segunda-feira, 30 de abril de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 56

 
 
 
 
56.
 
A capa do livro Atlas das Viagens e dos Exploradores – As Viagens de Monges, Naturalistas e Outros Viajantes de Todos os Tempos e Lugares, recentemente publicado pela editora Planeta Tangerina, parece ser claramente inspirada em A Grande Onda, de Katsushika Hokusai.
 
 
 
 
 
Os seus autores, Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho, têm-se destacado na área dos livros infanto-juvenis.
 
Nascida em Lisboa, em 1974, Isabel Minhós Martins estudou na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, trabalhou como criativa na área da comunicação para crianças e foi uma das fundadoras da editora Planeta Tangerina, tendo uma vasta bibliografia, onde se pode destacar Pê de Pai (com Bernardo P. Carvalho, 2006), Um Ano Inteiro – Almanaque da Natureza (idem, 2015), Cá Dentro – Guia para Descobrir o Cérebro (idem, 2017). Alguns dos livros que escreveu, publicados em vários países, foram distinguidos por prémios ou instituições ligados ao livro para a infância: Catálogo White Ravens, Prémio Andersen, Banco del Libro, Sociedade Portuguesa de Autores (2015), Gustav-Heinemann Friedenspreis (2017), Deutscher Jugendliteraturpreis (2017).  
 

Bernardo P. Carvalho (Lisboa, 1973)







 
Bernardo P. Carvalho, nascido em Lisboa em 1973, frequentou a Faculdade de Belas Artes e é, à semelhança de Isabel Minhós Martins, co-fundador da Planeta Tangerina, tendo ilustrado livros como o citado Pê de Pai ou o premiado Lá Fora – Guia para Descobrir a Natureza (com Maria Ana Peixe Dias e Inês Teixeira do Rosário, 2014). Em 2009, foi um dos vencedores do 2nd CJ Picture Book Awards (Coreia), com o livro As Duas Estradas. No mesmo ano ganhou o Prémio Nacional de Ilustração com o livro Depressa, Devagar. Já em 2011, o álbum O Mundo num Segundo foi distinguido como um dos melhores do ano pelo Banco del Libro da Venezuela.



Em Portugal, crê-se que o exemplo mais conhecido e expressivo de utilização da xilogravura de Hokusai na capa de um livro é a obra E vós, quem dizei que eu sou?, de Roger Garaudy, publicado pela Editorial Notícias.
 



 

   A propósito da presença de A Grande Onda em capas de livros, apresentam-se alguns exemplos, extraídos daqui (e, portanto, circunscritos ao universo anglo-saxónico), tendo sido propositadamente escolhidas obras que, em regra, não se relacionam directamente com Hokusai ou a sua famosa xilogravura.

 
 

















sábado, 28 de abril de 2018

Eppur si muove.

 









 
Estamos na Roménia comunista, ano 1987. Não foi assim há tanto tempo, goodbye Ceaucescu. Na cidade de Alba Iulia, 08:35 da manhã, numa quarta-feira vulgar, dia 27 de Maio. Quiseram construir o Boulevard Transilvânia, está certíssimo. O problema é que no lugar do boulevard estava lá, qual empecilho betonado, um bloco de apartamentos de 100 metros por comprido e 7.600 toneladas de peso. Que fazer?, perguntou Lenine. Pois muda-se o bloco betoneiro, respondeu Ceaucescu. Assim se quis, assim se fez. Em seis horinhas de esforço, mudou-se a peça. As oitenta famílias residentes nem tiveram que retirar os haveres de seus lares, e saíram à rua com a roupa que tinham no corpo para assistir ao deslizamento do condomínio. O prédio lá foi de carrinho, sem mortos nem feridos. Ceaucescu levou a cabo um grandioso plano de remodelação urbana em toda a Roménia. Este método Lego saía mais barato de que deitar abaixo e construir de novo. Desta vez correu bem. Outras, não.
 

O véu da noiva.

 
Fotografia de Onésimo Teotónio de Almeida
 

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 55

 



 

         55.
 
         A visita de Ramalho Ortigão (1836-1915) à Exposição Universal de Paris, em 1878, objecto de um livro recente (cf. Ramalho Ortigão, Paris. Exposição Universal, 1878-1879, pref. de Maria João Lello Ortigão de Oliveira, s.l., Feitoria dos Livros, s.d.) contribuiu decerto para a propagação do «japonismo» em Portugal, do mesmo passo que o seu escrito confirma o fascínio dos impressionistas franceses pela arte do Japão, objecto da exposição Japonismes/Impressionismes, actualmente patente no Musée des impressionismes de Giverny.
 

Théodore Duret, pintado por Édouard Manet, 1868
Paris, Musée du Petit Palais
 
 
         Ramalho Ortigão baseia-se, em larga medida, nos textos de Théodore Duret (1838-1927), uma personalidade marcante na difusão do japonisme e da obra de Hokusai, como se referiu em Notas sobre A Grande Onda – 27.
 
         Escreve o autor de As Farpas:
 
         «[Os impressionistas] pintam do natural e pintam exactamente, precisamente, rigorosamente, aquilo que vêem.
 
         Dizem-se discípulos da escola japonesa. Que influência pode ter a arte do Japão na pintura francesa? É o que o Sr. Duret nos explica do modo seguinte:
 
         Olhando-se com alguma atenção para as estampas japonesas, nas quais se ostentam, ao lado uns dos outros, os tons mais agudos e opostos, reconheceu-se que havia, para reproduzir certos efeitos da natureza, que até então se tinham posto de parte, ou por negligência ou por impossibilidade de os traduzir, processos novos, que seria útil experimentar. Porque essas figuras japonesas, em  que muitos não querem ver senão salpicos de tinta, são, pelo contrário, impressões da natureza, de uma fidelidade completa. Interroguem-se aqueles que foram ao Japão.
 
