Portugal dá um Presidente
ao Conselho Europeu, tem permanentemente medalhados olímpicos, pensadores de
relevo como António Damásio, mas é de uma pobreza franciscana quanto a
pensamento político, não há na praça um teórico de que se possa fazer menção,
sem desprimor para figuras como Francisco Louçã ou o saudoso Eduardo Lourenço.
Como propostas de renovação de teoria política, estamos entre a nulidade e os
comentadeiros.
É meritório, digo mesmo corajoso, um
jornalista com avultado currículo, escrever um livro para elogiar as suas
convicções, ainda por cima dizendo-se comunista de pedra e cal. Regresso ao
primeiro parágrafo. O país progrediu muito com a democracia, mas é assustadoramente
pobre não só em filosofia política, como na apresentação dos quadros
ideológicos, por via partidária, estejam eles ou não relacionados com o
trotskismo, o maoismo, as diferentes estirpes da esquerda revolucionária, o
marxismo-leninismo tal como se praticou de 1917 a 1989 e os seus adjacentes
atuais, a social-democracia (vestindo a roupagem do socialismo democrático ou
do histórico trabalhismo norueguês ou sueco), as doutrinas conservadoras que
têm o desplante de se apresentarem como sociais-democratas, o
conservadorismo-liberal, o liberalismo de recente extração e a doutrinação
populista que copia fielmente o que se exprime em vários continentes, com as
consagradas cambiantes de racismo, xenofobia, discurso do ódio, algazarra
comunicacional para camuflar os seus verdadeiros intentos.
Porque sou Comunista, por Pedro
Tadeu, Confissões de um jornalista burguês, Zigurate, 2025, traz curiosamente
uma badana que é um chamariz sobre possíveis respostas que o autor, profundo
crente do comunismo, pretende abordar: a humanidade precisa de religião? O
culto da personalidade é um perigo? Nunca houve fascismo em Portugal? O wokismo
é um absurdo? Um jornalista pode ser comunista? Os crimes do comunismo
existiram? O 25 de novembro deve ser celebrado? O mundo é péssimo, mas não há
alternativa? Ora com estes aliciantes não há leitor que não resista em
embrenhar-se num manifesto ideológico que já cativou meio mundo e que hoje é
manifestamente residual, passe o paraninfo que ele nos vai reservar nesta obra.
O que Pedro Tadeu nos pretende dar não
é a validação das teorias do marxismo-leninismo para o século XXI, diz mesmo
que podia correr o risco de produzir uma vulgata de má qualidade. Coligiu uma
série de textos que já tinha escrito, dispersos em artigos de opinião e
publicados em jornais, bem como em palestras e intervenções públicas e
propõe-se dar 26 respostas que vão desde a religião, passando pela Festa do
Avante!, pelo antifascismo e pela recusa do despotismo norte-americano,
exprimindo calorosamente a defesa acérrima ao Serviço Nacional de Saúde; e
mais, os comunistas têm uma alternativa, iremos saber qual.
Diz-se embaraçado pelo assunto da
religião, não tem fé e não pode entender quaisquer manifestações de fé, fica
caladinho. Revela que perdeu o pai aos 9 anos, nesse dia deixou de acreditar em
Deus. Espero que alguém que já tenha lido o seu livro lhe tenha explicado o que
é a fé, a esperança e a caridade, invocada perante as câmaras da televisão,
pelos palestinianos massacrados em Gaza, os sudaneses assassinados, os cristãos
aviltados e queimados no Iraque ou no Paquistão. Afinal não fica caladinho,
dirá que a religião deve estar cada vez mais limitada às questões do
transcendente e ser substituída pelo dever coletivo de regular corretamente a
nossa vida, isto a despeito de elogiar o Papa Francisco e a suas encíclicas que
não estão nada limitadas às questões do transcendente.
