com objetivos mais modestos, foram crescendo depois os objetivos.
E da libertação dos prisioneiros portugueses e do afundamento das embarcações
do PAIGC, passou a sonhar-se com um golpe de Estado que derrubasse Sékou Touré,
de modo que o novo Governo, amigável com o Estado Novo, levasse ao afastamento
do PAIGC naquele país, que lhe dava um apoio fundamental. A operação contou com
o apoio total de Spínola, Caetano aprovou-a, ministros do seu Governo mostraram
radical oposição. José Matos levanta interrogações de peso que hoje nos fazem
pensar no que houve de leviano e temerário, faltou uma verdadeira medição dos
prós e contras: seria praticamente impossível não associar Portugal ao golpe,
até porque havia a possibilidade de capturar Amílcar Cabral (dividem-se os
investigadores se não se pretendia acima de tudo a sua liquidação física) o que
deixaria Spínola com um problema em mãos; questiona se o aureolado
comandante-chefe ficaria mesmo numa situação vantajosa para negociar com o
líder dos nacionalistas uma saída pacífica para a guerra de guerrilhas, ou a
guerrilha continuaria a lutar; o que seria se houvesse a perda de apoio na
Guiné Conacri com a mudança de regime e a captura (ou morte?) de Amílcar, esta
mudança levaria a guerrilha a desistir da luta?; e por quanto tempo seria
possível manter um Governo desta oposição a Sékou Touré, um Governo do Front de
Libération Nationale de la Guinée sem uma intervenção externa ou contra as
forças do PAIGC e de Cuba que estavam no país?
São questões cruciais e a historiografia
existente passa-lhe ao lado. Inequivocamente, Spínola perdera a ilusão de
quebrar a espinha ao PAIGC, depois dos dramáticos acontecimentos de abril
passado, com o massacre de uma equipa de negociadores no chão Manjaco.
Perdera-se qualquer paridade no armamento, o PAIGC tinha um conjunto
significativo de bases territoriais e com controlo administrativo, escolas e
hospitais, o projeto de Armazéns do Povo estava em marcha. O Governador e
comandante-chefe deste maio de 1968, imprimiu uma nova estratégia, recebeu
fundos chorudos, constituiu a sua própria equipa, estabeleceu um plano de
abandono de destacamentos, anunciou uma política dominada “Por uma Guiné
melhor”, nesse mesmo ano de 1970 apareceram Congressos do Povo destinados a
conquistar o apoio das comunidades tribais. Sempre que se desloca a Lisboa e
participa nas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional, fala
categoricamente no agravamento da situação, pede mais meios humanos e
materiais. Logo na exposição que faz ao Conselho em 8 de novembro de 1968,
ficou escrito em ata que “O senhor Governador da Guiné voltou a salientar que é
imperativamente necessário evitar que o inimigo atinja a fase de implantação
militar em todo o território da Guiné, sob pena de a nossa soberania ficar
irremediavelmente perdida”.
Não deixa de ser curiosa a comparação da
correspondência de Schulz e de Spínola a pedir meios aéreos mais suscetíveis de
fazer recuar a presença dos grupos do PAIGC dentro do território, só em abril
de 1974 é que as negociações para a aquisição de aviões Mirage pareciam bem
encaminhadas. Acresce que o PAIGC já podia contar com a ajuda cubana e apoio
humanitário da Suécia. A presença do PAIGC na República da Guiné era por demais
evidente. É então que descobre que havia um movimento de dissidentes da Guiné-Conacri
dispostos a derrubar Sékou Touré, foi assim que nasceu a convergência com
Alpoim Calvão, este idealizara somente a libertação dos prisioneiros
portugueses e o afundamento dos meios navais inimigos.
José Matos faz-nos uma resenha dos
antecedentes da Mar Verde, da evolução dos objetivos para a operação, cedo se
começou a verificar que a oposição a Sékou Touré tinha imensas fragilidades; os
grupos hostis foram sendo recolhidos em vários países e comprou-se armamento
soviético sigilosamente na Bulgária; irá comprovar-se que o envolvimento da
PIDE não garantiu informações rigorosas quanto à situação e localização de
entidades e objetivos; também se esclarece
neste historial do José Matos que havia contactos com os opositores de
Sékou Touré desde 1966, os oposicionistas durante muito tempo limitavam-se a
pedir uma contribuição financeira e fornecimento de material bélico.
Estamos agora em plena invasão de Conacri,
descrevem-se os meios em prémios, as dúvidas suscitadas logo na ilha de Soga,
Spínola discursa aos comandos africanos antes da partida e desencadeia-se o
assalto, conhecemos já os contornos essenciais de tudo quanto se passou, os
meios aéreos da República da Guiné não estavam em Conacri, não encontraram o
ditador, Cabral estava ausente de Conacri, falhou a ocupação da emissora, o
tenente Januário dos comandos africanos desertou com vinte homens, houve
afundamento de meios navais, libertaram-se os prisioneiros portugueses,
sofremos baixas ainda que modestas. Ficou comprovado que os meios militares da
República da Guiné estavam numa completa desorganização.
Segue-se a tempestade internacional: a
condenação na ONU, a URSS oferece os seus préstimos navais, o que irá inquietar
a NATO. Em definitivo, Spínola fica convencido da inviabilidade de uma solução
militar e irá argumentar nesses termos na reunião do Conselho Superior de
Defesa Nacional que se realizou em 7 de maio de 1971, consta na documentação:
“Devemos excluir, de uma vez para sempre,
a veleidade de ganharmos militarmente a guerra que enfrentamos, a qual só
poderia ser ganha no campo das armas face a uma viragem imprevisível na
presente conjuntura mundial. O problema só poderá resolver-se no campo político
e quero crer que tal solução ainda se apresenta viável.”
O resto da história já a sabemos:
desentendimento entre Marcelo Caetano e Spínola; caminha-se para a exaustão dos
meios; o PAIGC recebe mísseis e armamento que lhe permite operar em termos de
guerra convencional; a legislação de Sá Viana Rebelo incendeia os ânimos, aos
poucos irá constituir-se o Movimentos dos Capitães. Tudo culmina no 25 de
abril.
José Matos dá-nos novamente prova das suas
capacidades de rigor e assegura-nos uma leitura bastante emotiva.

Obrigado Mário pela resenha...Ab
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