sábado, 30 de novembro de 2013

O Kitsch português.



 



O   KITSCH  PORTUGUÊS


Reflexões sobre o inautêntico na história cultural lusa


 


por João Medina



 

 

“O mundo dos valores estéticos deixou de ser dicotomizado

entre o Belo e o Feio;

entre a arte e o conformismo estende-se a vasta praia do Kitsch.”

(Abraham A. Moles, O Kitsch, 1971)

 

                              “…o kitsch é o império dos espaventos descontrolados da emoção e a sensibilidade, da desproporção entre a substância e o invólucro (…). O kitsch define-se por comparação porque a sua natureza é derivada e parasitária. O kitsch está para a arte como a margarina para a manteiga, o Arcopal para a louça, o romance histórico para a História, a Isabel Allende para o melhor Garcia Marquez, (…). O que os anúncios turísticos da Junta da Andaluzia para a realidade da Andaluzia (…). O kitsch é inseparável da efusão nacional porque esta consiste na translação para o público daquilo que em rigor pertence ao âmbito das emoções privadas. (…).”
Antonio Muñoz Molina, “«Kitsch» nacional”, Babelia,  21-IX-2013.

            

 

 

O conceito de K.

 

          Uma simples evocação de alguns versos bem conhecidos da nossa poesia bastarão para nos situarem no domínio do kitsch literário português: “Batem leve, levemente,/ Como quem chama por mim./ Será chuva, será gente?/ Gente não é certamente / E a chuva não bate assim.” (Augusto Gil), “ Em quanto é diferente o amor em Portugal!/Nem a frase subtil, nem o duelo sangrento…/É o amor coração…É o amor sentimento…” (Júlio Dantas, A Ceia dos Cardeais, peça em verso, 1902) .”O melro, eu conheci-o:/ Era negro, vibrante, luzidio” (Guerra Junqueiro, “O Melro”). “Ser poeta é ser mais alto” (Florbela Espanca). Em todos estes versos há uma característica comum que merece a designação de Kitsch, tanto em sentido estético ou sociológico e que, em linguagem vulgar, designaríamos como mau gosto, banalidade, cliché, estilo possidónio, pechisbeque [1], etc.. No domínio das ciências sociais, o termo Kitsch torna-se consagrado desde o estudo Le Kitsch. L’Art du Bonheur (1971), do sociólogo francês Abraham A. Moles (1920-1992).[2] Quanto a este termo alemão, surge ele na segunda metade do século XIX, derivado do verbo kitschen (atamancar, fazer móveis novos a partir de velhos trastes) e de verkitschen (vender a alguém qualquer coisa diferente do que se tinha prometido). O termo aplica-se a tudo o que pode ser tachado de mau gosto, inautêntico, falsificado, cliché, como aos objectos de fancaria como aqueles que se vendem hoje nas lojas dos chineses, nos supermercados e nas chamadas livrarias dos caminhos de ferro. A sua articulação com os grandes armazéns, nascidos no século XIX – e transformados nos nossos actuais supermercados – torna estes templos do comércio  como o paraíso do K., diz Moles, onde reina uma “atmosfera de festa”, a “festa da compra”, “a embriaguez mercantil e a vertigem.” [3]

O K. pertence ao mundo mais díspar da nossa vida quotidiana, nos aspectos mais diversos da cultura de massa, das artes visuais, da literatura, da arquitectura das nossas cidades, da música, da escultura dos monumentos públicos, dos espectáculos, e tem como grande difusor mediático a televisão, etc., já que tudo pode ser suporte do K. ou, como dizem os alemães, Kitschträger (portadores de K.), o que não exclui as modas, as ideias, as atitudes políticas, as pessoas e as próprias ideologias.[4] Num artigo recente sobre o problema do independentismo catalão, o romancista Antonio Muñoz Molina, autor de O Inverno de Lisboa (1992), natural da província de Jaén, fazia interessantes reflexões sobre a variante política do K., mostrando que o caso do súbito fervor autonomista da Catalunha com visita a uma independência política desta região constituía uma forma de K., precisamente porque este fervor nacionalista, reforçando os chamados vínculos de sangue e o férvido nacionalismo que o procura viabilizar, estaria na base a alegada fantasia de dar aos catalães um Estado-nação desvinculado da hispanidade abrangente que se acolhe debaixo do pendão da nossa nação vizinha. Diz ele: “O K. é inseparável da efusão nacional porque esta consiste na translação para o público do que em rigor pertence ao âmbito da emoções privadas. (…). O K. nacional converte os laços objectivos da cidadania em vínculos de sangue (…). O K. torna claro e simples o que é tão ambíguo na arte como na realidade e, se necessário, modela e corrige a realidade para a subordinar a uma ficção exaltadora. (…). Alentado sem pausa por todas as estratégias da propaganda e da publicidade e pela força esmagadora das emissões de massa, o K. nacional leva ao delírio colectivo.”[5]

Este caso mostra até que ponto é vasto o conceito do K., nele se incluindo terrenos tão vastos que vão desde a vida quotidiana até ao domínio estético propriamente dito, abrangendo o urbanismo, os seus edifícios, a cerâmica popular e o cartoon. Lembremos uma pequena lista de obras que consideramos pertencerem a esta primeira categoria de K., a dos edifícios citadinos:

a) as habitações galardoadas com  prémios Valmor, atribuídos em Lisboa desde 1902, premiando arquitectos reputados como Ventura Terra (três vezes galardoado), Norte Júnior, Adães Bermudes, Jorge Segurado (1947), etc.[6];  



