domingo, 5 de novembro de 2023

Exercícios de memória.

 

 

Quem não se lembra? Quem não se lembra das conversas um pouco enfastiadas em que havia quem garantisse que era desnecessário remexer no passado? Dizia-se que o mundo tinha andado para a frente e que águas passadas não movem moinhos e que já ninguém se interessava pelo assunto. Quem não se lembra? Gente culta citava Estaline, «Hitler passa, mas o povo alemão fica». O muro tinha caído há pouco tempo, e professoras de alemão mostravam-se genuinamente surpreendidas; sem acinte, perguntavam «para quê estudar coisas tão tristes?». Quem não se lembra? Quem não se lembra de que os povos tinham superado os traumas? Anos depois, os alemães já festejavam a vitória da selecção de futebol, tudo entrara nos eixos. Para arrumar o assunto, afirmavam alguns, ufanos, «até a Merkel vai ao balneário», era a época da Kabinenbesuch. Quem não se lembra? A normalização estava mais do que comprovada, tão comprovada que Israel já praticaria malfeitorias no Médio Oriente. Tornou-se mesmo um Estado entre outros, não há dúvida. E recebeu muito dinheiro, não se podem queixar. Para quê estar sempre a falar da mesma coisa? Perguntava-se com perplexidade, cheira a vingança e a vontade de sacar mais algum. Melhor fora que se deixassem disso. Estar sempre a falar de Auschwitz é maçador e contraproducente. Já chega, a vida continua. A vida continuou. Não foi maçador, nem contraproducente.

Foi inútil.

 

                                                                                 João Tiago Proença

 




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