         Pela minha parte, diz o Sr. Duret, sucede-me, a cada instante, encontrar nos leques e nos álbuns a sensação exacta das cenas e paisagens que vi no Japão. Olho para um álbum japonês e digo: sim, efectivamente é assim que me apareceu o Japão; é efectivamente assim, sob a sua atmosfera luminosa e transparente, que o mar se espraia, azul e corado; são essas as estradas e os campos orlados dos belos cedros, cujos ramos tomam toda a espécie de formas angulosas e extravagantes, é esse o Fudji-Yama, o mais esguio dos vulcões; são essas as massas dos bambus que cobrem as colinas; é esse o povo pitoresco e grazina das cidades e das aldeias japonesas. A arte do Japão reproduzira os aspectos particulares da natureza, por meio de processos de colorido arrojado e novos; não podia portanto deixar de ferir a atenção dos artistas investigadores e foi isso que influenciou energicamente os impressionistas.»
   
 
 
 

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 54

 
 
        
 
          54.
 
         Da autoria de José de Guimarães (1939-) uma água-forte com as dimensões 65x46 cm, feita em Luanda, em 1968, pode constituir uma das principais – ou talvez mesmo a principal –  influências directas de A Grande Onda de Katsushika Hokusai na arte portuguesa contemporânea.
 
 

José de Guimarães (1939-)

 

 
         Na verdade, intitulando-se a obra A Grande Onda, e dadas as inequívocas similitudes visuais com a xilogravura de Hokusai, tudo leva a crer que se trata de uma «recriação» desta última, feita, para mais, por um artista plástico que confessa abertamente a influência da Pop Art na sua obra, sobretudo nessa «fase africana», sabendo-se, a este propósito, a marca que a Grande Onda de Kanagawa e as gravuras do «mundo flutuante» tiveram sobre os criadores daquela corrente artística.
 
 
A Grande Onda, água-forte, 65x46 cm, Luanda, 1968
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, E. 1176 A.

 
 
 
Por outro lado, a profunda ligação pessoal e artística de José de Guimarães ao Japão permitiria reforçar a ideia de que a sua água-forte de 1968 constitui, digamos assim, uma homenagem a Hokusai e à sua opus magnum.
 
         Importa, no entanto, situar A Grande Onda no contexto mais vasto da trajectória de José de Guimarães, nome artístico de José Maria Fernandes Marques, nascido em Guimarães em 25 de Novembro de 1939, cidade onde fez os estudos secundários e contactou pela primeira vez o mundo da arte, no Museu Alberto Sampaio e na Sociedade Martins Sarmento. Fez o 6º e o 7º anos do liceu em Braga, tendo já então despertado o seu interesse pelas actividades plásticas, como, após mencionar os excepcionais dotes da sua mãe para o desenho, referirá em entrevista a José Jorge Letria: «depois desses meus 3º, 4º e 5º anos, eu comecei, de moto próprio, a fazer umas coisas, e essas coisas que eu fazia limitavam-se a copiar. Eu copiava quadros, através de reproduções, de autores históricos, o Van Gogh, o Cézanne e assim. Isso foi o meu começo» (cf. José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo. Diálogo com José Jorge Letria, Lisboa, Guerra & Paz, Editores, 2015, p. 33; no mesmo sentido, disse que na juventude copiava quadros dos impressionistas, em entrevista a António Mega Ferreira, saída no Jornal de Letras em Fevereiro de 1984, e republicada in José de Guimarães, Arte Perturbadora/Disturbing Art, selecção e revisão de textos de Aníbal Fernandes, Porto, Edições Afrontamento, 2000).
 
Tendo tido como professores de desenho Teresa de Sousa e Gil Teixeira Lopes, e frequentando cursos de gravura na Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses – «Gravura», onde contacta com nomes como Almada Negreiros, Júlio Pomar, Bartolomeu (Cid dos Santos), João Hogan, Alice Jorge ou Charrua, José de Guimarães oficial do Exército, aposentado com a patente de coronel, ingressou na Academia Militar e no curso de Engenharia da Universidade Técnica de Lisboa em 1957. Na universidade, faz parte da associação de estudantes e da Juventude Universitária Católica (na juventude, fora escuteiro e filiado na Mocidade Portuguesa). Nessa fase, diz ter sido particularmente marcado por uma exposição de Amadeo de Souza-Cardoso organizada pelo Secretariado Nacional de Informação e, bem assim, por uma mostra de pintura brasileira de Cândido Portinari e Di Cavalcanti, a par do fascínio por Matisse, pelos pintores fauve e por Kandinsky e os artistas da Bauhaus.
 
Logo em 1958, participa na exposição colectiva do Salão de Arte da Escola do Exército, na Amadora, e, em 1959, no I Salão Universitário de Artes Plásticas organizado em Lisboa na Sociedade Portuguesa de Belas-Artes.
 
Em 1961, expõe na Academia Militar, em Lisboa, e adopta o nome artístico José de Guimarães, viajando até Paris onde contacta pela primeira vez com a pintura fauve. Dois anos depois, em viagem a Itália, é marcado pelas obras de Miguel Ângelo, Morandi e Giorgio de Chirico. 
 
Em 1964, com as pinturas Relevo I e Relevo II, está presente no IV Salão Nacional de Arte, organizada pela Galeria Nacional de Arte Moderna, de Lisboa, e pelo Museu Nacional de Soares dos Reis, do Porto (cf. IV Salão Nacional de Arte, Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna, Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1964). Nesse ano, duas obras suas, que não foi possível determinar, são recusadas, juntamente com as de muitos outros artistas, no 60º Salão de Primavera organizado pela Sociedade Nacional de Belas-Artes (cf. Exposição de Obras recusadas ao 60º Salão de Primavera, texto de José Luís Ferreira, Sociedade Nacional de Belas-Artes, 18 de Maio de 1964).   
 
