segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Maria Veleda.


 



No final do século XIX, Portugal era um país agrário e tinha mais de 90% de analfabetos. Por serem consideradas frágeis (lembra-vos algo que disse um candidato do Chega, recentemente?), as mulheres só podiam ser educadoras, médicas ou funcionárias públicas, não podiam pedir o divórcio e eram tuteladas pelos maridos. Os homens podiam votar. As mulheres, mesmo as que tivessem estudos e uma profissão, as solteiras e chefes de família, não podiam votar. 

Maria Crispim era solteira, tinha dois filhos e trabalhava como educadora quando começou a escrever crónicas nos jornais. Designou-se Maria Veleda, em homenagem à sacerdotisa germânica que liderou o seu povo e enfrentou o Império Romano. Escreveu na imprensa do Algarve, primeiro, e depois em jornais nacionais, sediados em Lisboa, onde se tornou professora. O foco da sua escrita, e também o das peças de teatro que encenou, foi quase sempre a condição feminina: o desinvestimento do Estado na instrução das mulheres, a sua dependência económica em relação aos maridos, o impedimento legal a que votassem. Em suma, a ordem instituída que as considerava inferiores aos homens. 

Maria Veleda escrevia em tom cáustico, atraía respostas mordazes e ripostava na crónica seguinte. Era comum vê-la em debates políticos, praticamente sozinha entre mares de homens. Muitos deles eram-lhe hostis, mas outros, como Magalhães Lima e António José de Almeida, figuras máximas do republicanismo, incentivaram-na, tornando-a cronista d’O Século e dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.  

Com a Primeira República, que trouxe maior igualdade às relações conjugais e permitiu o divórcio, não chegaram a democratização da instrução nem o direito de voto para as mulheres. Numa época em que o movimento sufragista noutros países garantia mais direitos para as mulheres, não sem que muitas arriscassem a vida e fossem presas, a postura gradualista do republicanismo português gerava enorme frustração em Maria Veleda: “não sou sufragista, mas se o fosse pediria tudo e, se não dessem tudo, não aceitaria nada”, escreveu. António José de Almeida considerava-a “demasiado vermelha”. Em poucos anos, Maria Veleda desencantou-se do activismo e afastou-se. 

Mesmo depois do 25 de Abril, que trouxe o sufrágio universal ao nosso país, quando em 1976 foram atribuídos nomes de rua à urbanização da Quinta dos Condes de Carnide, a mais importante das ruas foi dada a Ana de Castro Osório, a gradualista antecessora de Maria Veleda na liderança da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. O radicalismo não deixou boa lembrança. Será por esse motivo que a Rua Maria Veleda surge mais perto da Rua Adelaide Cabete, sublinhando que, mais do que o activismo político, o que ali se memorializa é a Obra Maternal de apoio a crianças órfãs, que dirigiram.

 

                                                Rui Passos Rocha


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