sábado, 21 de novembro de 2020

O primeiro diplomata português em Luanda: making of.





 

PRIMEIRO DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA: MAKING OF

 

 

I - ENTREGA DO ESPÓLIO

          – Em 15 de Abril de 2019, pelo meu amigo de longa data Francisco Teixeira da Mota (FTM), tendo em vista a publicação do Diário que o seu falecido irmão Carlos Teixeira da Mota (CTM) elaborara aquando do exercício de funções diplomáticas em Luanda. Tratava-se de uma pretensão conjunta da família e do Instituto Diplomático.

          – Espólio, à data, quase integral: três pastas de documentação encadernadas e uma pasta simples de Diários (desorganizada, parte dactilografada e parte manuscrita), dois dossiês de imprensa (um deles “blindado”, com a lombada presa por pregos e cola); posteriormente foram recebidos mais dois dossiês de imprensa.

          – Em 26 de Abril, envio do meu currículo para o Embaixador Freitas Ferraz, director do Instituto Diplomático.

 

II – PRIMEIRA APRECIAÇÃO DO(S) DIÁRIO(S)

          – Muito completos entre Junho de 1975 e a declaração de independência de Angola em Novembro desse ano.

          – Irregulares e escassos quanto aos meses de Dezembro de 1975 e Janeiro de 1976 (incluindo estadia em Lisboa).

          – Temas centrais abordados: i) instalação da embaixada de Portugal; ii) caracterização do ambiente em Luanda; iii) relatos sobre o êxodo de militares e civis; iv) problemática relativa à declaração de independência [proclamação e reconhecimento do Governo da República Popular de Angola (RPA)]

 

III – PRIMEIRA HIPÓTESE DE SISTEMATIZAÇÃO (EM 9 DE AGOSTO DE 2019, CENTRADA NA PUBLICAÇÃO DOS DIÁRIOS)

Divisão do texto em 3 Partes: Parte I – DIÁRIOS (edição integral), Parte II – IMPRENSA E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS (dia-a-dia, seguindo e completando estritamente os diários); Parte III – DOCUMENTOS (constantes das duas pastas de correspondência oficial e por ordem cronológica)

 

IV – A FEITURA DO LIVRO

Em 6 de Setembro de 2019 enviei ao FTM, por e-mail, dois anexos com o primeiro rascunho do livro, distinguindo: a)- rascunho de trabalho (organização) e b) o mesmo, mas com vastas anotações.

 

IV. a) Organização provisória (cinco hipóteses de título/capa): 1.ª Hipótese: O PRIMEIRO DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA (JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976); 2.ª Hipótese: DIÁRIOS DO PRIMEIRO DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA (JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976); 3.ª Hipótese: O PRIMEIRO ENCARREGADO DE NEGÓCIOS PORTUGUÊS EM LUANDA: JUNHO DE 1975- MAIO DE 1976; 4.ª Hipótese: VOU-ME QUEIXAR À HISTÓRIA DO QUE AQUI VI FAZER (LUANDA, JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976); 5.ª Hipótese: DIÁRIOS DE LUANDA:UMA DESCOLONIZAÇÃO DIFERENTE (JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976)

 

IV. 1) ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (Índice, com múltiplas anotações):

 

APRESENTAÇÃO

A cargo do FTM, Duarte Silva (DS) e Embaixador – texto conjunto, mas cada qual a tratar do seu pelouro

 

NOTA BIOGRÁFICA

Desenvolvida (FTM).

 

PARTE I – OS DIÁRIOS [por não haver um só, mas três, ou melhor, o Diário dividido em três (fases, períodos ou épocas)] e os dois “MEMORIAIS”  

A – Diário de Luanda (12 de Junho a 16 de Novembro de 1975) [ou: Diário 1]

1.    A editar tal e qual, só com eventual explicação de nomes e siglas ou abreviaturas, feitas no texto, mediante parêntesis rectos, ou em nota pé-de-página; há uns fáceis, outros difíceis, alguns talvez impossíveis.

2.    É necessário o texto em “word”. Já agora: o CTM reviu a versão dactilografada, e anotou à margem (por exemplo, “confuso”), não é verdade? 

 

B – “Angola, Minha Liberdade” (Novembro/Dezembro de 1975) [ou: Diário 2]

1.    Há um problema de “apresentação” desta fase (pois contém dois tipos de textos) e um problema de datação (por exemplo, algumas datas têm claras “gralhas”) em função do manuscrito, pois concluí que, neste “caderno” – e salvo no primeiro texto (de 20/11) –, o CTM colocou a data do escrito no termo do texto e não no princípio.