Réplica do Padrão dos Descobrimentos





b) alguns monumentos públicos mais emblemáticos da nossa capital, como aquele que inclui a estátua do marquês de Pombal, na Rotunda da Avenida da liberdade, de autoria do arquitecto Adães Bermudes e do escultor Francisco Santos, concebido em  1914 mas só completado em 1934; o consagrado  aos Mortos da Grande Guerra, de autoria do escultor Maximiano Alves e do arquitecto Guilherme de Andrade, concebido em 1924 e inaugurado só em 1931; alguns monumentos mais tipicamente executados na estética e ideologia comemorativa e triunfalista do Estado Novo, feita de heróis, navegadores,  monarcas, clérigos e figuras da cultura do passado, de que é paradigma o Padrão dos Descobrimentos Marítimos, de Leopoldo de Almeida e Cotinelli Telmo, concebido para a exposição em Belém, na praça do Império – denominada Exposição do Mundo Português,  por ocasião do Duplo Centenário de 1940 –, obra elaborada então em  estafe (moldagem do gesso cozido sobre fibra de cânhamo ou sisal) e só em 1960, por ocasião do quinto  centenário do nascimento do Infante D. Henrique,  passada à pedra; a Fonte Monumental da Alameda Afonso Henriques (1942), concebida pelos arquitectos Rebelos de Andrade e pelos escultores Maximiano Alves e, sobretudo, Diogo de Macedo, o autor da escultura de Neptuno na bacia central, e das quatro pesadas matronas que são as Tágides que ladeiam a fonte, havendo ainda baixos-relevos laterais de Jorge Barradas; depois, já no pós-25 de Abril, o grotesco monumento de Domingos Soares Branco (1925-1991) a Francisco Sá Carneiro, de 1982, com o busto do político como que decapitado e pendurado num obelisco com placas inox recortadas a laser.[7] Neste período, comecemos com a Homenagem ao 25 de Abril, como se chama o pouco inspirado monumento de João Cutileiro (nasc. em 1937), monumento conhecido popularmente como “o Pirilau”, erguido no alto do Parque Eduardo VII, de 1997, além de mal enquadrado no ambiente concebido pelo arquitecto estado-novista Keil do Amaral.[8]
 
 
 
Estátua a Sá Carneiro, 1982.
Domingos Soares Branco (1925-1991)
 

Monumento ao 25 de Abril, 1997
João Cutileiro (1937-)



O K. também está presente de modo patente na arquitectura urbana, em edifícios, como a oitocentista estação do Rossio (1886), em Lisboa, do arquitecto José Luís Monteiro (1848-1942) em estilo pastiche neo-manuelino – e ao qual o ácido Fialho de Almeida chamou de “macaco-árabe”[9] –, com uma rampa de acesso pelo largo do Carmo e um túnel do Rossio por onde saem as linhas de Sintra e do Oeste. Com o Estado Novo e a presença do engenheiro Duarte Pacheco (1900-1943) como ditatorial Ministro das Obras Públicas de Salazar, de 1932 a 1936 e de novo de 1938 até à sua morte por acidente na estrada, o urbanização e a arquitectura de Lisboa ganharam não só um plano geral de urbanismo em moldes tipicamente estado-novistas, assim como o dinâmico renovador da urbe deixaria o complexo comemorativo da Exposição do Mundo Português – erguido para celebrar o Duplo Centenário nacional, da qual examinamos noutro local o padrão dos Descobrimentos – como marcas indeléveis duma opção político-estética na reconstrução da capital e, para além disso, dum estilo perdurável na epiderme material da cidade. Neste vasto conjunto urbanístico resultante da dinâmica acção de Duarte Pacheco ficariam como forma específica de K. não só alguns monumentos e pavilhões em Belém, mas, sobretudo, a vasta praça do Areeiro e as avenidas circundantes João XXI e de Roma, sem esquecer a aqui referida Fonte Monumental da Alameda Afonso Henriques – oposta ao Instituto Superior Técnico –, risco dos arquitectos Rebelos da Silva e esculturas de Macedo, Maximiniano e Barradas. No primeiro caso, o da vasta conjunto das praça do Areeiro (1938-43), com a sua monumentalidade enfática, hirta e arrebicada, avulta a marca do arquitecto Cristino da Silva (1876-1946), formado em Paris e de tendências modernistas mescladas de elementos de tradição portuguesa. [10]
 
 
 
Tomás Taveira (n. 1938)
 
 

