terça-feira, 29 de junho de 2021

A simplicidade luminosa das narrativas de Françoise Sagan.




 

Françoise Sagan (1935-2004) foi indiscutivelmente uma grande escritora, amada e execrada, muitos dos seus próprios colegas não lhe perdoavam a notoriedade ganha logo pelos seus primeiros livros, autênticos sucessos literários que percorreram continentes desde o fim da década de 1950 e que se mantiveram por mais meio século, o futuro dirá a consagração ou o esquecimento que está reservado.

Apreciei muito o seu romance Gosta de Brahms?, numa tradução revista por Augusto Abelaira, Bertrand Editora, dos primeiros anos da década de 1960. Aprecio o vigor, a simplicidade da redação, os riscos da trama: um casal quarentão, cosmopolita, ele insiste numa relação solta, ela anseia por estabilidade, sente os anos a pesar e inopinadamente entra em cena o elemento do triângulo amoroso, o que sairá mais danificado da História. É uma obra que prima pela economia do diálogo, pela limpidez do estilo, por tratar uma relação amorosa que é verdadeiramente pungente nesses anos em que já se consolidara a sociedade de consumo que ia urdindo relações líquidas e descontinuadas, Françoise Sagan abordou destemidamente a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos e faz convergir para a figura feminina, Paule, o sentimento de insegurança, os desejos contraditórios, será incumbida, na trama da obra, tomar decisões terríveis de afastamento, deixando um jovem no desespero, ciente, lúcida, pelo amor da sua vida, é um pretenso galã sem emenda. Veja-se como arranca a obra:

“Paule contemplava o rosto no espelho e analisava, uma por uma, as derrotas acumuladas em trinta e nove anos, não com o pavor e a acrimónia habituais em tais casos, mas com uma tranquilidade simplesmente atenta. Como se a pele morna que os seus dois dedos esticavam por vezes, a fim de acentuar uma ruga ou ressaltar uma sombra, pertencesse a outra pessoa, a uma outra Paule, apaixonadamente preocupada com a sua beleza e passando com dificuldade da categoria de jovem mulher à de mulher jovem: uma mulher que ela mal reconhecia”.

Há uma constante nesta atmosfera de tédio e solidão, Paule espera o seu amor de alguns anos atrás, Roger, ele gosta muito dela mas é um galã compulsivo, sempre a mentir para as suas escapadelas, jantam muitas vezes fora. Ele procura falar neutralmente de amores antigos, ela fala dos seus clientes, a sua profissão é de decoradora. Vai trabalhar para uma americana rica, Van den Besh, Roger deixa Paule em casa, ela irá remoer docemente, amargamente, a solidão sempre a acompanha. Em casa da americana conhece o filho da dita, Simon, que é vagamente estagiário no escritório de um conhecido advogado. Simon fascina-se com a figura de Paule, procede a um assédio matreiro:

“Contemplando Paule ajoelhada na montra, gostaria de nunca a ter encontrado nem visto assim através do vidro”. Convida-a para almoçar, falam das respetivas profissões, estão divertidos, veja-se como a tal simplicidade permite o entendimento que os envolve:

“Saíram juntos, ele tomou-lhe o braço e andaram um pouco sem falar. O outono invadia o coração de Paule com muita doçura. As folhas molhadas, avermelhadas, pisadas, grudadas umas às outras, misturavam-se lentamente na terra. Ela sentiu uma espécie de ternura por aquele vulto silencioso que a segurava pelo braço. Aquele desconhecido tornava-se por alguns minutos um companheiro, uma pessoa com quem se passeia numa alameda deserta, num fim de ano”. Simon declara a sua admiração, Paule está apressada, tem que voltar para os seus trabalhos de decoração. Entrara uma nova amiguinha na vida de Roger, Maisy, trocam-se primorosos diálogos de vacuidade, Roger irá protestar trabalho para se ausentar. Paul volta a casa de Madame Van den Besh, reencontro com Simon, pousou-lhe a cabeça sobre o ombro, Paule ouvia o coração dele bater violentamente e sentiu-se perturbada. E chega o convite para irem à Sala Pleyel ouvir Brahms. Era o género de perguntas que os rapazes faziam aos 17 anos. Irão os dois ouvir Brahms, depois tomam aperitivo e ele passa à ofensiva: “Você gosta de Roger, mas está só. Você está só no domingo; você janta só e provavelmente dorme só muitas vezes. Eu dormiria consigo, eu tê-la-ia nos meus braços durante a noite e beijá-la-ia durante o sono. Eu ainda a posso amar, ele não. Você sabe isso muito bem”. Ela levanta-se indignada e Sagan direciona-nos para o encontro de Maisy com Roger, depois Roger aparece em casa de Paule, inventa a sua viagem de trabalho a Lille, fala-lhe no concerto de Brahms, em companhia de Simon. Temos a primeira centelha de ciúme de Roger, e para acentuar a sua posição lembra-lhe a idade de Simon.

A arquitetura do romance ganha aceleração, Simon escreve uma carta que é uma autêntica declaração de amor, reencontram-se. A mãe de Simon organiza um encontro onde estarão presentes as três figuras do triângulo amoroso, Roger já não tem ilusões da paixão do jovem, afasta-se temporariamente de Paule, Simon aproxima-se e cuidadosamente Françoise Sagan potencia o estudo psicológico desta mulher de 39 anos, ela sente a oportunidade de encontrar ao lado de Simon o tempo perdido, os sonhos não realizados. Mas também não é ingénua, Paule não é livre, enfrenta um dilema, este passa pelo preconceito social de se entregar a um jovem de 25 anos ou abandonar o verdadeiro sentimento por Roger, sabendo que não encontra nele o anseio de ternura que ambiciona. É o pragmatismo que vai vingar, Paule decide reatar com Roger e Simon parte. Temos aqui um final pungente, digno de uma construção romanesca de páginas emocionantes que se podem ler com a frescura de quem pretende entender aqueles tempos de crescimento de um novo estilo de vida para tal fragilidade dos laços humanos:

“Paule sustinha-o nos braços, uma vez mais; sustinha a tristeza dele como havia sustido a felicidade. Não podia deixar de invejar-lhe a mágoa violenta, uma bela mágoa, uma bela dor, como ela jamais viria a sofrer”. Ele parte, ela grita por ele e lembra-lhe que caminha para velha. Paule fecha a porta docemente. Final mais terrível não podia deixar de acontecer:

“Às oito horas o telefone tocou. Antes mesmo de atender já sabia o que ia ouvir:

- Peço perdão – diria Roger –, tenho um jantar de negócio, virei mais tarde. Será que…. Enfim.”

Quando lemos obras inexcedíveis é porque elas nos implicam numa moralidade e ética de um dado tempo, estamos num pós-guerra que introduziu novas profanidades, libertou a mulher, gerou novos paradigmas no relacionamento humano, novas visões do relacionamento. É desse mundo que nos fala Françoise Sagan, de gente que procura estabilidade numa civilização que nos dotou de um estilo em que vivemos valores e crenças como se estivéssemos num supermercado, ao pegar e largar, um quadro de solidão onde já não há verdades sólidas. E é inegável que Françoise Sagan escreveu esse novo mundo com vigor e deslumbrante simplicidade, como atesta este romance que se pode ler como um clássico da modernidade líquida.


Mário Beja Santos








 

 


2 comentários:

  1. Bem, esta é uma daquelas recensões em que é impossível não ir a correr comprar o livro. Não consegui encontrar à venda novo, mas consegui um usado, obrigado caro Mário por estas pérolas!

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