quarta-feira, 16 de março de 2016

As árvores morrem de pé...

 
 
Há um ano
 
Actualmente...
 






As árvores morrem de pé… a não ser quando o homem intervém.
 
Na Antiga Grécia, os metecos eram estrangeiros, sem direito a participar nas decisões políticas mas com muitos deveres e poucos direitos. Ontem senti-me assim no bairro onde vivo…
 
Há cerca de dois anos, na revista ZINE, do Agrupamento Dona Filipa de Lencastre, em Lisboa, no Bairro de São João de Deus, podia ler-se: «As árvores da Guerra Junqueiro foram pensadas para as suas folhas caírem tarde (Novembro) e aparecerem cedo (Fevereiro), estando agora na sua maior pujança, o que dá à rua uma enorme frescura… e às vezes é bem fresco, quando a nortada resolve invadir Lisboa e a rua, orientada no sentido noroeste-sueste, serve de “tubo de escape” da ventania».
Consultando sítios de agências imobiliárias, quando se procura um apartamento neste bairro – Praça de Londres, Guerra Junqueiro, Av. Paris, Alameda, etc – é quase sempre realçado o «aspecto verdejante» do local, aprazível por ser das raras zonas da cidade em que os edifícios e os envolventes, designadamente os passeios largos com canteiros grandes e o enorme arvoredo, se assemelham ao que há de melhor nas capitais europeias onde a qualidade de vida dos habitantes, trabalhadores, comerciantes e transeuntes em geral é levada a sério.
Há um ano, de repente, na sequência de um ramo que, durante uma tempestade, caiu em cima de um carro topo de gama, chegou uma empresa que, rapidamente, «fez o diagnóstico». Passados escassos dias, ao que dizem a mesma empresa, interveio na «terapêutica», que foi cortar, cortar e cortar… até os protestos populares fazerem o presidente da Junta vir ao local e constatar, ao Jornal Público, «que se tinham esticado um bocado». Prometeu muitas árvores para Setembro… provavelmente na China, porque aqui não foi.
O verão foi quente e o comércio ressentiu-se. As casas ficaram muito mais abafadas. As árvores, coitadas, resistiram e agora, em Fevereiro, começaram a deitar novos ramos, flexíveis, finos, que não se quebrarão com o vento mas que estão repletos de folhas verdes e já dão alguma sombra. A saúde mental de quem por aqui vive ou passa também se ressentiu.
Ontem, contudo, eis que avançam as máquinas e a razia é total. Não sobra nada. Em vez das árvores antigas colocam-se umas «pauzinhos» de dois metros de altura, sem rebentos e que, coitados, com a poluição automóvel e de gases pesados duvido que consigam crescer nas próximas décadas. Assim se destrói o património verde – a Junta sabe, a Junta é eleita, a Junta decide… mas por acaso houve muitos pareceres contra, desde engenheiros do ambiente e paisagistas, a agrónomos e botânicos que consideraram não ser necessário tanto «esticanço». As fotografias atestam.
Anteontem, ao rever com um dos meus filhos, que está no 7º ano, a matéria para o teste de História, que versava sobre a Grécia Antiga, senti-me um perfeito meteco, ou seja, um «indivíduo livre mas estrangeiro, que tinha muitos deveres mas poucos direitos, designadamente o de intervir politicamente e de colaborar nas decisões públicas».
A Junta quis, pôde e mandou. Ouvindo e havendo tantas opiniões diferentes, talvez uma consulta pública e um período de discussão não tivessem sido disparate, pelo menos num horário e em formas alargadas, e não apenas numa tardezinha, em meia hora impossível, na sede da Junta. O Fórum Cidadania Lisboa bem tentou debater o assunto mas de nada serviu.
Assim vai a política autárquica, que nada tem a ver com a Câmara Municipal de Lisboa, mas com o facto de se terem transferido pelouros a mais para a competência das Juntas.
Sinto-me meteco no bairro onde moro, trabalho, faço compras, descanso e passeio. Felizmente tenho esta tribuna, coisas que os metecos não tinham… mas a Guerra Junqueiro e a Praça de Londres ficarão despidas do seu verde… os agentes imobiliários vão ter de inventar outro slogan… e o meu cão está triste, nos seus passeios, que ficarão infinitamente mais pobres.
 
Mário Cordeiro
 
(publicado no jornal i, de 15-III-2016; aqui republicado com autorização de Mário Cordeiro: obrigado, Mário, um abraço!)


1 comentário:

  1. se calhar são para transplantar para a 2ª circular...já estão a fazer stock..

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