No período pós-Abril, a arquitectura K. tem um dos seus expoentes máximos no conjunto das torres das Amoreiras, em Lisboa, erguidas entre 1980 e 1987, com risco de Tomás Taveira (nasc. em 1938), arquitecto que fez estudos nos Estados Unidos, donde trouxe tiques arquitectónicos decorativos de modas então vigentes ali, com arrebiques, materiais e coloridos que tiveram voga na América do Norte, dando ainda apoio a três dos “elefantes brancos” dos estádios construídos entre nós na fase do Euro do futebol. As “taveiradas” das Amoreiras desfeiam bastante a capital, sobretudo quando o viajante chega a ela de avião, dando-se conta desses pregos monstruosos cravados no corpo lisboeta.[11] O K. arquitectónico e monumental não se fica, porém, apenas na capital, já que se pode lembrar ainda o parque temático e histórico, construído a partir de 1938 e inaugurado em 1940, erguido nos arredores de Coimbra, no largo de Santa Clara, projecto que se ficou a dever a um dos barões do salazarismo, o médico Bissaia Barreto (1886-974), o chamado Portugal dos Pequenitos.[12] Este complexo lúdico e etnográfico, com um projecto do arquitecto Cassiano Branco, pretendia compendiar com sentido pedagógico-cultural os monumentos portugueses mais prestigiados, reproduzidos aqui em escala reduzida, donde o seu nome, além de que se guiava por um enfático e evidente ideal estado-novista de exaltação da casticidade e da identidade nacionais  através dum conjunto de casas regionais portuguesas, solares de Trás-os-Montes e Minho, típicas dessas regiões com as suas hortas, jardins, azenhas e pelourinhos. Numa fase posterior, procurou-se sobretudo erguer réplicas miniaturais dos referidos monumentos mais emblemáticos do país, assim como, a partir de 1950, se quis alargar o seu alcance e  representatividade a todos o espaço colonial, com as “províncias ultramarinas” africanas, mais Macau, Estado Português da Índia, Timor e ainda o Brasil, com as suas floras nativas. Como este parque sobreviveu ao 25 de Abril, hoje encontramos nele as nossas antigas colónias, agora com pavilhões sob a alçada dos chamados “palops” e da lusofonia, o que permite que uma instituição K., retrógrada e ao serviço de ideais estado-novistas, se tornasse hoje politicamente correcta. A verdade, contudo, é que, mesmo reciclado e normalizado em conformidade com um discurso neo-ortodoxo, o Portugal dos Pequenitos não perdeu a sua dimensão inautêntica de K., como uma espécie de Disneylândia do nacionalismo português, com os seus velhos mitos identitários e folclóricos, incluindo o nosso império colonial, agora independentizado.

 
 
 
José Rodrigues dos Santos
 
Margarida Rebelo Pinto
 
Fernando Dacosta
 
 
 

O “best-seller” como K.


Neste ensaio, o nosso conceito de K. cinge-se exclusivamente ao domínio estético-sociológico. No sentido que lhe deu Abraham Moles, o fenómeno K. pertence à “civilização do consumo“, que produz para consumir e cria para produzir, num ciclo cultural cuja definição fundamental é o da aceleração.[13] Compreende-se assim que o sociólogo de Estrasburgo considere o K. como uma “arte da felicidade”, como reza o subtítulo do seu livro fundador. O K. é indissociável da cultura de massa, do mercado, do consumismo que tudo perverte ou banaliza, mesmo quando vende nos supermercados reproduções emolduradas da Seara na Crau de Van Gogh, um pintor trágico e autêntico que não pertence, em si mesmo, ao género em causa, a qualquer forma de inautenticidade estética ou existencial. Por outras palavras, é o consumismo que transforma os objectos culturais em K.

Neste campo semântico-social do K. convém recordar o fenómeno do best-seller, ou seja, do livro de grande tiragem vendido em larga escala, o que na América do Norte novecentista e do nosso presente século transformou certos escritores como Tom Clancy, Dan Brown, Stephen King, Leon Uris ou Morris West em autores de enorme público e que o cinema multiplicou o impacto ao passar para a tela essas narrativas de impacto popular. Nem todos esse autores agora mencionados são de todo em todo do género K., já que os três últimos podem ser considerados escritores de valia indubitável, ao passo que os dois primeiros se inscrevem sem dúvida no paradigma típico do K., ou seja, da literatura mais vulgar, de nível medíocre ou até desprezível, como o serão, sem dúvida, Tom Clancy (1947-2013) ou Dan Brown (nasc. em 1964), ambos cultores duma literatura vazia de conteúdo estético, a não ser as demagogias ou preconceitos que ambos servem, ou seja, o belicismo nacionalista norte-americano no primeiro e a aversão à Opus Dei no segundo. Sendo o best-seller um produto extremamente popular e um êxito de edição da literatura de massa que é, tal fenómeno não exclui que algumas dessas obras sejam de qualidade, como serão, sem dúvida os casos de romances de Leon Uris como Exodus ou Mila 18, tendo do primeiro sido extraído, por Otto Preminger, um filme de grande impacto, em 1960, com excelentes actores (Paul Newman, Lee J. Cobb, Eva Marie Saint, Peter Lawford, etc). Também se deve ao romancista best-seller australiano Morris West um romance de valia, intitulado As Sandálias do Pescador (1963, adaptado ao cinema por  Michael Anderon,em 1968, com Anthony Quinn, Lawrence Olivier, Vittorio de Sica e  Oscar Werner entre os actores), sobre um papa reformador russo, que saíra do Gulag soviético para se tornar cardeal e, por fim, papa que modifica profundamente o Vaticano com a sua heróica simplicidade cristã, assim com um outro, intitulado Torre de Babel (1968), sobre a implacável rivalidade entre serviços judeus e árabes. Também digno de leitura, o norte-americano Stephen King (nasc. em  1947), autor de romances e livros de contos com imensa popularidade e logo potenciados pela 7ª Arte, tal como Carrie (1974, adaptado ao cinema por Brian de Palma em 1976 e, depois, em 2013), além de Shining (1978, levado ao cinema por Stanley Kubrick, 1980), ou Coração na Atlântida (1999, feito filme por  Scott Hicks, em 2001), excelente retrato da geração americana que fez a  guerra do Vietname. Em contraste flagrante com o valor deste autores populares, já os referidos Tom Clancy e Dan Brown são exemplos dum K. demagógico e desprovido de qualquer substância cultural, o primeiro com o famoso Caça ao Outubro Vermelho (1984, adaptado ao cinema em  1986) e o segundo com o famigerado Código Da Vinci (2003), levado ao cinema por Ron Howard (2006), uma das obras mais indigentes deste género, embora as suas vendas andem pelo milhões de exemplares