2.    Só vai até ao texto da “Véspera de partida…”, entrada (acho eu) de 21/12/75, data que, aliás, tem uns traços e riscos (não constantes do original) cuja razão não entendo.

3.    Também aqui é necessário o texto em “word”.

4.    Tal como no anterior “Diário”, gostava de saber quem fez as correcções e anotações ao texto que recebi, dactilografado.

C – Missão a Lisboa (Dezembro de 1975/Janeiro de 1976) [ou: Diário 3]

1. Foi para mim, “a grande revelação”: está aqui o essencial do livro que o CTM pretendia fazer, sobretudo metodologia e um “prefácio antecipado” sobre a descolonização (em função do qual pus a hipótese “provocadora” de o título do livro conter a referência à “descolonização diferente” no caso de Angola).

 2. Este “Diário” (melhor esta parte do Diário, “o Diário 3”, toda escrita em Lisboa) começa na entrada «Se em meia dúzia de palavras…» - que é nitidamente posterior à entrada de 21/12/75, como a letra e tinta do original confirmam.

 




D – Dois Memoriais: i) “Considerações” recomendando o reconhecimento do Governo da República Popular de Angola (de 26/12/75); ii) “A clarificação do processo político em Angola” (manuscrito, versão revista em 15/5/76)

1.    A designação “Memorial” é provisória.

2.    Encontrei a versão final das “Considerações” (sem título, nem qualquer outra identificação, mas rubricada), entregue ao Ministro dos Negócios Estrangeiros em 26/12/75, e datada de Luanda, 22 de Dezembro de 1975, na pasta Correspondência Oficial -1. É esta última versão que interessa.

3.    Quanto ao manuscrito “A clarificação…” é mais complicado: tem título original, está corrigido, datado, mas mais nada (está também na pasta Correspondência Oficial -1).

4.    Parece ter sido escrito em Portugal.

5.    Fiz uma versão dactilografada. Constatei então algo extraordinário: em 1976, o CTM fazia uma análise (previsão) do que viria a ser a tentativa de golpe de Estado, dirigida por Nito Alves, em 27 de Maio de 1977, ou seja, um ano depois!

6.    Pergunto-me qual a razão para ter ficado só manuscrito e ser desconhecido até agora. Note-se que a sua data (15/5/76) é a do encerramento da Representação Portuguesa em Luanda.

7.    Pode abrir-se uma nova Parte, juntando este dois textos à “Informação de Serviço” (confidencial, de 28 de Julho de 1976) [sobre o restabelecimento de relações diplomáticas com Angola], que refiro no fim da Parte III.

 



PARTE II – TECER O CONTEXTO (RECORTES DA IMPRENSA ANGOLANA)

1.    O dossiê é magnífico. Gostei de o tratar. Vi e revi, fiz e refiz.

2.    A grande questão é a da “ligação” do Diário ao contexto histórico, para efeitos de apresentação e leitura. Optei pela separação (alternativas: intercalar ou colocar ambos os textos “lado a lado”) e seguir o calendário (com a desvantagem de as notícias serem sempre posteriores ao dia do “Diário”)

3.    Consegui dispensar toda a bibliografia (tenho muita e, numa primeira fase, cheguei a recolher e consultar, mas não fui por aí) e não pus uma única nota! 

4.    Aceito sugestões e refarei segundo elas.

5.    Tive várias dúvidas, fui muito respeitador (dos recortes do CTM, incluindo as fotos e anúncios), aqui e ali havia recortes “descolados“ e tive de fazer opções quanto a certas datas, locais de publicação e, sobretudo, na ordenação.

6.    Sugiro que se o título desta parte for considerado inadequado, “limpa-se”.

7.    O uso do negrito pareceu-me adequado e muito visível (corresponde a títulos das notícias). Usei o itálico para destacar “momentos” (artigos, comunicados, declarações, entrevistas, etc.) mais relevantes, o que é, concordo, subjectivo. Fica a dúvida: terá ficado confuso, e será preferível eliminar tal destaque (itálico)?

 




PARTE III – CORRESPONDÊNCIA OFICIAL

           Dado o volume da documentação existente, impunha-se uma selecção estrita. A forma da publicação levantava várias dúvidas: Telegrama integral? No original? Fac-simile? Com títulos, sumariando a matéria do telegrama? Em sequência cronológica, como me parecia adequado e, de resto, correspondia às três questões selecionadas?