No ano seguinte, em que casa com Judith Castel-Branco e conclui o curso de engenharia civil e militar, José de Guimarães conquistará o 2º Prémio de Gravura do Estoril no 3º de Salão de Arte Moderna, organizado pela Junta de Turismo da Costa do Sol. Nesse mesmo ano, participa na Exposição de Novembro, Desenho e Gravura, organizada pela Sociedade de Belas-Artes de Lisboa, da qual, anos depois, irá ser presidente (cf. Exposição de Novembro. Desenho e gravura, pref. de José-Augusto França, Lisboa, Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1965). Expõe também na Galeria Gravura, em Lisboa, («Técnicas de Gravura em Metal»). Viaja até Munique, onde conhece de perto os trabalhos de Klee, de Kandinsky e dos pintores da Bauhaus, visitando também uma exposição de Rubens patente nessa cidade.   
 
Em Novembro de 1966, e à semelhança do que ocorrera no ano anterior, José de Guimarães participa numa exposição colectiva de gravuras organizada em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Também em 1966, expõe na mostra «Privé – Kunstbezite», em Tervuren, na Bélgica, e no 1º Salão Nacional de Arte (Lisboa-Porto-Évora), indo a Paris e aí visitando a grande retrospectiva de Pablo Picasso, que o marcará profundamente.
 
Em 1967, matricula-se no curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, que não vem a concluir. Expõe no 1º Salão de Arte Moderna de Luanda, onde conquista o 1º Prémio de Gravura, expondo ainda na Exposição de Arte Moderna organizada pelo CITA, em Luanda, e no 12º Salão de Outono organizado no Estoril pela Junta de Turismo da Costa do Sol.
 
Também em 1967 será enviado para Angola no cumprimento dos deveres militares, facto que que não interromperia a sua actividade artística, que o faz ganhar, nesse mesmo ano, e como já se disse, o 1º Prémio de Gravura no Salão de Arte Moderna da Cidade de Luanda e o 1º Prémio de Gravura da Universidade de Luanda e, no ano seguinte, de novo o 1º Prémio de Gravura no Salão de Arte Moderna da Cidade de Luanda, cidade onde realiza várias exposições, com destaque para a que, em 1968, esteve patente no Museu de Angola, com a designação Exposição de Arte de Vanguarda e o patrocínio do Instituto de Investigação Científica de Angola; o respectivo catálogo, com texto de Luís Jardim Portela, curador daquele museu e pintor de tendências surrealistas, não especifica, porém, que obras foram aí mostradas (cf. José de Guimarães Expõe no Museu de Angola, Luanda, Museu de Angola, Tipografia Angolana, 1968). Expôs também na Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Sá da Bandeira, Angola, e no 2º Salão de Artes Plásticas das Festas da Cidade, organizado pela Câmara Municipal de Luanda. Num balanço dessa fase, dirá, muitos anos depois: «esse meu período africano eu não o dou como perdido. De modo algum, antes pelo contrário, deu-me a grande volta. Eu, quando fui para África, ao fim desses sete anos como pintor que levava daqui, andava na onda da pop art, que era o que se praticava na altura, nos anos 50, em Londres e Nova Iorque. Depois, com a introdução dessa cultura africana, essa dita pop art foi transformada já num estilo com uma grande personalidade» (in José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo, cit., p. 52).  
        
Data de 1968 a publicação, nas páginas do ABC, de Luanda, do manifesto Arte Perturbadora! Manifesto aos Artistas Inconformados, um texto fundamental na sua afirmação artística, elaborado num tempo em que José de Guimarães contactava de perto com nomes da intelectualidade contestatária de Luanda, como o arquitecto Troufa Real e Aníbal Fernandes. O manifesto Arte Perturbadora! dizia, na íntegra:
 
− Abandonem os pincéis e a paleta e utilizem as ferramentas com que se moldam o ferro e o betão.
− Aproximem-se da vida e usem as matérias do nosso tempo.
− Dai beleza ao aço, ao alumínio, ao betão e ao plástico.
− Pintura Mecânica – Pintura Perturbadora!
− A arte é irreverência, inconformismo e perturbação.
− A arte é a vida para fora de nós, e a vida é a luta com o tempo.
− A arte é invenção, é o irreal no presente.
− A arte é magia, é sonho, é criação.
− A arte não conhece materiais ­– Mas sim a forma como os utilizamos.
− A arte é a aproximação do mistério.
− A arte imortal será sempre perturbadora.
− Todo o objecto quotidiano é recriável.
− Exaltai a imagem dum espelho côncavo ou convexo.
− Exaltai deformando, não conformando.
− A arte existe na imaginação, nunca na realidade quotidiana.
− A arte é a imagem da introspecção, jamais a introspecção da imagem.
− A arte é a realidade do sonho.
− Ó pintores do meu tempo deixai que a História glorifique o esforço da incompreensão e caminhai triunfantes com a arte perturbadora dos espíritos acomodados na pequenez da auto-suficiência.
− O sublime está na metafísica e na redescoberta do homem pela arte perturbadora!
 
São dessa fase algumas instalações mais subversivas, que o autor considera pioneiras não só em termos nacionais como internacionais, e onde a marca da Pop Art é muito saliente, com destaque para Cabine Telefónica e para Retrato de Família.
 
