quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Tadzio.









 
 
Morte em Veneza (1912), de Thomas Mann, deu lugar ao filme com o mesmo nome, de Luchino Visconti (1971), e à ópera – a última – de Benjamin Britten (1973), bem como ao bailado de John Neumeier (2003). Em 1990, Gilbert Adair publicou Love and Death on Long Island, uma novela noveleira com muitas afinidades com a de Thomas Mann, que seria adaptada ao cinema em 1997, num  filme com o mesmo título da autoria e Richard Kwietniowski, realizador inglês de ascendência polaca.  

Polaco era também o verdadeiro Tadzio, o gatinho menino que serviu de inspiração ao efebo que encantaria Gustav von Aschenbach. Władysław Gerard Jan Nepomuk Marya Moes nasceu em 1900, no seio de uma família aristocrática (a mãe era a condessa Janina Miaczynska). Em 1911, a família Moes e o pequeno Władysław passaram férias no Grand Hotel des Bains, no Lido, Veneza. Chamavam ao petiz «Adzio» ou  «Władzio», e a história desta inspiração foi contada pelo já citado Gilbert Adair em The Real Tadzio (2001). Władysław Moes foi preso pelos nazis em 1939, permanecendo detido durante seis anos. Com a chegada dos comunistas, todas as suas propriedades foram confiscadas – e Władysław passou a ganhar a vida como tradutor.  Só em 1964, numa entrevista ao tradutor polaco das obras de Thomas Mann, reconheceria que era ele o real Tadzio. Morreu em 1986, em Varsóvia.




Władysław Moes


 
A família Moes, no Lido (1911)
 

Władysław Moes, 1939
 
 
Gilbert Adair, The Real Tadzio, 2001
 
 


A história da escolha do sueco Björn Johan Andrésen (n. 1955) para desempenhar o papel de Tadzio, no filme de Visconti, foi contada num documentário do Mestre, Alla Ricerca di Tadzio (1970), que aqui apresentamos legendado em belos caracteres cirílicos:








Luis Martín, La muerte de Tadzio, 2000




Em 2000, Luis G. Martín deu à estampa La muerte de Tadzio, que narra a vida de Tadzio após a jornada italiana com Aschenbach, explorando o tópico da deterioração da beleza física, o ressentimento com a erosão do tempo. O tema continua a despertar recriações. No passado mês de Julho, foi estreada em Londres uma peça em que Tadzio, já entrado na idade, recorda as suas vivências pretéritas: Tadzio Speaks…, de Martin Foreman, com o actor Christopher Peacock monologando no papel de Tadzio (vídeo aqui). Também este ano, Ben Bower publicou Return to Venice, uma peça em que coloca Adzio – sim, o verdadeiro, o Władysław Moes – a viver em Viena com mulher e filhos, vinte e cinco anos depois do avistamento efectuado por Thomas Mann na laguna de Veneza. O psicoterapeuta aconselha-o a visitar Veneza, onde se apaixona por um jovem, e o enredo termina com um encontro em Los Angeles entre Adzio e Mann. Tudo assaz idiota, como vêem.  
 
   O sueco Björn Johan Andrésen, actor e músico, teve uma vida algo acidentada (a mãe suicidou-se quando tinha dez anos e, aos 13, descobriu que o homem com quem vivia era seu padrasto, e não o pai biológico). Visconti vampirizou-lhe a aura andrógina, quando tinha 15 anos, jovem actor formado no Conservatório de Estocolmo. Desde aí, a imagem de Tadzio foi tão forte e absorvente que nunca mais se conseguiu libertar dela. Alcoolizado, teve anos de terapia, e uma filha pelo meio. Em 1976, circularam rumores de que fora o autor do brutal e estranho homicídio do não menos estranho actor Sal Mineo, celebrizado em Rebels Without a Cause; no final das investigações, foi dado como culpado um entregador de pizzas. Corre a história, ou lenda, segundo a qual Miguel Bosé chegou a ser escolhido por Visconti, mas que o pai-torero, Luís Miguel Dominguín, se opôs ao desempenho, provavelmente com razão e bom senso. Ao que parece, quem aspirava ao papel era Helmut Berger. A ele se atribuem, falsamente ou não, os rumores que abundantemente ulularam sobre o desaparecimento de Bjorn, ora suicidado, ora morto por overdose.
 
 


 
 
Björn Andresen
 
 
 
Na altura do filme, era «o rapaz mais bonito da Europa», como lhe chamavam as revistas. O enredo da história fazia crer que seria homossexual, facto que Björn sempre negou enfaticamente – e com veemência. No maravilhoso livro The Beautiful Fall. Fashion, Genius and Glorious Excess in 1970s Paris, Alicia Drake relata a fulgurante entrada de Björn na noite parisiense, na memória de Susi Wyss, uma beleza felina cortejada por Eric de Rothschild: «She remembers with affection the arrival one night at Le Sept of Bjørn Andresen of Death in Venice fame, which caused a near riot, ‘I thought he was homosexual,’ recalls Susi, ‘but he fucked me beautifully.’». Tadzio inspirou a moda e, em torno de um postalinho de seu pae, suscitou uma comovente história pequenina, contada pela portuguesa Licínia Quitério.
 
 

 

 
 
Germaine Greer, The Beautiful Boy, 2003
 
 
Björn Andresen virou fera e protestou alto quando, em 2003, a escritora feminista Germaine Greer, sem lhe pedir autorização, usou a sua imagem, capturada pelo fotógrafo David Bailey, na capa do livro The Beautiful Boy.
 
 
Björn Andresen, no Japão

 

No Japão, Björn Andresen fez furor como bishōnen, conceito nipónico que dificilmente conseguiremos apreender: um rapaz que, pela sua beleza transcendente, transcende as fronteiras de género, como agora se diz nas academias.

Tirou partido disso,em muitas aparições comerciais e musicais. Serviu de fonte inspiradora aos criadores de manga e anime, maxime em Kaze to Ki no Uta (O Poema do Vento e das Árvores) de Keiko Takemiya (n. 1950), publicado entre 1976 e 1984, de claras conotações homoeróticas.

,
.
 

 

 
E por aqui desaguamos ao final desta torrente de factos e informações, que muito beneficiaram da intercessão milagrosa de Santa Wikipedia, padroeira dos ignaros. Prova provada de um princípio basilar da filosofia Malomil: a Oeste, nada de novo. Tão-só um aluvião de referências acumuladas através de séculos. Na cultura ocidental, velha e cansada de tantos génios, já nada se cria ou inventa, tudo se apropria e transforma, em constante recriação e decadente desfrute. A Internet, onde agora estais, só veio aprofundar o descalabro.

 
Para a Bb. e para o A. R., em mahleriano adagietto,
 
 
 
António Araújo 
 
 
 
 
 
 



6 comentários:

  1. Obrigado, Paulo!
    Abraço amigo,
    António.

    ResponderEliminar
  2. Excelente matéria. Obrigado António.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, Rubem. Eu é que agradeço as suas palavras.
      Abraço transatlântico,
      António.

      Eliminar
  3. Sendo a ordem dos factores não arbitrária, teria escolhido apenas a 5ª de Abbado para fonte sonora do Adagietto. Mesmo sendo Santa Wikipedia a espinha dorsal, e Morte em Veneza um dos filmes que tenho como referência, confesso nunca ter seguido a vida do (então) jovem Bjørn Andresen. Muito boa resenha.

    Boa noite! :)

    ResponderEliminar
  4. que grande texto António.
    Abraço

    ResponderEliminar