 

IV. 2) ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (desenvolvimento das três partes do livro, com anotações):

PARTE I – OS DIÁRIOS

Textos a inserir, tal e qual como no índice.

Prevejo que este conjunto (PARTE I) andará à volta de 40/50 páginas.

NB: Texto manuscrito, corrigido (letra do CTM, sem dúvida) que se encontra arquivado sem qualquer anotação ou referência (salvo a data manuscrita 15/5/76, em que aliás parece haver uma correcção quanto ao mês: estava 15/4/76 e, na correcção, passou a 15/5/76).  Note-se ainda que, curiosamente o texto encontra-se na Pasta “Correspondência Oficial – 1”, logo antes de um telegrama do CTM, datado de 15/Abril/76, e logo depois (ou seja, está intercalado) a um apontamento desenvolvido e manuscrito de uma conversa com seis tópicos que teve com R.A. (quem será?) e data de 16.4.76. Esse “enredo” fica para se ver melhor. 

Mais uma nota: a colocação das vírgulas… Que fazer?

 

PARTE II  – TECER O CONTEXTO (RECORTES DA IMPRENSA ANGOLANA)

Talvez 100 páginas, dependendo muito da “mancha”

[Enviei o texto integral redigido até essa data, só com base no Dossiê 1, pois na altura eu ainda não tinha aberto o Dossiê 2 e desconhecia a existência dos Dossiês 3 e 4. Portanto, não estavam ainda considerados os jornais relativos à declaração de independência. O dossiê 1 tinha interrupções e só recomeçava em 5/2/76]

 

PARTE III – CORRESPONDÊNCIA OFICIAL

Talvez 50 páginas, dependendo muito da forma de reprodução dos documentos

Divisões: A – Declaração de independência (relação de seis documentos, identificados por autor, forma, classificação e assunto); B - Reconhecimento do Governo (relação de vinte e três documentos, identificados por autor, forma, classificação e assunto); C – Estabelecimento e corte de relações diplomáticas (relação de vinte e quatro documentos, identificados por autor, forma, classificação e assunto)

 

IV. 3) ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (dois e-mails intercalares ao FTM):

 

           a)- E-mail de 22 de Setembro:

 

 

 

Nova versão (em anexo) da Parte III - Documentação oficial (alterando a versão de 6 de Setembro, e criando uma nova divisão sobre o restabelecimento das relações diplomáticas). Sumário abreviado para cada uma das 4 divisões, numeração sequencial dos documentos, e seu tratamento conforme os critérios adoptados em outras "Memórias" de diplomatas.

 

b)- No dia seguinte (e-mail, sem efeito útil, devido à sobreposição de textos):

Sugestão do envio do livro no estado actual ao Embaixador Freitas Ferraz, com a indicação de se tratar de uma primeira proposta e ainda incompleta.

 

 



 

IV. 4)ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (o “clique” triunfal: fazer um puzzle):

Na sequência, passei a trabalhar mais intensamente sobre os diários e os documentos e abri o dossiê 2 (até então “blindado”). Comecei a “ver o livro” e a pensar como poderia fazer uma apresentação coerente e legível das três fontes fundamentais e muito diversas, pondo as seguintes hipóteses: dispô-las em sequência ou dispô-las autonomamente nas páginas par/ímpar.

Mas, subitamente, descobri: o que resultava, e sobretudo o que resultava do programa enunciado pelo próprio CTM, era apresentar todo o livro em forma de puzzle!

Por isso, quando fui ao escritório buscar os dois novos dossiês de imprensa (Dossiês 3 e 4, entretanto descobertos pela viúva) comuniquei ao FTM:           a) a nova forma era tão importante e decisiva que até devia servir como subtítulo, constante da capa; b) ia refazer todo o livro, o que me demoraria mais de um mês.

 

 



IV. 5)A fase conclusiva, antes do envio para a editora

Em 13 de Dezembro de 2019 enviei o texto integral e todo refeito ao FTM. Este, em 16 de Janeiro de 2020 endereçou-a ao embaixador Freitas Ferraz nos seguintes termos: «Aqui vai o livro do meu irmão Carlos que o António Duarte Silva organizou. Creio que está muito bom mas fico à espera da sua opinião e das perspectivas da sua publicação.»

No início de Março reuni com a dr.ª Margarida Lages, Chefe de Divisão de Arquivo e Biblioteca, do Instituto Diplomático. Em resultado,  enviei-lhe depois a versão revista do livro, com uma apresentação mais curta e “incisiva”, a descrição do espólio autonomizada e eliminando a relação de documentação oficial. Encarregou-se então de contactar a editora com vista à publicação.

