domingo, 8 de janeiro de 2017

O homem que engarrafou o sol.

 
Pedro Zaragoza, Benidorm, 2000
 
         A queda de um ídolo. Não é fácil. Para mais, sendo um ídolo que despertava mixed feelings, sentimentos mistos de admiração e de repulsa. Pedro Zaragoza (1922-2008), a quem chamam «o homem que inventou Benidorm», foi alcaide dessa terrinha entre 1951 e 1967. A ele se deve o boom turístico de Bebe y dorme e a destruição completa de uma localidade até então pacata, tranquila, soalheira. Assim dito, não havia razões nenhumas – e, se calhar, não há – para admirar um serial killer urbanístico deste calibre, com a agravante de, para conseguir os seus intentos, Pedro Zaragoza se ter aproximado da família de Franco, tendo alojado em sua casa a mulher do ditador, a imortal Señora Carmen Polo.
 
 
 

 
 
 
Se Benidorm é o que é, aquele horror infernal, isso é obra de um homem: Pedro Zaragoza Orts. Simplesmente, rezava a História que Pedro Zaragoza, um pragmático, teve de enfrentar a censura dos bons costumes e da Igreja, que chegou a excomungá-lo por permitir o uso de biquínis nas praias de Benidorm, trazidos nas bagagens das turistas do norte da Europa. Conta-se mesmo – e Pedro Zaragoza gabava-se disso – que um dia, ao ser excomungado, o alcaide se meteu numa famosa Vespa e foi directamente a Madrid, onde falou com o Generalíssimo. Este ter-lhe-á dado o seu apoio, autorizando que as turistas estrangeiras, naquele ghetto de sol, mar e betão, continuassem a vestir-se e a despir-se como queriam, nas suas idas à praia. A história, deliciosa, é relatada em vários livros, como no divertidíssimo De la alpargata al seiscientos, do prolífico Juan Eslava Galán. O que não se contava, na Espanha franquista como no Portugal no Estado Novo, era com o efeito democratizador do turismo, e com o seu contributo poderosíssimo para a liberalização dos costumes e das mentalidades. Ou seja, com o fito de «desenvolver» a sua terra, Pedro Zaragoza aliou-se a Franco, pediu o seu amparo, mas foi um (involuntário?) artífice de uma revolução cultural. Tudo muito interessante, muito histórico, até que um documentário recente veio dizer que não é assim, que não existem, nos registos oficiais do Estado e da Igreja, documentos que atestem a veracidade da excomunhão de Zaragoza pelo arcebispo de Valência, como não há nada que demonstre que o alcaide de Benidorm se avistava frequentemente com Franco, em audiências que este lhe concedia em Madrid. Terá sido tudo uma encenação, uma manobra de marketing semelhante às operações promocionais que Zaragoza lançava para divulgar Benidorm junto dos mercados turísticos da Europa endinheirada e livre? E onde fica, no meio disto tudo, a mítica história da Vespa, ao volante da qual Zaragoza terá feito uma jornada de centenas de quilómetros, entre a sua terra e a capital das Espanhas? Não sei, ainda não vi o documentário, que se chama, aliás muito acertadamente, El hombre que embotelló el sol. Só li esta notícia, mas foi o suficiente para me deixar de rastos, desfalecido na areia…
 
 
 

 

9 comentários:

  1. Respostas
    1. Realmente, soou-me mal quando escrevi. Como se deve dizer, ajuda-me? Muito grato,

      António Araújo

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  2. Talvez "guiador", tal como na bicicleta.
    Ou, mais pomposa e tecnologicamente "aggiornato", "aos comandos de"...
    Cpmts. bem humorados.

    J.S.Pereira

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  3. Convenhamos que a excomunhão do senhor é um bocadinho exagerada.

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  4. Nenhum comentario sobre a morte de Mario Soares?!
    Mais fotos doces sobre as águas do Onésimo,santos do Sr Teixeira e nenhuma palavra sobre o assunto.O que significa?Embaraço? Não entendo.O sol engarrafado é mais imortante talvez.

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    1. Já houve em todo o lado centenas de comentários. Foram tantos que os jornais de maior importância DN, JN tiveram que simplesmente apaga-los a eito.
      Nas crónicas do DN sobre o falecido não são permitidos comentários.
      Hoje o Expresso não autoriza comentário nenhum em nenhuma notícia sobre o enterro.
      Uma Nação está de luto?
      responda quem souber.

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  5. Nascido em 77, sou da geração que foi feliz em Benidorm. Assim sendo, de todos os serial killers urbanísticos, este é o único que trago no coração.

    Um abraço
    Sérgio Barreto Costa

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  6. Mostrei as fotos de Benidorm ao meu filho que disse: "Porque é que construíram uma praia na cidade?

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