segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Canção de embalear.

 
 

 
         Já se falou aqui desta colecção esplêndida da Bloomsbury, de onde li recentemente um livro, sonoramente esplêndido. Whale Song, de Margret Grebowicz, trata, como é fácil perceber, dos ruídos e das canções das baleias lá no fundo do mar fundo. Os sons das baleias começaram a ser captados pelos humanos terrestres devido ao aperfeiçoamento do sonar e de outras tecnologias de guerra submarina, aquando da 2ª Guerra Mundial, uma guerra que, não desfazendo das outras guerras, foi terrestre, aérea e marítima, ou seja, muito completa e variada no que tange aos teatros de operações. Os sons das baleias começaram a ser chamados canções não por causa de Roberto Carlos e da sua inolvidável canção cetácea mas porque:
− à uma, têm padrões repetidos e uma sequência rítmica, como o cantar dos passarinhos;
− à outra, as baleias têm cordas vocais (e corpos descomunais).  
         A primeira vez que foi gravada uma voz de uma baleia foi nos anos 1950 (ouvir barulhinhos esquisitos, como aconteceu ao telemóvel do Dr. Pinto Monteiro, isso já ocorria desde a 2ª Guerra, aqui estamos a falar de gravação, registo, recording). E foi nos anos 1950 numa estação de captação de sons, ultra-secreta, que a U.S. Navy tinha nas Bermudas, onde parece não se estar mal – que o diga Frank Warlington, o engenheiro que trabalhava para a Marinha dos USA e que gravou as baleias, fartinho que estava de gravar e rebobinar o som mais metálica dos submarinos soviéticos. E não é que se tratava do som de uma Megaptera novaenliae? As Megaptera novaeangliae cantam durante 10 a 20 minutos, quase um concerto inteiro. E, tirando os humanos, as baleias de um modo geral são o ser vivo que tem a mais complexa rede de comunicações planetária. As Megaptera novaeangliae têm vários nomes: baleia-jubarte, baleia.corcunda e, claro está, baleia-cantora. É mamífero, é da ordem dos cetartiodactylos, da sobordem dos cetáceos e da infraordem dos misticetos. Tanta coisa para descrever um bacamarte de gente, um bichinho que chega a pesar 40 toneladas e a medir-me 16 metros.
 

 
         Regressemos ao senhor engenheiro. Frank Warlington, da ordem dos humanos, levou as fitas para uma festinha na base naval, daquelas com música country onde, à falta de mulher, os marujos dançam com marujos, numa marujagem pegada. E foram eles os primeiros humanos, ademais marujos, que ouviram uma gravação de som de baleia na História da Humanidade. Gostaram, apreciaram muito, e voltaram a dançar a polca lá uns com os outros, pois estávamos então na Guerra Fria. O engº Warlington, em saber o que fazer às bobinas, que lhe estavam a atravancar o cubículo onde ouvia submarinos, deu-as a um moço que andava pela região atrás daquelas baleias-corcunda, que ele há gostos para tudo. Melhor dito, eram dois moços, Roger Payne e Scott McVay e estavam ambos no encalço das corcundas canoras.
 
 

 
 
 
 
         O Rogério das Dores, conhecido na América como Roger Payne, produziu em 1970, a partir das gravações do engenheiro Warlington, o LP Songs of the Humpback Whale. Quem viveu intensamente essa década, como o signatário, sabe bem que andava tudo maluco com coisas destas, o disco das baleias ou o Fernão Capelo Gaivota. O disco foi um estrondo, sendo bastante atómico no lançamento da campanha Save the Whales. Quando a Christine Stevens, uma amiga grande de toda a bicharada aquática, apareceu para depor no Congresso aquando das audições para aprovar o Marine Mammal Protection Act, não disse palavra – só pôs a tocar o disco das baleias. Não muito depois, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, reunidinha em Estocolmo, dava os primeiros passos no sentido de acabar com a pesca das baleias no planeta. Em 1975, o Greenpeace, muito novito, pôs a tocar o Songs na sua primeira acção praticada no alto mar. O pessoal activista do Greenpeace enfrentou um navio baleeiro soviético e pôs-se o disco a tocar muito alto, no mar alto, graças a altifalantes megafónicos. Toma, russos! Em Janeiro de 1979, a National Geographic colocou o disco na edição desse mês e ano da sua revista. Dez milhões de cópias, a maior prensagem de um disco já alguma vez feita na História da Humanidade Terrestre. 10 milhões, ouviram bem. Outro feito importante para a Humanidade Terrestre, que diz muito ao amigo Rui Passos Rocha (bem-vindo ao Plantas Tristes), foi o Voyager Golden Record, liderado por Carl Sagan e uma cena também muito anos 70, quando um dos grandes veículos culturais era a Reader’s Digest, saudosas tardes de estio. O Senhor Sagan decidiu incluir uns minutinhos de baleias no famoso disco de oiro onde se encontravam inscritos tesouros da Humanidade, aquilo que de mais importante existia em 1977 no Planeta Terra e que foi colocado na sonda Voyager rumo ao espaço, que é escuro e infinito, posto que polvilhado de estrelas, muitas delas já mortas quando as vemos, que é coisa que nunca deixará de me espantar.
 