Se estes dois últimos casos ilustram a natureza entranhadamente kitsch de certa literatura de massas, já os nomes de King ou West mostram como há, de algum modo, a possibilidade de um escritor popular e de grande êxito de vendas poder ter talento e capacidade de romancear histórias de interesse real e que encontram estrondoso eco no público leitor, como já sucedera no século XIX com autores como Dickens, Eugène Sue, Hugo e Zola, ainda que este último merecesse a sua fama sobretudo ao seu alistamento na turbulenta questão Dreyfus que agitou a França e o mundo. Entre nós, nas nossas liliputianas dimensões de pequeno país pouco alfabetizado, os casos dos romances de autores como o jornalista e apresentador do Telejornal da RTP chamado José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto, Maria João Lopo de Carvalho ou do jornalista e jornalista Fernando Dacosta[14] pertencem sem dúvida ao K. mais categoricamente negativo, ou seja, ao inautêntico puro, como fabricantes de pechisbeque impresso ou cultores duma escrita que não passa de inautenticidade cultural, quer escrevam romances popularuchos, quer componham obras inqualificáveis como As Máscaras de Salazar, actualmente em 26ª edição, o que comprova o abaixamento intelectual do nosso público leitor e a ignorância generalizada do público que lê em Portugal.

No século XIX, o sucesso estrondosamente popular de obras de Junqueiro (1850-1923) como A Morte de D. João (1874), do panfleto anticlerical A Velhice do Padre Eterno (1885) e dos seus poemas rabidamente anti-ingleses como À Inglaterra (1890, com o histérico incipit “Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente / Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?/ Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente…”, 1890), ou o delírio de ódio antibrigantino do poema-panfleto Pátria (1891),  mostrando até que ponto, mesmo quando o pobre poeta de  Freixo de Espada à Cinta optava pelo registo lírico popular, como na “Moleirinha” da Musa em Férias (1879)  - com versos K. como este: “Pela estrada plana, toc, toc, toc,/ Guia o jumentinho uma velhinha errante ,/ Como vão ligeiros, ambos a reboque,/ Antes que anoiteça, toc, toc, toc,/ A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...”  -, a sua produção literária vazava-se em moldes K. Mas, mesmo assim, havia em Junqueiro, pelo menos, algum talento, alguma cultura, alguma capacidade retórica ou sarcástica de engendrar obras de vitríolo demagógico que aliciavam e encantavam um público faccioso. E se pensarmos que continuam a editar-se regularmente estes vários títulos seus, tal facto de sucesso editorial não deixa de constituir uma persistência do gosto K. numa receita que parecia totalmente dependente do Weltgeist… Já os casos de Rodrigues dos Santos, Dacosta, Margarida Rebelo Pinto – esta, colaborando na revista K. chamada Selecções do Reader´s Digest, acentua a sua inclusão nesta categoria -, assim como Maria João Lopo de Carvalho, comprovam que o K. se gera sobretudo em mentes privadas de talento, sem capacidade real de escrita, como produtos que são duma cultura indigente, de escrita zero e carecida de qualquer valia literária ou cultural, penúrias que são inseparáveis do conceito em causa.

 
 
 
Almada Negreiros
Ilustr. Arnaldo Ressano, 1935
 
 
Júlio Dantas
Ilustr. Arnaldo Ressano, 1935
 
 
 

O catálogo anti-Kitsch de Almada Negreiros, de 1915

 

Chegados a este ponto no nosso levantamento da problemática do conceito de K., essa “vasta praia do Kitsch”, [15] será altura de tentarmos um breve panorama sintético de umas quantas manifestações culturais lusas dos nomes, figuras, géneros artísticos e obras em que essa inautenticidade ou mau gosto estético-artístico se reflectem, sem esquecer uma breve tentativa de apresentarmos o seu par dialéctico, o anti-Kitsch, que aqui se resumirá ao famoso e fogoso panfleto de Almada Negreiros, ao Manifesto anti-Dantas (1915), talvez o mais fulgurante caso de catálogo de nomes e obras vilipendiadas pelo nosso futurista e que se prendem ao nosso conceito de K., texto vitriólico no qual o clown lírico vergastava com furor declamatório todo um escol que, no fundo, era a geração completa dos artistas, escritores, gurus e intelectuais da I República, espécie de arca de Noé comandado por esse supremo piloto-símbolo chamado Júlio Dantas, “que saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz!”[16] Este colérico catálogo imprecatório de 1915, além de ser um impiedoso manifesto contra a cultura do regime republicano iniciado cinco anos antes, era um autêntico inventário do K. dessa época nos campos culturais mais diversos, começando com a literatura de Dantas – sob o pretexto de ridicularizar a sua peça Soror Mariana, estreada na altura – e a continuar com os demais escritores, “jornalistas de todos os jornais”, “todos os pintores das Belas Artes e todos os artistas de Portugal, que eu não gosto”, mais “os palermas de Coimbra” e todos os que eram “ políticos e artistas” [17], mais os músicos, com mais um “Morra o Dantas, morra! Pim!” rematando com um apelo para que Portugal viesse um dia a abrir os olhos – “se é que a sua cegueira é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade  que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!”[18] O manifesto de Almada era, antes de mais, uma denúncia feroz e universal do K. avant la lettre  que reinava na cultura da novo regime, todos esses gurus e manipansos das artes e  das letras da vida intelectual portuguesa de então, exceptuados os modernistas, da sua própria geração, que ele não mencionava, os colegas do Orpheu...

