sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Como ascendem e morrem as civilizações, entre os desígnios da Natureza e o poder das armas.

 



 

Uma História de Extremos – Do colapso da Idade do Bronze aos quase acidentes nucleares, por Dan Carlin, Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2022, é um ensaio com uma abordagem peculiar sobre mentalidades, o poder das armas, o que ainda pouco se sabe sobre colapsos de civilizações, até ao nosso tempo em que pontifica o termonuclear, quem o usar desencadeará o Armagedão, que não subsistam dúvidas.

Mesmo vivendo em tempos que assentam em evidências científicas e rigor historiográfico, continuam a existir perguntas irrespondíveis. Cada degrau em que evoluíram as civilizações corresponderam a saltos tecnológicos, foi assim com o sílex (pedreneira), os metais, os sucessivos armamentos bélicos até se chegar ao equilíbrio pelo terror – etapas cada vez mais velozes, há 20 anos ninguém falava na inteligência artificial e em 1970 era impensável a digitalização. O poder das armas foi marcado pela subjugação de povos, aniquilamentos, destruição de património construído. Também não se pode acompanhar as etapas da civilização sem o processo cultural concomitante. “Bater nas crianças foi uma forma comum de disciplina desde os primeiros dias da história da humanidade até tempos relativamente recentes.” A literatura está pejada de exemplos de castigos corporais, chicotes, palmatórias, tudo o mais que se sabe. “Uma prática comum durante muita da história da humanidade era dar às crianças aguardente ou ópio para aliviar a dor de dentes ou as ajudar a dormir. Ainda na década de 1960, não era invulgar que um médico prescrevesse medicação para as crianças dormirem, ou que os pais esfregassem uísque nas suas gengivas.” Como no passado era a coisa mais natural do mundo os pais levarem as crianças às execuções públicas. O que nos leva a refletir sobre aquilo que chamamos progresso, e é neste quadro de interpelações que o autor nos põe a refletir sobre o colapso da Idade do Bronze, uma transformação comparável à queda do Império Romano do Ocidente. Por que se deu o colapso é mistério insondável, os investigadores especulam se ouve fomes, alterações da natureza, pestes, invasões. E podemos transferir este enigma do porquê do colapso para as civilizações do Crescente Fértil ou o fim da civilização egípcia. É facto que se falava no Crescente Fértil onde hoje estão desertos, mas podemos extrapolar para os celeiros do Norte de África hoje transformados em campos de areia ou terras infecundas. É aliciante o modo como Dan Carlin põe todos estes suspeitos alinhados, a verdade é que não há documentos como aqueles que ficaram para dar uma explicação elucidativa da queda do Império Romano do Ocidente.

O autor veio um pouco atrás nesta Antiguidade Oriental, nas civilizações banhadas pelo Mediterrâneo, fala no declínio da Assíria e a destruição da Babilónia, sabe-se no caso da Assíria que os elamitas (que ocupavam o que é agora o Irão Ocidental) organizaram uma força que atacou Assíria, fizeram um tipo de coligação como as que existem hoje e destruíram Nínive. Inevitavelmente, o autor dirige a sua atenção para Roma e estabelece uma ponte para os séculos seguintes, com a chegada dos merovíngios e dos francos até Carlos Magno que um Papa sagrou no dia de Natal de 800, renascia a ideia de império com o Sacro Império Romano do Ocidente, lançava-se o pilar da civilização medieval associada ao cristianismo.

Mas há fatores espúrios que fazem vergar as civilizações, recorda-se a Peste Negra, que dizimou aos milhões. Roma parecia um poder absoluto até que foi contestada, grassava a corrupção, o clero desmanda-se em abusos e em excessos, assim nasce o protestantismo, recrudescem as intolerâncias no campo religioso, mas o autor regressa às pestes e epidemias para nos dizer aquilo que já confirmámos em 2020: não estamos a salvo de uma inesperada pandemia, ela poderá percorrer o mundo inteiro mesmo antes dos especialistas perceberem que existe um problema e que precisa de um antídoto.

Duas bombas atómicas lançadas no Japão, em agosto de 1945, abriram as portas à era nuclear, a partir daí passou-se a falar na bomba de hidrogénio, na bomba de neutrões e o arsenal termonuclear hoje existente, a ser usado, fragmentará em pedacinhos este planeta. Dan Carlin vai fazendo referência à evolução das armas mortíferas, como aquelas que ceifaram vidas nos combates da Primeira Guerra Mundial. Qualquer relato das pessoas que escaparam às bombas de Hiroxima e Nagasaki põe-nos os cabelos de pé, desde seres vivos a soltar-se-lhe a pele àqueles que vão sufocando na atmosfera tóxica dentro do alcatrão derretido. É verdade que temos estado quase à beira de entrar numa guerra termonuclear, basta pensar na crise dos mísseis em Cuba, em 1962, isto para já não falar no bloqueio de Berlin, em 1949, em que apenas os norte-americanos podiam ter usado armas atómicas. Hoje o clube nuclear tem tendência a aumentar, não está circunscrito aos EUA, Rússia e China, França e Reino Unido, alargou-se à Índia e ao Paquistão, Israel e Coreia do Norte.

Vivemos, pois, num equilíbrio de terror e o mais irónico de tudo é que pessoas que preparam o caminho para esta realidade esperavam que os seus esforços conduzissem a melhores desfechos. O autor recorda Alfred Nobel, negociante de armas e inventor da dinamite, que acreditava que “no dia em que dois corpos militares se conseguirem aniquilar mutuamente num segundo, todas as nações civilizadas por certo recuarão de horror e desmobilizarão as suas tropas”. E há depois a contabilidade sobre o lançamento das bombas atómicas sobre o Japão que custaram mais de 200 mil vidas japonesas, mas que, alega-se, salvaram potencialmente as vidas de 1 milhão de soldados que podiam ter perecido, se tivesse sido necessária uma invasão terrestre do Japão. As regras do jogo bélico são complexas e mesmo contraditórias. O que é ponto assente é que pelos nossos padrões atuais a ética da Guerra Total não tem qualquer viabilidade, isto a despeito de alguma gritaria que se ouve a dirigentes de Moscovo.

Uma das virtualidades do nosso tempo é termos de viver com várias espécies de ameaças à humanidade e, por ironia, até se pode encontrar utilidade numa dessas bombas desenvolvidas para matar milhões, se, hipótese de ficção científica, um asteroide que estivesse talvez em milhões de anos em rota para colidir com a Terra e matar toda a civilização acabasse por ser desviado do seu curso no último minuto por uso oportuno de uma arma nuclear.

Há perguntas irrespondíveis, mas Dan Carlin formula-as com enorme pertinência nesta curiosíssima narrativa que dá pelo nome de Uma História de Extremos, onde se deixa bem claro que este planeta, provado está, sempre esteve à beira da condenação. Uma narrativa de qualidade cuja leitura se recomenda.


Mário Beja Santos





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