 
Retrato de Família, instalação, Luanda, 1968
 
 
Nesse ano de 1968, José de Guimarães participa no III Salão Nacional de Arte, organizado pelo Secretariado Nacional de Informação e pelo Museu Nacional de Soares dos Reis, e patente em Lisboa e no Porto, tendo aí apresentado trabalhos como «A» Espacial e Bandeiras (cf. III Salão Nacional de Arte, Lisboa-Porto, Secretariado Nacional de Informação-Museu Nacional de Soares dos Reis, 1968). À semelhança de anos anteriores, participa no Salão de Arte Moderna organizado no Estoril pela Junta de Turismo da Costa do Sol. 
 
Em 1969, estará presente no 4º Salão Nacional de Arte, organizado na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Lisboa (cf. IV Salão Nacional de Arte, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1969), e no 7º Salão de Arte Moderna, organizado no Estoril pela Junta de Turismo da Costa do Sol.
 
Entre as obras gráficas dessa fase, realçam-se uma água-tinta de 1968, intitulada Tocador de Jazz; uma água-forte do mesmo ano, intitulada A, Não me escondas o teu rosto…, água-forte também de 1968, e D, água-forte de 1969.
 
Curiosamente, foram estes os trabalhos incluídos na mostra da sua obra gráfica patente em 1992 no Palácio Galveias, em Lisboa, que não exibiu A Grande Onda (cf. Elisabete Brito (ccord.), José de Guimarães. Obra gráfica, 1962-1991, Palácio Galveias, 26 de Março a 26 de Abril de 1992, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, s.d.).
 
Tocador de Jazz, água-forte, 1968




 
Em contrapartida, A Grande Onda figuraria na exposição da sua obra gráfica que Biblioteca Nacional organizou e em cujo catálogo Raquel Henriques da Silva afirma que as suas gravuras de Luanda constituem «a “pré-História” do estilo de José de Guimarães» e são «a todos os títulos de referência para a história da gravura em Portugal» (cf. Raquel Henriques da Silva, «A obra gráfica de José de Guimarães: alguns andamentos», in José de Guimarães. Obra gráfica, 1968-1998, Lisboa, Biblioteca Nacional-Livros Quetzal, 2000, pp. 7-13, em esp. p. 9, salientando aquela historiadora de arte os trabalhos Tocador de Jazz, Formas, Composição e A., a propósito dos quais alude a uma «permanência obsessiva de números e de bastonetes geométricos», p. 10).
Nessa mostra foi possível apreciar um conjunto muito significativo de obras de arte gráfica da década de 1960, algumas delas figurativas, tais como Tocador de Flauta I (água-tinta, 1963), Cabeça de Mulher I (xilogravura, 1964), Homem com Chapéu Alto (xilogravura, 1964), Tentação (xilogravura, 1964), Toureiro (xilogravura, 1964). De salientar as obras de pendor mais abstractizante, com letras e números, entre as quais se destacam Desporto (água-forte, 1968), Composição com letra A (xilogravura, 1968), Não me escondas o teu rosto (água-forte, 1968), Que mar a pique ou luz… (água-forte, 1968) e Composição com letra D II  (água-forte, 1969), bem como Labirinto (água-forte, 1967), «A» espacial (água-forte, 1968) e Composição com letra E (água-forte, 1968).
 
 
 
Toureiro, xilogravura, 1964

Personagem, xilogravura, 1964
 
Desporto, água-forte, 1968
 
 
Que mar a pique ou luz..., água-forte, 1968
 
 

         Em finais da década de 1960, data de A Grande Onda, o influxo da Pop Art seria reconhecido pelo pintor numa entrevista concedida a Luís Jardim e publicada precisamente em Novembro de 1968 no jornal Província de Angola (e republicada em José de Guimarães, Arte Perturbadora…, cit., pp. 35-41).
 
         Em 1969, José de Guimarães regressa a Portugal, onde realiza algumas exposições, com destaque para a mostra de gravuras e de monótipos «letristas» na Cooperativa Árvore, no Porto, cujo catálogo, com texto de Luís Jardim, não indica as obras apresentadas e, muito menos, se então foi exibida Grande Onda, trabalho que não tem grande saliência nas antologias das gravuras feitas por José de Guimarães nesse período (cf. José de Guimarães. Exposição de Gravuras, Porto, Galeria Árvore, Maio de 1969, com texto de Luís Jardim).
 
Foi também efectuada uma mostra das suas gravuras na Associação Cultural e Recreativa «Convívio», em Guimarães, de Outubro a Novembro de 1969, não especificando o respectivo folheto informativo, com uma breve nota de Luís Jardim, se aí foi exibida A Grande Onda. Em 1970, participa no Salão das Galerias da Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa.  
 
         No início da década de 1970, José de Guimarães retorna a Angola numa nova comissão de serviço, e aí efectua trabalhos etnográficos junto dos Ngoyo de Cabinda, com o apoio de Mesquitela Lima, José Redinha e do padre Carlos Esterman (refere também, noutras ocasiões, ter estado com os bosquímanes, na Huíla, e conhecido a generalidade das tribos africanas da região) (cf. José Francisco Delgado Cerqueira, Por mares nunca dantes navegados: José de Guimarães na rota dos Descobrimentos e do encontro de culturas, policop., Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vol. I, 2010, pp. 70ss). Fará uma exposição em Luanda, em 1972, na Galeria de Exposições do CITA, a qual, como se depreende do respectivo catálogo, foi integrada apenas por pinturas e objectos, não contendo, portanto, obras gráficas (cf. José de Guimarães. Exposição de Pinturas e Objectos, Luanda, Galeria de Exposições do CITA, 1972).  
 