 




V – A EDIÇÃO

Em 16 de Setembro de 2020, a Dr.ª Margarida Lages fez-me chegar um e-mail enviado pela Catarina Homem Marques, das Edições Tinta-da-china, com algumas folhas da paginação para mostrar ao organizador, pois «tratando-se de um livro que vai exigir várias formatações diferentes», ajudava  saber se este estava confortável com a solução encontrada. Mais explicava que o paginador escolhera para os títulos uma fonte parecida com os telexes daquela época.

Respondi em 17 de Setembro: «A primeira apreciação é muito positiva e acho que as opções (alterações à minha formatação inicial) de estilo e tipo de letra são muito felizes. Mas as Partes subsequentes ainda são mais "complexas" e "arriscadas"...». Pedia também o envio da paginação completa para apreciação e revisão. Referia ainda que em conversa com o FTM destacáramos a mútua satisfação com a amostra e o processo de revisão, a sugestão (já antiga) da publicação de fotografias, e a remissão quanto à preparação da biografia do CTM.

Durante a segunda quinzena de Setembro e a primeira de Outubro, tratámos ambos do processo e normas de revisão, das duas biografias, da apreciação e aprovação da capa, e da colocação das fotografias seleccionadas. Da minha parte, o texto foi revisto três vezes: a primeira prova completa (texto em PDF pelo que a errata foi dactilografada à parte); a segunda prova sobre o documento (com as notas da Catarina e as minhas já transferidas); finalmente, a terceira e última revisão, em 16 de Outubro de 2020, perante as “Artes Finais do miolo do livro”.

 



VI – SÚMULA

A Parte Primeira assenta essencialmente no Diário, quando CTM, além de preparar a instalação da Embaixada de Portugal em Angola, exercia as funções de assessor diplomático do Alto-Comissário; por isso, é essencialmente existencial e descritiva do ambiente de Luanda, nos cinco meses anteriores à declaração de independência. Os acontecimentos mais impressivos são a “batalha de Luanda”, a substituição do Alto-Comissário, a evacuação dos repatriados, o início da guerra civil e o fracasso das diligências para um entendimento entre os Movimentos de Libertação.

A Segunda Parte é emocionante: descreve o processo de declaração de independência de Angola, que assumiu contornos pouco protocolares, dramáticos e bélicos.

A partir da Terceira Parte, a situação de CTM altera-se substancialmente: passa a ser o único representante oficial de Portugal, liderando os Serviços de Instalação da Representação Portuguesa e tendo de enfrentar o grave problema do reconhecimento do Governo da República Popular de Angola. Apenas acompanhado, institucionalmente, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, e, decisivamente, pelo Presidente da República e do Conselho da Revolução, Costa Gomes, defende o imediato reconhecimento do Governo da República Popular de Angola, redigindo sucessivos telegramas, elaborando documentos jurídico-políticos e deslocando-se a Lisboa para defesa das suas posições. Esta actuação corresponde à primeira intervenção efectiva da diplomacia portuguesa no conjunto da descolonização portuguesa, antecedendo a «sabedoria da diplomacia e da política portuguesa» que, já nos anos 90, irá marcar a independência de Timor.

As Partes IV e V incidem sobre o estabelecimento, corte e restabelecimento das relações diplomáticas, durante 1976. Quanto ao inicial estabelecimento de relações diplomáticas, proposto pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros em 23 de Fevereiro e só acordado pelo Ministro das Relações Exteriores em 8 de Março, tudo começou mal e acabou pior. Primeiro, Angola dificultou e minimizou a divulgação da correspondente mensagem portuguesa. Já acreditado como Encarregado de Negócios, CTM suportou imensas dificuldades na constituição e funcionamento da Embaixada. Subitamente, em 27 de Abril, recebeu um ultimato do Ministro das Relações Exteriores. Chamado a Lisboa para consultas já não voltou a Angola. Preparou, então, dois documentos históricos: o seu Comentário, datado de 15 de Maio de 1976 (dia do encerramento da Missão Diplomática Portuguesa em Angola), sobre o processo político angolano, em que, além do mais, analisou a relação de forças na conjuntura angolana e previu a (sangrenta) crise político-militar de 27 de Maio de 1977, em Luanda, e, depois, uma Informação de serviço, de 29 de Julho, em que desenvolveu o quadro político a seguir para o restabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e Angola.

Tudo visto, Carlos Teixeira da Mota foi contemporâneo do seu presente – o que é raro.

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António Duarte Silva






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