 

Breve inventário do K. português

 

Hoje, quase um século depois deste manifesto imprecatório de Almada, se tivéssemos de inventariar, embora sem vis polemica, o K. nacional, que nomes apontaríamos, além dos que atrás fomos mencionando? Antes de mais, o de Joana de Vasconcelos (nasc. em 1971), representante de Portugal na Bienal de Veneza de 2013, verdadeira rainha do nosso K., de que ela é uma dinâmica e operosa produtora de artefactos que vende ao mercado, ora pendurando bolas de Natal na torre de Belém, ora reciclando motivos e peças de cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, ora confeccionando um gigantesco sapato de Marylin com caçarolas brilhantes, chamada a mostrar obra sua por museus e palácios de referência, como os de Versalhes ou da Ajuda, para ali expor as suas derradeiras trouvailles, ou objectos publicitários – como o que fez em 2013 para uma marca célebre de perfumes franceses –, ela que, tendo nascido em França, sabe cosmopolitizar o seu habilidoso kitschismo lusitano e vender os seu artefactos de pechisbeque ao mercado das modas. Aluna do Ar.Co. e tendo começado a expor regularmente na década de 90, Vasconcelos surge como um exemplo da habilidade mercantil de ver acolhida com entusiasmo e delícia uma obra de K. que se constrói essencialmente a partir do inautêntico, bem como da reciclagem e desenvolta manipulação de temas alheios e de peças do quotidiano, tudo confeccionado com o talento duma desembaraçada pasteleira que sabe agradar às modas do dia e aos seus consumidores. Ao lado de profissionais menos bem sucedidos como Maluda, Cargaleiro e outros nomes do nosso K., Joana Vasconcelos já se instalou naquele nível de patamar de celebridade cosmopolita que nenhuma denúncia estética ou cultural logrará afastar do sucesso comercial que os seus produtos obtiveram e enchem os seus entusiastas da tal felicidade  a que Moles se referia como essencial no fenómeno – o seu livro chama-se precisamente Kitsch, a Arte da Felicidade – e que o ouro falso do pechisbeque satisfaz. Se a grande arte, sobretudo pela sua irreverência, ruptura ou heresia muitas vezes provoca a cólera unânime ou a indiferença generalizada – pense-se em Van Gogh, Cézanne ou o Picasso das Demoiselles d’Avignon –, já uma arte de supermercado ou a aceitação tão unânime não deixa de ser um sintoma do agrado imediato que o fenómeno K. em causa provoca. O facto de revistas de arte e editoras de relevo no domínio artístico como a Thames & Hudson referirem Joana Vasconcelos com admiração só comprova que entre o belo e mau gosto se estende uma praia imensa.
 
 
Joana Vasconcelos
 
 
 

Outro nome inseparável do conceito de K. é o do pintor, escultor e gravador José de Guimarães (nasc. em 1939), [19] cujo monumento a Adamastor na praça 25 de Abril, na zona do Parque das Nações, em Lisboa, pode ser considerado como exemplar do novo estilo artístico K. em Portugal. Esta peça, de factura abstracta, tanto podia ser tomada como uma estátua da Padeira de Aljubarrota como uma evocação do diálogo amoroso entre Papageno e Papagena ou ainda como qualquer outra fantasia.


Adamastor, 1999
José de Guimarães (1939-)


O sucesso de José de Guimarães mede-se ainda pelas livros que têm tratado dos seus talentos ou pelos prémios recebidos e pelas exposições por ele feitas em Portugal e  no estrangeiro, bem como pela cornucópia de prémios que o galardoaram, além dos museus nacionais e estrangeiros em que está representado, desde o da Fundação Gulbenkian, em Lisboa,  o Museu de Arte Moderna em Antuérpia (Bélgica), o Museu de Arte Moderna de São Paulo (Brasil), a Fundação Akemi (Osaka, Japão), a Casa de Serralves (Porto), o Museu das Cruzes (Funchal), o museu do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, etc., participando em várias exposições em Portugal e no estrangeiro.
 
 
José Malhoa, O Fado, 1910
 
 









 
 
 
 
 
 
 

