sexta-feira, 31 de maio de 2024

Carta de Bruxelas.

 







                                                                                                               Marte despolitizado


 

O direito da guerra não deixa margem para dúvidas. Os beligerantes identificam-se pelo uniforme. Estes comunistas, no entanto, despem o soldado do que faz dele um militar, e, desse modo, alguém que pode matar sem que isso constitua um crime. Na imagem, porém, nada liga o soldado a um Estado. Tudo se passa como se o soldado não tivesse amarras de qualquer espécie. Sem deixar de aparecer como soldado – atestam-no a arma, o uniforme neutro e, insidiosamente, o facto de apontar a metrelhadora a um civil inerme. À não identificação do soldado responde a evidência do civil. O Palestiniano é transfigurado no bem absoluto – a Humanidade por antonomásia. Sem armas. Realiza-se nela o estádio final do comunismo, na medida em que libertação implica o tornar-se rossa. Depois do proletariado, depois dos movimentos de libertação do terceiro mundo, a revolução anichou-se na pequena Faixa de Gaza. Na ausência de ligação a uma ordem estatal, o soldado torna-se a figura do mal, mas de um mal apolítico, um mal moral, um mal metafísico. Sem Estado, a guerra dissolve-se conceptualmente como actividade humana, inerente à pluralidade das comunidades políticas. Sobra a violência como forma de relação intrinsecamente imoral. É o não-dever-ser por excelência. Como tal, a sua supressão restaura metafisicamente a ordem perturbada. Assim se chega à paz. À paz dos cemitérios. Mas nem neles existirão judeus. Erradicados da História, regressarão sem nome à natureza.

        Como cinza?            


                                                                                    João Tiago Proença




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