quarta-feira, 9 de março de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 38 - ERROL GARNER

 

 
Normal é que alguém desejoso de uma carreira musical se dedique a aprender música. A não ser que pertença a uma família onde a música se beba com o leite materno, que aos 3 anos se tenha começado a dedilhar o piano e aos 7 já se toque em recitais radiofónicos, ou que se seja o mais novo de 8 irmãos, todos eles com vocação musical. Foi o caso de Erroll Garner.
Há, no entanto, algo de duvidoso no facto de sempre se relevar a falta de educação formal de Garner em qualquer resenha biográfica. O primeiro efeito, sobretudo depois de o ouvir, é inevitavelmente de surpresa e espanto: como pode o piano ser tão “fácil” para quem não teve instrução? Mas a segunda garfada tem o sabor ambíguo que costuma assoberbar a ideia de génio, peculiarmente quando se junta “génio” e “jazz” na mesma frase. Aparecido a partir de meados da década de 40 Errol Garner desenvolve a sua música numa época em que demasiadas vezes se admirava o jazz como uma irrupção espontânea de criatividade – as jam sessions… – elogio, com o seu quê de racial, que ao realçar a intuição obliterava a complexidade. Se o talento era natural e a inspiração congénita, para quê castiga-los com escola?
O mal-entendido acentuava-se pelo facto de Errol Garner deslizar como enguia por tendências e padrões. É certo que secundou Charlie Parker em 1947 numa das “Dial Sessions”, tão verdade como o reconhecimento que o saxofonista lhe outorgava, mas seria deslocado gravar o seu nome na lápide dos pioneiros do bebop. Entre ambos sente-se tanto de combinação e entendimento, como pouco de adesão.
Havendo conveniência em arrumá-lo, coloque-se Erroll Garner a fazer triângulo com franco-atiradores como Earl Hines, seu mentor e conterrâneo da fria e ferrugenta cidade de Pittsburg e o virtuoso Art Tatum, pianistas que nunca vogaram pelo meio da corrente, nem encalharam nas armadilhas do ecletismo.
 
 

 
Concert By the Sea
1956 (2015)
Columbia Records / Sony Music / Sony Music Entertainment - 88875120842
Erroll Garner (piano), Eddie Calhoun (contrabaixo), Denzil Best (bateria).
 
Em 2015 foi editada pela primeira vez a integral do concerto. É esta a versão sugerida.
 
“Concert By the Sea” foi um fenómeno de vendas; este era o epítome do jazz com o qual “toda a gente” se identificava. Não se expunha como uma obra de compromisso, todavia palpitava nela a vivacidade do swing, paredes meias com a fluência harmónica do bebop; não pretendia ser uma obra de síntese, porque nada nela, de tão desafectada, manifesta programa ou desígnio; era “natural” (o que quer que isto queira dizer…) mas não era pueril; patenteava sinceridade mas estava livre do estigma da leviandade. De “Concert By the Sea” poder-se-á dizer o que Rivette belissimamente afirmou, um bom par de anos mais tarde, acerca do cinema de Howard Hawks: que a evidência é a marca do génio de Errol Garner. Nada neste concerto é extraordinário ou se pauta pelo imprevisto; originais do pianista há dois, o restante repertório é composto por standards. Tudo é aconchegante como aquele crepúsculo de Verão em que aconteceu.
 
 
José Navarro de Andrade


 

3 comentários:

  1. Muito bem.Conseguiu não falar de Misty.De propósito?

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  2. Às vezes não cabe tudo, mesmo que esse "tudo" seja tão essencial como o "Misty"...

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  3. Publicarei hoje este e o anterior.
    Aproveito para esclarecer que terminou (de momento) a existência de fado alexandrino
    No blog continuarei apenas a colocar música.
    Outro tipo de intervenção passou para outra rede social com outro nome.
    Obrigado a todos pela paciência e pelas palavras que trocamos.

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