Irá falar-nos das liberdades burguesas
e dirá que a palavra liberdade, para os comunistas tem um sentido
verdadeiramente libertador e não apenas o de uma falácia legitimadora do
pensamento dominante das elites políticas e económicas. Ponto curioso, ao longo
de todo o seu elogio revela um grande alheamento às transformações provocadas
por aquela sociedade de consumo oriunda do pós-guerra em que houve Guerra Fria,
os soviéticos a exaltar a satisfação das necessidades básicas e coletivas e o
mundo ocidental, com o farol nos EUA, a exaltar a livre iniciativa, o
crescimento e o bem-estar adveniente das panóplias do consumo. Goste-se ou não,
mesmo nos regimes oligárquicos ou teocráticos os princípios da livre
iniciativa, da criatividade e da liberdade de opinião, podem ser reprimidos,
mas acabam sempre por se impor, veja-se as obras clandestinas do cinema ou da
literatura.
Voltamos à sociedade de consumo e aos
sucessivos saltos tecnológicos. Em 1973, Daniel Bell publicou uma obra
altamente polémica, O advento da sociedade pós-industrial, teorizava o
fim do predomínio agrário e industrial e a ascensão imparável do terciário, com
todas as suas consequências, uma delas a alteração das classes trabalhadoras e
das suas necessidades. Como se viu, Daniel Bell foi mais do que um profeta na
sua antevisão, é nesse mundo em que vivemos. Pedro Tadeu desvela-se a mostrar
como funciona o PCP, como este é discriminado, e não só nos meios de
comunicação social, falará do machismo, do feminismo, do wokismo, comentará as
razões pelas quais os comunistas são contra as guerras, embora adiante que para
um comunista a história humana é fundamentalmente resultado do confronto
permanente das contradições e das lutas de classes sociais, observando que isso
do consenso é credo dos donos do sistema, os consensos são congeminados pelas
elites e nas costas dos trabalhadores.
Para além de manifestar o seu orgulho
de comunista, de vez em quando aborda a superioridade dos comunistas, mesmo com
pezinhos de lã: “Os horizontes de um intelectual comunista, independentemente
dos seus interesses pessoais, das suas capacidades, do seu talento, da sua
erudição, das suas relações, são necessariamente largos e, atrevo-me a dizê-lo,
quase sempre mais largos do que os dos intelectuais não-comunistas.”
Iremos saber o que Pedro Tadeu tem a
dizer sobre a luta de classes, a organização de greves, a exuberância sem rival
da Festa do Avante!, a relutância que têm ao culto da personalidade, porque
admiram a Revolução de Outubro, porque são antifascistas, celebram o 25 de
abril e não celebram o 25 de novembro… até que finalmente os comunistas, que
anseiam transformar o mundo, têm uma alternativa, e di-lo sem rebuço: “Criar
uma sociedade onde os meios de produção não são, à partida, privados, mas um
bem comum da população, e onde o poder que os governara é dominado ou
controlado pela classe trabalhadora.” Porque será que esta alternativa não é
referendada pela generalidade do eleitorado? Bem, o Pedro Tadeu não escreveu
este livro para teorizar e esboçar a alternativa, é humilde e não se quer meter
em cavalarias altas. Dá para perguntar o que nos pretende confessar este
jornalista dito burguês.
Mário
Beja Santos

Ser comunista em 2025 é o equivalente a ser monárquico em 1789 ou Miguelista em meados do séc. XIX. Nada impede um indivíduo de viver agarrado ao passado, mas está a perder o presente e a inquinar o futurol
ResponderEliminarDe Pedro Tadeu, último director do extinto/falido 24 Horas, guardo uma entrevista por José Eduardo Fialho Gouveia:
ResponderEliminarJEFG: se não estivesse no "24 Horas" seria leitor do jornal?
Pedro Tadeu: Não.
JEFG: Porquê?
Pedro Tadeu: Sou um privilegiado. Faço parte de uma elite e tenho uma cultura acima da média. Não tenho os mesmos interesses de grande parte dos leitores do "24 Horas". Mas faço um jornal para as pessoas, não para mim.
Está confessado. É para as pessoas, não é para ele!