sábado, 21 de outubro de 2023

Um título mal-amanhado para uma eletrizante narrativa histórica.

 



 

Conspiração Nazi, por Brad Meltzer e Josh Mensch, Casa das Letras, 2023, é um belo exercício pedagógico sobre acontecimentos das Segunda Guerra Mundial com início no ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941 e culminando com o falecimento do presidente Franklin Roosevelt em abril de 1945. Os dois autores têm créditos na ficção e na História e até nos argumentos para televisão. Esta narrativa aparece centrada num caso que ainda hoje não está historicamente comprovado: a existência de uma tentativa dos serviços secretos alemães para liquidarem no decurso da Conferência de Teerão (1943) os principais dirigentes dos EUA, URSS e Reino Unido. O que é verdadeiramente empolgante na obra, e não hesito em recomendá-la ao leitor interessado em conhecer os episódios fundamentais da Segunda Guerra Mundial entre 1941 e 1945 é a cadência dos acontecimentos, como Roosevelt, ciente do isolacionismo norte-americano, pretendia apoiar a Grã-Bretanha, a potência europeia que resistia às conquistas de Hitler; o Japão imperial, que assinara em 1940 o Pacto do Eixo com a Alemanha e com a Itália, pretendia conquistar espaço no continente asiático, os líderes militarias conceberam uma operação que trouxessem o confronto com os EUA e conceberam uma operação de destruição da frota naval norte-americana sediada em Pearl Harbor; em consequência deste triunfo japonês, Roosevelt passou a ter argumentos sólidos para entrar na guerra, o que trouxe enorme contentamento a Churchill, isto num tempo em que Hitler desencadeara, e até ao tempo com sucesso, a invasão da URSS; o mesmo Hitler vai cometer uma medida fatal, em 11 de dezembro declara guerra aos EUA, a guerra passa a ser efetivamente mundial.

E os autores vão estimulando o leitor com a concatenação dos factos: a reunião de Churchill e Roosevelt em Casablanca, em janeiro de 1943, aperta-se o cerco ao Eixo no Mediterrâneo, os dois lideres democráticos já falam em rendição incondicional das potências do Eixo; nesse mesmo mês, o Japão ainda goza de uma posição proeminente, depois de ter provocado o desastre em Pearl Harbor, conquistou Guam, Hong Kong, as Filipinas, as Índias Orientais holandesas, a Malásia, Singapura, a Birmânia e outros países do Pacífico ou antigos territórios europeus, mas nesta altura já têm dificuldades e nesse mesmo mês de janeiro de 1943 as tropas de Hitler sofrem um revés fatal, um exército inteiro sai derrotado em Estalinegrado. A narrativa vai intercalando factos relacionados com a presença da espionagem alemã no Irão, onde desde 1941 estão presentes a Grã-Bretanha e a URSS; é dentro desta intercalação de factos que o leitor vai tomando conhecimento de preparação do Holocausto, de como os serviços secretos norte-americanos liquidaram o almirante Isoroku Yamamoto, isto ao mesmo tempo que o agente alemão Franz Mayr, vivendo na clandestinidade, passa a ter um papel importante para os serviços em Berlim, ao tempo pensava-se em operações de sabotagem no Trans-Iraniano, cujos comboios transportavam ajudas para a URSS; é a vez da Itália baquear, é montada uma operação para libertar Mussolini, é encarregado dessa operação Otto Skorzeny, um êxito, o líder fascista ficará refém dos projetos alemães, que entretanto vão resistindo aos avanços em Itália, depois de terem dominado a Sicília; Roosevelt está empenhado em conhecer pessoalmente Estaline, troca farta correspondência com o ditador soviético, este vai atrasando o encontro justificando-se pela necessidade premente de estar a conduzir a guerra contra os alemães, mas depois de várias propostas para o local de encontro opta-se por Teerão, Churchill comparecerá à conferência, vamos, entretanto, tomando conhecimento da vida aventurosa que a espionagem alemã tem em Teerão até à prisão de Mayr. Restam dúvidas se Skorzeny tenha sido nomeado por Hitler para a Operação Anton, destinada a lançar paraquedistas nas regiões tribais no Norte do Irão, muito mais tarde, Skorzeny negará tal nomeação; vamos igualmente acompanhando os encontros entre Churchill e Roosevelt, Estaline vai pedindo insistentemente que se abra uma segunda frente, ele considera secundária a frente italiana, exige aos seus parceiros a abertura de uma frente esmagadora a partir do Norte da França, Churchill está profundamente reticente; como num bom romance de espionagem vamos assistindo ao desmantelamento do grupo de espionagem alemã em Teerão, Roosevelt viaja para o Egito e depois ruma para Teerão, estamos em novembro de 1943; vamos ter agora as peripécias do encontro, a notícia dada pelos serviços secretos soviéticos de que os três líderes correm perigo de vida e como Roosevelt aceita ficar num espaço da embaixada da URSS em Teerão, iremos assistir aos confrontos verbais, à tomada de decisão da abertura da segunda frente, à festa do aniversário de Churchill em 30 de novembro, Roosevelt está satisfeito com os resultados da conferência, regressa aos EUA, depois a imprensa irá falar na descoberta soviética de uma conspiração, segue-se o desembarque da Normandia, e antes de Hitler se suicidar no bunker em Berlim, em 30 de abril de 1945, Churchill falece a 12 de abril.

Reconheça-se a honestidade dos autores em revelarem que a investigação é inconclusiva quanto aos fundamentos da conspiração nazi. Uma das paranoias do ditador soviético era sentir-se ameaçado por tentativas de assassinato, tanto assim é que quando sai de Moscovo para a Conferência de Potsdam (o presidente dos EUA é então Truman) as medidas de segurança tomadas ultrapassam o delírio, milhares e milhares de militares soviéticos estão de vigilância na linha de caminho de ferro. Porque uma das teses de explicação para a alegada denúncia da conspiração nazi pelos soviéticos era de que Estaline não só preservava a sua máxima segurança como pretenderia escutar secretamente Roosevelt durante o encontro, espalhando escutas pelas instalações ocupadas pelos norte-americanos. Nada fica demonstrado e, francamente, o que mais apraz enaltecer é a admirável capacidade narrativa dos dois autores que permitem a leigos embrenharem-se nos bastidores e no palco iluminado da Segunda Guerra Mundial, particularmente no relacionamento entre Roosevelt, Estaline e Churchill que, por obra do acaso, se encontraram em finais de novembro de 1943 em Teerão e acordaram a decisiva etapa seguinte de criar uma tenaz para esmagar o poderoso exército alemão, conduzindo o nazismo ao colapso, tal como aconteceu. Quanto à conspiração nazi montada em Berlim e desenvolvida em Teerão, não passa de uma conjetura, habilidosamente trabalhada por dois autores exímios em dominar a técnica do best Zeller e de nos oferecer uma leitura absorvente, sem tirar nem pôr.


                                                                                        Mário Beja Santos





1 comentário:

  1. Uma simples nota: Churchill não faleceu a 12 de Abril de 1945, conforme vem no texto acima publicado. Quem faleceu nessa data, foi Roosevelt.

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