         Em 1973, realiza uma exposição de óleos e de guaches na Galeria Dinastia, em Lisboa, mostra que não inclui gravuras ou águas-fortes. No texto do catálogo, Mesquitela Lima, então director do Museu de Angola, cita Lévi-Strauss para concluir que «nas telas de José de Guimarães, a África sente-se e não se vê» (cf. Mesquitela Lima, «José de Guimarães ou uma “pintura selvagem” , in José de Guimarães, Lisboa, Galeria Dinastia, 1973, itálicos no original).
 
         A série «Homenagem a Picasso», de 1973, onde é evidente o «influxo de uma estética cartazística», segundo Raquel Henriques da Silva (ob. cit., p. 10), acusa a marca da retrospectiva de Picasso que, como se disse, José de Guimarães vira em Paris, em 1966, e tem vestígios da Pop Art e de Rauschenberg (visível noutra obra dessa altura, La vache qui rit, acrílico sobre tela, de 1966), os quais se tornam mais notórios em obras posteriores, como Nú Deitado, serigrafia de 1976, bem como nas serigrafias do mesmo ano: 1º de Maio e Pin Ups, exibidas na Sociedade Nacional de Belas-Artes (cf. Exposição de Arte Moderna Portuguesa. Salão de Verão/76, Lisboa, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Setembro-Outubro de 1976; cf. ainda ao desenvolvida análise de Nuno Faria in José de Guimarães. P de Pop Pintura Poster, Lisboa, Fundação Millenium BCP-Documenta, 2016, que considera, a p. 105, que a exposição realizada no Museu de Luanda, em 1968, constitui um momento de ruptura na trajectória artística de Guimarães, salientando-se ainda a importância de Retrato de Família, a pp, 34-35).           
 
         O ano de 1975 é, segundo o próprio, um tempo de viragem na sua trajectória artística. Expõe na Galeria Dinastia de Lisboa e na Galeria Dinastia do Porto e, bem assim, na Galeria Convívio, em Guimarães (no catálogo da exposição na Galeria Dinastia, José Augusto-França refere Léger, Klee, Kandinsky e a arte africana como as suas influências primordiais: cf. José de Guimarães, pref. de José Augusto-França, introd. de Fernando de Azevedo, Lisboa, Galeria Dinastia, 1975). José de Guimarães considera que produziu nesse ano uma «obra charneira», A Gioconda (cf. a entrevista a Alexandre Melo in José de Guimarães. Exposição Antológica, 1966 a 2001, Calheta, Casa das Mudas-Casa da Cultura da Calheta, 2003, onde refere a importância no seu percurso do «alfabeto africano» e da Pop Art, patente esta última nas instalações Cabine Telefónica e Retrato de Família, de 1968; anos depois, numa entrevista a António Mega Ferreira, já citada, José de Guimarães, além da «presença tutelar de Picasso», dirá que «até 1968, o trabalho da Pop Art foi para mim fundamental»). 
 

Gioconda Negra, 1975

 
 
         Em 1989, José de Guimarães realiza a sua segunda viagem ao Japão (sem que da sua biografia, recorrentemente publicada na mesma versão, seja indicada a data da primeira visita a esse país), onde, a convite de Paul Eubel, director do Goethe Institut de Osaca, se dedica a pintar e a fazer um papagaio de papel, segundo a tradição japonesa. Para o efeito, instala-se num mosteiro budista em Hinegi durante várias semanas, tendo construído um papagaio de papel com a figura de D. Sebastião. «Quando visitei o Japão, imediatamente me ocorreu lançar esse mito do Salvador da Pátria no céu do Extremo Oriente e depois fazê-lo atravessar vários países até chegar a Portugal», dirá em 1992 a António Rodrigues e José Sousa Machado (in Artes & Letras, Fevereiro-Março de 1992, republicado em José de Guimarães, Arte Perturbadora/Disturbing Art, cit.; sobre o trabalho em Osaca existe um filme realizado por Markus Zöllner, Bilder für den Himmel: Drachenfest in Japan, Goethe Institut Osaka, Makus Zöllner Filmsproduktion, 1989, que pode ser visualizado na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa).
 
         «O meu primeiro contacto com o Japão ficou a dever-se a mero relacionamento profissional, e quase em simultâneo fui contactado pelo Goethe Institut de Osaka para construir papagaios de papel», dirá mais tarde, acrescentando: «o meu interesse pela cultura asiática, nomeadamente japonesa e chinesa, começou quando iniciei os meus primeiros contactos com o Oriente em 1988. A partir dessa altura comecei a introduzir elementos e arquétipos dessas culturas na minha própria obra» (depoimento de José de Guimarães in Arte Portuguesa no Japão Portuguese Art in Japan, introd. de João Pedro Zanatti, coord. de Paula Ferreira Santos e Eduardo Kol de Carvalho, Edição organizada no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia, Tóquio, Centro Cultural Português em Tóquio, Instituto Camões, Instituto Português do Oriente, Embaixada de Portugal em Tóquio, 2007, p. 18).  
 
Realiza, nessa viagem, uma exposição na Fuji Television Gallery, de Tóquio, e outra no Hara Art Museum, também de Tóquio (cf. Fuji Television Gallery, Tóquio, Fuji Television Gallery, 19 de Outubro-17 de Novembro de 1989). Também em 1989, o texto «Em busca do mito/In search of the myth», publicado nos folhetos das diversas exposições que Guimarães realiza esse ano (na Naviglio Gallery, em Milão; na Konstmassan Stocholm, na Suécia; na Galeria Quadrum, em Lisboa; na Air Fair, em Los Angeles), refere o influxo da arte africana, das tatuagens e dos sinais pictóricos de comunicação usados por algumas tribos de Cabinda, com destaque para os Ngoyo (cf. José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo, cit., p. 45).
 