 


 
      Daqui a uns 40.000 anos, é o tempo que estimam lá pela NASA, alguém poderá encontrar a Voyager, pôr o disco a tocar e ter uma sensação parecida à dos marujos da polca nas Bermudas. No disco do Sagan, o som das baleias aparece ao lado da palavra «Olá», numa escabrosa acção de publicidade de uma famosa e gostosa marca geladeira, sendo a palavra «Olá» declinada em 60 línguas diferentes, lidas por 60 delegados das Nações Unidas (a ONU, à semelhança da Reader’s Digest, Neil Diamond, Fernão Capelo Gaivota, etc., é também uma cena muito anos 70). Depois aparece o Chuck Berry no disco da Voyagerm, que Carl Sagan define, vejam lá, como uma espécie de canção de baleias lançada espaço adentro. A música das baleias-corcunda também surge no Star Trek IV, de 1986, mas não vou cantar mais sobre isso pois é tempo de terminar.
 
 

         Termino: o que me deixa confuso nesta vida? Muita coisa. Mas das coisas que mais espécie me faz é a seguinte: a gente vai ao YouTube e as Songs of the Humpbcak Whale, que tiveram tanta fama e 10 milhões de cópias, só merecem umas modestíssimas e acanhadas 4.465 visualizações. Será que o people se esqueceu das baleias? Será que toda a gente ainda guarda e ouve em casa, num aparelho vintage, o vinyl de 1970, do Dr. Roger Payne? É incríbel, Decibel, como se diria em Guimarães, terra linda muito linda. Pois qualquer porcaria de um adolescente a arrotar ou da Floribela e do Djaló tem-me para cima de 50 mil pessoas a visualizar e, em todo o mundo, no Planeta Azul inteiro, a música estrondosa do cetáceo-marreco só me tem uns 4.465 audições, dos quais 4.238 foram feitas por mim? Mas que é isto, caraças, senhores? Pouca vergonha. Inspirai-vos, pois, nas canções das baleias que cruzavam oceanos. Sim, o REI Roberto Carlos, vestido de marujinho, com um toquezito Tom of Finland, tem 7.607.615 visualizações – sete milhões e seiscentos mil pessoas já ouviram aquilo (o Roberto), sem se aperceberem de que para ouvir aquilo teve de haver isto (o Dr. Roger). E tudo isto foi dito e escrito, aqui por mim, no dia 6 de Novembro de 2017, para agradecer a generosidade da Graça e do Marcos, que espero conhecer um dia. Como espero que oiçam o Roberto, um prodígio de kitsch que eu ADORO. Como espero que daqui a 40 mil anos alguém me leia este texto nos confins do espaço adentro. Como espero que todos os que o leiam, aqui nesta Terra, em Guimarães ou no espaço estelar, apreciem a inofensiva loucura e o infindo amor à vida e ao mundo que nele está. E que aqui vai para vós, Graça e Marcos. Em cada linha, em cada sílaba. Para vós, Graça e Marcos,
 
do António  
 
 

2 comentários:

  1. O texto é muito engraçado e o tema interessante, mas precisa de revisão, pois, tal como se apresenta, está prenhe de gralhas ortográficas e calinadas sintáticas, como "toma, Russos".

    ResponderEliminar
  2. Claro, obrigado, mas eram propositados (os erros) e deliberadas (as gralhas). Bem, na verdade não eram, estou aqui a desculpar-me sem razão alguma...

    Cordialmente, muito grato

    António Araújo

    ResponderEliminar