Outro nome expoente do nosso K, é o de José Malhoa (1855-1933), autor do célebre óleo O Fado (Museu da Cidade, Lisboa, 1910),[20]  que constitui, sem dúvida, um dos emblemas máximos do K. luso, tanto pela sua atmosfera sórdida como pela sua complacência para com a canção nacional, ali traduzida numa cena lôbrega de alcouce, com a cantadeira e o seu guitarrista. Esta obra, que merecia sem dúvida a mesma cruel indignação extrema de Almada Negreiros quando dizia que, se ele é português, preferia então ser espanhol. Ícone plástico de retumbante fama, nesse óleo vemos um fadista de aspecto sórdido e de má compleição física dedilhar uma guitarra no quarto duma prostituta desleixada, de cigarrinho na ponta dos dedos, suada e feia, que o escuta embevecida, tudo isto no meio duma atmosfera lúgubre e suja de prostíbulo, com imagens religiosas na parede, um espelho partido e uma garrafa de vinho, meio bebida, em cima da mesinha na qual a “Adelaide da Facada” apoia o cotovelo, ao mesmo tempo que a uma chinela lhe pende dum pé calçado com uma meia às riscas. O tunante que canta – e que era o verdadeiro fadista Amâncio que posou para o artista caldense – olha para o espectador do quadro como se nos dirigisse uma mensagem directa e pessoal, suscitada, talvez, pelo escândalo que, na época – era o ano em que a República seria proclamada –, provocara, pois havia quem a achasse ignóbil e quem se revisse neste retrato “nacional” com orgulho e auto-satisfação: “tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado?” (palavras dum fado que Amália havia de imortalizar algumas décadas depois, já no contexto da ditadura nacionalista do Dr. Salazar). Falando de Malhoa, o crítico de arte Braz Burity (i.e., Joaquim Madureira) dizia que ele “pintava em português” – o que daria razão a Almada, nos já referidos termos do seu manifesto de 1915, para a sua indignada recusa da nacionalidade, preferindo ser espanhol.

Quanto a Alberto de Sousa (1880-1961), foi ele um exemplo do K. nos cartoons durante a I República, tendo sido merecidamente incluído no manifesto de Almada de 1915 e nesse pelourinho infame definido como “o Júlio Dantas do desenho”.[21] Colaborou como cartoonista na Ilustração Portuguesa, no Mundo, Vanguarda, Novidades, A Capital, República, etc., mostrando-se sempre o cultor do K. no cartoon ou nas suas pinturas, tendo realizado diversas exposições de pintura desde 1913 a 1938. Pintor, desenhador – as imagens e capas das edições das peças de Dantas, nomeadamente a Soror Mariana, que tanto indignou Almada em 1915, são dele – e ilustrador de obras didácticas como os Quadros da História de Portugal de Chagas Franco e João Soares, bem como dos selos do correio dedicadas a Camões em 1924, Alberto de Sousa epitomiza, de algum modo, a essência do pechisbeque do desenho no seu tempo.
 


José Vilhena (n. 1927)




Já José Vilhena (nas. em 1927 em Figueira de Castelo Rodrigo), pode ser considerado um exemplo curioso desse mesmo género, a começar a sua carreira de humorista em livros provocadoramente eróticos e políticos que se vendiam em semi-clandestinidade para escaparem às apreensões da censura salazarista, assim como em caricaturas publicadas nos anos 50, tendo colaborado em duas revistas de um humor de voos curtos por causa do mesmo Lápis Azul da ditadura, o Mundo Ri, e Cara Alegre. Frequentou a Escola de Belas Artes do Porto sem concluir o curso de arquitectura, fixa-se em Lisboa e publica em 1956 a sua primeira colecção de cartoons, Este Mundo e o Outro, e em 1959 Manuel de etiqueta, livro de humor desabrido e em geral grosseiro. Nos anos 60 publica vários livros, sendo detido pela PIDE em 1962, 1964 e 1966; em 1973 inicia a edição da Grande Enciclopédia Vilhena. Depois do 25 de Abril edita a revista Gaiola Aberta, o que lhe valeu vários processos em tribunal, a que se seguem O Fala Barato, primeiro como jornal e depois como revista, O Cavaco e O Moralista. Reuniu-se em folheto uma colecção de cartoons de Vilhena dedicada a factos e figuras da revolução de Abril, Crónica duma Revolução, edição da C.M. de Lisboa em 1996, prefaciada por João Soares. A sua inclusão no K. deve-se ao facto de, mau grado a sua capacidade de provocação e ruptura com os regimes políticos vigentes, o da ditatura e o actual, o humor de Vilhena, tanto gráfico como literário, não ter real consistência artística ou cultural, já pelo desenho canhestro e convencional, já pelo recurso a formas grosseiras e desbragadas de humor que o desqualificam como verdadeiro cartoonista, reduzindo-o a um profissional do pechisbeque da graçola licenciosa.

A cerâmica popular de Rosa Ramalho (São Martinho de Galegos, Barcelos, 1888-1977) é outro exemplo. Casada com um moleiro e mãe de sete filhos, Rosa só se dedicou ao artesanato em barro após a morte do marido, tornando-se depressa famosa. O pintor António Quadros descobriu-a e tornou-a conhecida nos meios artísticos. Rosa Ramalho recebeu em 1968 a medalha das “Artes ao Serviço da Nação”. O escritor Mário Cláudio dedicou-lhe o livro Rosa (1988). O pendor K. da sua cerâmica popular é inegável. Já o oleiro e ceramista José Franco (Sobreiro, Mafra, 1920 – Lisboa, 2009) nos parece antes um artista popular e escultor de mérito indesmentível, pois que, além de cerâmica utilitária da região mafrense, de jarros para águia e vinho, produziu também graciosas estatuetas de cerâmica, sendo de especial interesse as suas figuras de Santo António. O escritor brasileiro Jorge Amado, que o conheceu, tinha por José Franco grande apreço. Criou-se uma Aldeia Típica de José Franco para servir de museu natural do seu talento de oleiro e escultor, com a construção ali de uma aldeia saloia do século XX, habitada por bonecos mecanizados, com lojas em miniatura, etc. Franco foi agraciado com a comenda de São Tiago pelo presidente Ramalho Eanes.