         Em 1990, efectua uma nova viagem ao Japão, onde algumas obras da sua autoria passam a integrar a colecção permanente da Fundação Akemi, tendo ainda, nesse mesmo ano, exposto no Fukushima Perfectural Museum of Art. A Tobu Coporation reproduziu trabalhos seus em diversos suportes e, em 1991, Guimarães expõe na Bunkamura Museum Art Gallery.  
        
Regressará ao Japão em 1993-1994, visitando também a China e Macau.
 
Para o ponto que aqui interessa, é muito relevante a declaração que José de Guimarães faz, relativa ao ano de 1996: «começo a interessar-me pela poesia chinesa das dinastias Tang e Song e por Hokusai (sobretudo a sua arte erótica), com importância significativa na série Hong Kong» (cf. in José de Guimarães, Arte Perturbadora/Disturbing Art, cit.).  
        
A Perdiz e o Dragão, acrílico sobre tela, 1997, série Hong Kong



 
         A série Hong Kong será apresentada em 1998, em Almancil, no Centro Cultural de São Lourenço, e, no ano seguinte, em Estarreja, incluindo-se nesta última mostra os trabalhos «mexicanos» do autor (cf. José de Guimarães: série Hong Kong, Almancil, Centro Cultural São Lourenço, 1998, sem texto explicativo ou introdutório; José de Guimarães. Exposição México-China, obras de 1995 1998, pref. de Bernardo Pinto de Almeida, Estarreja, Câmara Municipal de Estarreja, 1999).
 
         Antes disso, fora exposta em Outubro-Novembro de 1997 na Galeria Maeght, de Barcelona, onde, no respectivo catálogo, Bernardo Pinto de Almeida menciona as máscaras africanas e a «pintura lúdica e fantasiosa dos anos 70» e, especificamente sobre a série Hong Kong, alude a «uma vontade de superfície que evoca por vezes os papier colés de Matisse sobre cujos fundos luminosos de teatro de feira as figuras se projectam num bailado de regozijo festivo como se participassem nas núpcias secretas de Eros e Thanatos»; a pretexto das obras «mexicanas», refere o inciso da pintura holandesa do século XVI e das alegorias apocalípticas germânicas medievais (cf. Bernardo Pinto de Almeida, «A Paixão segundo José de Guimarães», in José de Guimarães. Hong-Kong – México, Barcelona, Galeria Maeght, 1997, pp 4-5).
 
         Sendo muito mais perceptível a influência da estética e da caligrafias chinesas do que da arte do Japão («A cultura chinesa é uma cultura fabulosa. As peças que eles fizeram já conseguidas em bronze datam de 10 000 a.C. Essa cultura interessou-me muito», in José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo, cit., pp. 76-77), há trabalhos da série Hong Kong que merecem ser apontados como ecoando, porventura, uma marca das xilogravuras nipónicas – e da arte erótica de Hokusai, em particular –, pelas quais o autor se começara a interessar, segundo o próprio, em 1996. Sonho no Pagode Chinês, acrílico sobre tela de 1997, é, porventura, dos trabalhos mais significativos desta série.  
 

 
Sonho no Pagode Chinês, acrílico sobre tela, 1997

 
 
 
         Noutra ocasião, o pintor dirá  a Alexandre Melo: «a seguir ao México, passei a frequentar mais o Oriente e a tentar compreender também essa cultura e esses povos com uma mentalidade completamente diferente da ocidental e até da latino-americana» (in José de Guimarães. Exposição Antológica, 1966 a 2001, cit., p. 25).
 
Sobre a série Hong Kong, um dos mais atentos leitores da obra de José de Guimarães e autor de um livro que percorre a fundo as diversas etapas do seu percurso (mas onde, curiosamente, não inclui as obras gráficas da década de 1960), Pierre Restany diz que os trabalhos expostos na Galeria Maeght, de Barcelona, em 1997, e no Centro Cultural de São Lourenço, de Almansil, em 1998, são uma «amálgama sincrética altamente significativa do nomadismo transcultural do seu autor», que, sobre um «fundo colorido violentamente expressionista faz um dripping pontilhista informal» (cf. Pierre Restany, José de Guimarães. Le nomadisme transculturel, Paris, Les Irréguliers-Éditions de la Différence, 2006, p. 127 e p. 124, respectivamente).   
 
         Aprofundando a sua ligação ao Japão, em 1997 José de Guimarães faz um mural em néon, em Quioto, e, em 1998, é-lhe encomendada uma intervenção plástica global em Kushiro, cidade de 350 mil habitantes na ilha de Hokaido, com vista a transformar a fisionomia daquele espaço urbano (cf. José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo, cit., p. 79).  
 
         Num dos mais importantes ensaios já publicados sobre José de Guimarães e a sua obra, o crítico Fernando Pernes realça a influência da arte africana, de Rubens e de Rouault e da Pop Art, destacando ainda a marca da exposição sobre Picasso que o artista viu em Paris em 1966 e da mostra do centenário de Rubens, patente na Bélgica em 1977 (cf. Fernando Pernes, José de Guimarães, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, em esp. pp. 8 a 13ss, sendo de notar que, numa entrevista a Fernando Pernes publicada nesse livro, Guimarães reconhece expressamente a influência da arte africana e de Picasso, pp. 31ss; cf. também Fernando Pernes, José de Guimarães. Identidade e universalidade, Lisboa, Editorial Caminho, 2006, que a propósito da obra de Guimarães fala da sua agressividade e sublinha uma influência nem sempre referida, a do Minho natal, responsável por uma «festividade de cunho barroco e simbolista», p. 5; os seus trabalhos sobre Rubens seriam divulgados em 1978: cf. Exposição Rubens e José de Guimarães, apresentação de José-Augusto França, texto de Fernando de Azevedo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1978; cf. ainda Marc Van Jole, «José de Guimarães et Rubens», Colóquio/Artes, 2ª série, ano 19, nº 35, Dezembro de 1977, pp. 5-11; José-Augusto França, «Uma releitura de Rubens», in José de Guimarães: dez anos de pintura, Guimarães, Sociedade Martins Sarmento, 1979, p. 7; estes textos, bem como um da autoria de Fernando Pernes, «Ruben e José de Guimarães» e outro do próprio José de Guimarães, «Os símbolos, porquê?», encontram-se reunidos em Marcel Van Jole (ed.), José de Guimarães, Genebra-Paris-Antuérpia, Arte & Biblio Press, 1979).
 
 


 
 
 
         Também Gillo Dorfles salienta, como é comum, a influência da arte africana na obra de José de Guimarães, mas não refere a arte japonesa (cf. o seu texto in José de Guimarães. Textos de Gillo Dorfles, Marc le Bot e Bernardo Pinto de Almeida, Porto, Edições Afrontamento, 1991, pp. 8-17, devendo atentar-se no ensaio de Marc Le Bot, «O outro mundo de José de Guimarães», pp. 19-33, e, na mesma obra, a pp. 35-57, o texto de Bernardo Pinto de Almeida. «Sobre a pintura de José de Guimarães», onde de novo é mencionado o impacto da arte negra na sua obra, a pp. 46-48). 
 
         De igual modo, António Rodrigues, um profundo conhecedor da obra de Guimarães (cf., por ex., da sua autoria, «No atelier de José de Guimarães», Colóquio/Artes, 2ª série, ano 32, nº 84, Março de 1990, pp. 16-21), salienta a influência que sobre ela foi exercida pela Pop Art, por pintores com Klee, Kandinsk, Rubens, Miró ou Magritte, mas não cita Katsushika Hokusai nem qualquer outro artista oriental (cf. António Rodrigues, «O triunfo da ratoeira. Sobre a obra de José de Guimarães», in José de Guimarães. Obra gráfica, 1962-1991, Palácio Galveias…, cit., pp. 7-11, em esp. p. 8).
 
         Por seu turno, José Luís Porfírio, falando de uma «vocação invasora» do trabalho de José de Guimarães, assinala, num texto centrado sobre a intervenção do artista na estação de metro de Carnide, a influência de Rubens e, por outro lado, de «África e da sinalética africana» (cf. José Luís Porfírio, José de Guimarães. A luz no túnel / Light in the tunnel, Porto, Edições Afrontamento, 2000, pp. 83 e 99ss, e, sobre a influência da arte negra, p. 91). 
 
         Esse tópico da obra de Guimarães tem sido reiteradamente analisado (cf., por ex., Janaína Rocha, «O impacto da arte africana no imaginário de José de Guimarães», Bien’Art, nº 6, Abril de 2005, pp. 20-23; Pierre Gaudibert, «José de Guimarães e a África profunda», in Maria João Fernandes (coord.), José de Guimarães, 1962-1992, Centro de Arte Moderna-Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação de Serralves, s.d., pp. 18-21). Por outro lado, a recensão das suas influências – Roualt, Matisse, Miró, Picasso, Calder, África – encontra-se sedimentada (cf., por ex., Daniel Giralt-Miracle, «José de Guimarães, creador de nuevas mitologías. Realidad y ficción de unas personages», in José de Guimarães: Agenda, Barcelona, Ambit serveis Editorials, 1988, pp. 15-20; mais recentemente, cf. os importantes textos reunidos no livro de Maria João Castro (coord.), Arte e viagem (pós-)colonial na obra de José de Guimarães, Casal de Cambra, Caledoscópio, 2018).
 
         Sendo patente a influência da arte africana na sua obra («posso dizer que a grande transformação da minha pintura se deu após o entendimento da arte africana», afirmou, em entrevista, tendo também referido, numa entrevista ao jornal Tempo, em Outubro de 1980, que as suas grandes influências foram os expressionistas, Goya, a Pop Art e a arte africana), é importante salientar que José de Guimarães começou também a reunir uma colecção de arte negra, a qual seria parcialmente exibida no Museu Afro Brasil de São Paulo entre Junho e Setembro de 2006, com curadoria de Emanoel Araujo (cf. África e Africanias de José de Guimarães: Espíritos e Universos Cruzados, ed. de Emanoel Araujo, São Paulo, Museu Afrobrasil, 2006, onde se destaca o texto «Diálogo mestiço de um coleccionador e artista», pp. 215-218). A mostra esteve presente depois no Museu Würth, de La Rioja, em Espanha, e em Lisboa, antes de se dirigir a Roma (cf. África. Diálogo Mestiço. Colecção de Arte Tribal de José de Guimarães, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2009, catálogo onde Raquel Henriques da Silva diz ser «Angola o facto mais determinante da carreira de José de Guimarães»: cf. Raquel Henriques da Sila, «Celebrar e transfigurar as marcas da memória», in ob. cit,, p. 35; cf. ainda Africânia: José de Guimarães, Almada, Casa da Cerca-Centro de Arte Contemporânea, 2006).
 