Jorge Colaço (1868-?), pintor, caricaturista e azulejista, monárquico, colaborou com caricaturas acerbas em vários semanários satíricos como O Talassa, que ele mesmo fundou. Dirigiu também o Suplemento humorístico do Século, tendo publicado na Voz uma série de caricaturas pró-franquistas durante a guerra civil de Espanha. [22] Como cartoonista, Colaço tinha um traço pesado e uma rigidez falha de humor. Contudo, em reacção ao tema em causa, Colaço é sobretudo autor de painéis de azulejos que decoram as estações da linha ferroviária Lisboa-Porto, aqueles em estilo verdadeiramente K. A sua produção no azulejo está presente em vários países, como Brasil, Argentina, Suíça (palácio da SDN em Genebra), Cuba, etc. No Hotel-Palace no do Buçaco,[23]  outro expoente do K. luso,  em estilo neomanuelino, tem Colaço também painéis de azulejo.
 
 
 
João Medina
Monte Estoril, 20-XI-2013

 


BIBLIOGRAFIA essencial:

 
 
– Abraham A. Moles, Le Kitsch. L'Art du Bonheur, Paris, H.M.H., ilustr.
 .
– Antonio Munoz Molina, "«Kitsch» nacional", Babelia, suplemento cultural de El País, 21-IX-2013, p. 3.
 .
– João Medina, Portuguesismo(s), Acerca  da identidade nacional, Lisboa, Centro de História de Universidade de Lisboa, 2006, ilustr.
.
– José-Augusto França, A Arte em Portugal no séc. XIX, vol. I, Lisboa, Livraria Bertrand, 1967, ilustr.
.
– José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XX, Venda Nova, Bertrand Editora, 1991, ilustr.,
.
– José Fernandes Pereira, Dicionário de Escultura Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2005, ilustr.
.
– Rafael Laborde Ferreira e Victor Manuel Lopes Vieira, Estatuária de Lisboa, Amigos do Livro, 1985, ilustr.

– Osvaldo Macedo de Sousa, História da Arte da Caricatura em Portugal, vol. II: Na República, 1910-1933, Edfição Humorgrafe /SECS, 1999.
 

 







[1] Pechisbeque, no sentido de ouro falso, imitação ou relojoaria barata, de uma liga de cobre e zinco a imitar o ouro vem do inglês pinchback, nome dum relojoeiro inglês.


[2] Abraham A. Moles, Le Kitsch, L´Art du Bonheur, Paris, HMH, 1971, ilustr.


[3] Abraham A. Moles, op. cit., pp. 98 e ss e 171 ss (psicanálise do supermercado,  sistema neokitsch).


[4] Durante o nosso PREC de 1974-5, quando os graffiti nos muros bradavam indignados “Socialismo sim, só ares não!”, o socialismo mole de Mário Soares aparecia como repudiado pelos “verdadeiros socialistas” como um K., ou seja, uma ideologia inautêntica.


[5] A. Muñoz Molina, “«Kitsch» nacional”,  Babelia, suplemento cultural de El País, 21-IX-2013.


[6] Prémio de arquitectura resultante duma doação feita nesse sentido pelo diplomata português Fausto de Queirós Guedes, 2º visconde de Valmor (1837-1898), atribuído em Lisboa desde 1902, galardoando arquitectos famosos como Ventura Terra ou Raul Lino.


[7] Note-se que este escultor foi um enorme erro de casting, já que a obra de Soares Branco se desenvolveu quase toda dentro da temática e da ideologia da Ditadura, com obras dedicadas a figuras religiosas e políticas dentro dos parâmetros do Estado Novo, como os monumentos a Santo António, na então chamada Lourenço Marques (1958), ao Paraquedista, em Tancos (1968, erecto em plena guerra colonial), uma estátua a Pio XII, em Fátima (1972), a Nuno Álvares Pereira, no Museu Militar, em 1972; já no período pós-25 de Abril, apontamos outros exemplos de obras K. nos mesmos domínios.


[8] Já o seu andrógino D. Sebastião em mármore, em Lagos, 1973, no final da Ditadura, teve a vantagem de romper com o cânone tradicional do “rei menino” dos sebastianistas, apresentando antes o “pedaço de asno” como um ET dentro duma grande armadura de astronauta que desceu à Terra e olha em atemorizado redor, inseguro como alguém que acaba de desembarcar num deserto vazio, sendo a figura, sem pedestal, constituída por junção de pedaços de mármore de cores diferentes. A Cutileiro se deve também um amargurado e bastante atípico conjunto na Gandarinha, em Cascais (1960), o que mostra bem que o mesmo artista K. do “Pirilau” sabe romper com cânones solenes.


[9] Fialho de Almeida, Os Gatos, vol.6, 1892, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1953, p.102.                                                                                                                                                                                                                                                                                        


[10] Luís Cristino da Silva (Lisboa, 1896-1976) estudou em Paris e foi entre nós um dos mestres do modernismo arquitectónico do Estado Novo, também designado pela expressão “português suave”, ao mesmo tempo modernista e tradicionalista, deixando alguns edifícios exemplares como o Pavilhão Oficial do Mundo Português (1940), a nova Universidade de Coimbra (1948) e a referida praça do Areeiro, assim como o plano de urbanização da Nova Oeiras. Os outros grandes arquitectos do salazarismo foram Carlos Ramos (Instituto Português de Oncologia, Pavilhão da Rádio), Jorge Segurado (Casa da Moeda, Lisboa), Cassiano Branco (Cinema Capitólio, Hotel Vitória) e Cottineli Telmo, Pardal Monteiro (Instituto Técnico).