 

 
 
 
        De igual modo, o artista português iniciou uma colecção de arte chinesa, a qual foi mostrada em 2011 no Centro Científico e Cultural de Macau (cf. Rui Abreu Dantas (coord.), Bronzes e Jades da China Antiga: Colecção de José de Guimarães, Lisboa, Centro Científico e Cultural de Macau, 2011) e, mais recentemente, na Fundação Oriente, em Lisboa, por ocasião do 30º aniversário daquela fundação (cf. Um Museu do Outro Mundo/A Museum from another World. José de Guimarães nos 30 Anos da Fundação Oriente e nos 10 Anos do Museu do Oriente, Lisboa, Fundação Oriente-Documenta, 2018; cf. ainda, sobre as colecções de arte africana, pré-colombiana e chinesa, José de Guimarães. International Arts Centre. Guide to the Collection, Guimarães, Fundação da Cidade de Guimarães, 2012, sobre esse Centro, em particular do ponto de vista arquitectónico, cf. Pitágoras Arquitectos, Plataforma das artes e da criatividade. Centro Internacional das Artes José de Guimarães, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2013).   
 
         O coleccionismo de arte chinesa não tem paralelo, ao que se sabe, com a arte japonesa e, em particular, com as xilogravuras ukiyo-e e, ainda mais especificamente, com os trabalhos de Hokusai (v.g., os de arte erótica), pelos quais José de Guimarães diz ter começado interessar-se apenas em meados dos anos 1990, ou seja, muito depois da criação de A Grande Onda, datada de 1968. Ainda assim, dessa afirmação não é possível deduzir, sem mais, que Guimarães desconhece por completo a famosa xilogravura de Hokusai, mas tão-só que é em meados da década de noventa que começa a mergulhar mais a fundo na obra do mestre japonês.
 
         A obra de José de Guimarães nem sempre tem merecido o favor da crítica, ao contrário do que sucede com outros artistas portugueses como Amadeo ou Paula Rêgo (que Guimarães disse admirar, em entrevista a Baptista-Bastos, para o Diário Popular, em Outubro de 1986). Como referiu Manuel Costa Cabral em diálogo com Ruth Rosengarten, «Guimarães é uma pessoa determinada, apostada em construir um estatuto de produtor muito organizado (…) Tem feito a divulgação da sua obra através de aturados contactos no estrangeiro e sente-se francamente não reconhecido na sua terra» (in Orientations, Arte e «craft» contemporâneos de Portugal/Contemporary art & craft from Portugal, Amagasaki, Fundação Akemi, 1993, p. 23). O ponto já mereceu, aliás, uma importante análise por parte de João Pinharanda, que refere ser a «marginalidade» de José de Guimarães um efeito da desatenção da crítica (cf. João de Lima Pinharanda, «As máscaras da crítica e o destino do artista ou as máscaras da crítica e dos críticos», in Maria João Fernandes (coord.), José de Guimarães, 1962-1992, cit., pp. 28-45). Nesse ensaio, João Pinharanda refere, a propósito da obra de Guimarães, a um «primitivismo que coincide com as fontes das vanguardas do início do século», afirmando que o seu «sentido poético parece retomar os valores do expressionismo histórico». Sobre os trabalhos produzidos em Angola em meados dos anos 1960 (e, em particular, sobre a exposição patente em 1968 no Museu de Luanda), Pinharanda fala de uma «pintura auto-referencial intensa com forte componente gráfica e onde incorpora informação mediatizada da Pop Art».      
 
         Esse texto de João Pinharanda foi publicado no catálogo da retrospectiva da obra de José de Guimarães, obra onde José Augusto-França, curiosamente, classifica o artista como um «namban», um «bárbaro do Sul» (cf. José Augusto-França, «Da coerência da pintura de José de Guimarães com quatro notas complementares», in Maria João Fernandes (coord.), José de Guimarães, 1962-1992, cit., pp. 14ss, em esp. p. 16, salientando também França a marca do expressionismo da arte negra e do grupo Cobra). No jornal dessa exposição, e em entrevista a Fátima Alves de Sá, José de Guimarães dirá, uma vez mais, que «os meus signos plásticos nasceram da minha experiência africana».
 
         Assim, e num balanço global, é indiscutível que a marca da arte japonesa é muito menos intensa e visível – e mais tardia – do que outras influências, seja da arte africana, sobretudo, seja da Pop Art, seja, inclusivamente, da arte chinesa.
 
         No entanto, nos trabalhos realizados no Japão será possível entrever a marca de Hokusai e de A Grande Onda, a qual parece ecoar na escultura Ídolo, trabalho em azulejo, cimento e aço, com as dimensões de 1400mm (comprimento), 1020mm (altura) e 615mm (largura), presente em Tachicawa desde 1994.
   

Prazeres Campestres, acrílico sobre tela, 1997, da série Hong Kong

 
 
         A par dessa escultura, há obras onde a influência de Hokusai parece ser directa e indiscutível, como sucede com Nostalgia de Amor, relevo acrílico sobre papel, 57x76,5cm, 1997, da série Hong Kong. Para José Francisco Delgado Cerqueira, essa obra denota a marca da arte shunga do mestre japonês, que aquele autor analisou na sua dissertação de doutoramento, centrando-se nas obras do período 1971-1973, ou seja, não referindo A Grande Onda, de 1968, e, depois, as obras da série Hong Kong (cf. José Francisco Delgado Cerqueira, ob. cit., pp. 290-292; sobre as obras da fase africana, apenas do período 1971-1973, pp. 67ss; sobre a «fase mexicana», pp. 70ss, e, sobre a poesia Tang, pp. 308ss).
 
 
Katsushika Hokusai, Flor de Adonis (Fukujuso), 1815



José de Guimarães, Nostalgia de Amor, relevo acrílico sobre papel, 57x76,5cm, 1997

 
 
 
 
         Irá tentar-se um contacto com o artista José de Guimarães para confirmar a hipótese tida por mais plausível, nos termos da qual a água-forte A Grande Onda, Luanda, 1968, recebeu o influxo da xilogravura A Grande Onda, de Katsushika Houkusai.