[11] Um notório escândalo sexual em 1989, assim como a sua expulsão, em 2003, da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, onde ensinava, parecem ter posto fim à carreira deste arquitecto K.


[12] Bissaia Barreto Rosa (Castanheira de Pêra, 1886-1974), médico e professor universitário, amigo íntimo de Salazar, deputado à assembleia constituinte da I República, filiado na maçonaria com o nome simbólico de Saint-Just, e dirigente do Partido Evolucionista e, depois, da União Liberal Republicana, colega do ditador na Universidade e também filado no CADC, viria a integrar os quadros da União Nacional do Estado Novo, (1932), tornando-se desde então uma figura influente do novo regime. Juntamente com Manuel Rodrigues, Armindo Monteiro e outros, criou em 1936 a Fundação Bissaia Barreto. Escreveu obras de medicina e de assistência.


[13] Abraham A. Moles, op. cit., p.14.


[14] José Rodrigues dos Santos, locutor da TV, nasc. na Beira, Moçambique, em 1964, licenciado em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, locutor da BBC, da Rádio Macau (1981) e da RTP (1991), sendo o segundo escritor português mais vendido depois de José Saramago,  autor de A Mão do Diabo (2012), O Homem de Constantinopla e o Homem de Lisboa (2013), Fúria Divina e O Codex 632 (2005), livros traduzidos em espanhol, francês, italiano e inglês. Margarida Rebelo Pinto, nas. em 1965, licenciada em Letras da FL-UL,  edita o seu primeiro romance em 1999, colabora em vários jornais e revistas como as Selecções do Reader’s Digest.  Maria João Lopo de Carvalho, nasc. em Lisboa em 1962,  trabalha numa agência de publicidade, depois no município de Lisboa e é autora de vários livros infantis, publicando abundantemente desde 2000, tendo editado em 2013 A Padeira de Aljubarrota. Fernando Dacosta nasc. em 1940 em Angola, licenciou-se em Letras na FLUL, enveredando pelo jornalismo em 1967 ligado a um órgão da Opus Dei, colaborando ainda no Comércio do Funchal, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Público. Publicou diversos livros como Salazar - Fotobiografia (2000) e Máscaras de Salazar (1997, reedit.); este último teve 26 edições até 2010.


[15] Abraham A. Moles, op. cit., p.6.


[16] Almada Negreiros Manifesto Anti-Dantas in  Obras Completas, vol. 6 (Textos de intervenção), Lisboa, Estampa, 1972, p.11.


[17] Almda Negreiros, op. cit., p.16.


[18]  Ibidem, p.17.


[19] O pintor José Maria Fernandes Marques, nascido em Guimarães em 1939, adoptou o nome artístico de José Guimarães, ingressou na Academia Militar (1957), licenciou-se em engenharia em 1965 e fez carreira como militar do ramo de engenharia, combatendo em Angola, de 1967 a 1974, tendo exposto pela primeira vez em Luanda (1968). Foi galardoado por Mário Soares com a comenda do Infante D. Henrique.


[20]  Sobre a forma como foi pintado este óleo e as figuras dos que posaram para ele, veja-se o depoimento de António Montês Malhoa íntimo, Caldas da Rainha, Museu de José Malhoa, 1983, pp. 36ss. Acrescente-se que as sessões de pose da “Adelaide da Facada” custaram ao pintor seis vinténs cada. O tunante que canta era na realidade o verdadeiro fadista Amâncio, rufião exímio no uso da navalha e amante da Adelaide, que ele, roído de ciúmes, sovava depois de cada sessão. As sessões decorreram na Rua do Capelão, no bairro da Mouraria, onde o artista das Caldas era conhecido como “o Pintor Fino”. Acabada a obra, Malhoa convidou o casal de fadistas a irem visitar o quadro exposto no seu atelier da Avenida 5 de Outubro, em companhia dos amigos, o que deu ocasião a uma romaria de rameiras e moinas, que o artista recebeu sem desprazer.


[21] Almada Negreiros, op. cit., p.16.


[22] Essas caricaturas pró-franquistas são referidas e coligidas no livro de Alberto Pena Rodríguez, El Grande Aliado de Franco. Portugal y la Guerra civil de España: prensa, rádio, cine y propaganda, Corunha, Edicios do Castro, 1998, pp. 236-239 e selecção de desenhos da Voz, de 1936 a 1939, pp. 242-248; a sua antipatia por Bernardino Machado, então exilado em França, leva-o a dedicar-lhe cartoons agressivos.


[23]  O Hotel do Buçaco, ideado pelo rei D. Carlos, que não chegaria a utilizá-lo. O edifício é de Luigi Manini (1848-?) – responsável pelo palácio da Regaleira, em Sintra, propriedade do capitalista Carvalho Monteiro, o “Monteiro dos Milhões” –, arquitecto e cenógrafo italiano que veio para Portugal em 1879, aqui se mantendo até 1913. Nele colaborou também Norte Júnior (nasc. em 1878) e galardoado com vários Prémios Valmor. Como o Hotel-Palace du Buçaco, feito em estilo manuelino, só terminou em 1907, e D. Carlos foi assassinado em começos de 1908, coube ao seu filho D. Manuel usá-lo, ainda havendo nele uma suite Rainha D. Amélia.