quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Portugal, ascensão e queda, por Jaime Nogueira Pinto.

 

 

Foi devoto do salazarismo, acreditou piamente que Portugal ia de Minho a Timor, militou contra o ardor revolucionário, no ELP e no MDLP, reciclou-se, é doutor, sage, pensador e historiador, assume-se como nacionalismo irrevogável e nega a pés juntos que exista uma Direita em Portugal. O seu livro Portugal, ascensão e queda, Publicações D. Quixote, 2021, é uma 5ª edição com posfácio. Os textos de contracapa e da badana da capa são elucidativos do caráter ubíquo de uma narrativa acerca de uma nação singular, que é Portugal (resta saber se na comunidade internacional existe uma nação, uma só que seja, que não possua singularidade…).

Na contracapa, o ideólogo alerta-nos para o facto de ter desaparecido o Império Português vai para umas décadas como, século e meio antes, o Brasil conquistara a sua independência. Um outro ideólogo que seguramente Jaime Nogueira Pinto aprecia, Raymond Aron, escrevera um elogio sobre a Europa decadente, exatamente para contestar que os valores que o sage português entende caminharem para o ocaso. Porque o sage português dá como facto consumado a decadência da Europa e do Ocidente, advertência que não é novidade, os nacionalistas doutras precedências fazem-na regularmente, e muito antes de o Jaime Nogueira Pinto ter nascido. A possibilidade de sairmos desta decadência é posicionarmo-nos no mundo lusófono, nos tais povos e comunidades que emergiram do fim do Império. E escreve: “O lugar dos portugueses, que não se resignam à mediocridade mansa ou ressentida de tributários do Centro Europeu, pode também ser ao lado desses povos, erguendo a partir de um passado unido, sofrido, dividido, uma convergência futura”. E vamos agora ao texto da badana da capa, a linguagem é mesmo deprimente: “Arrastados, depois de Abril, para a mediania periférica da Europa e da Península, sem grandes projetos, os Portugueses enterram-se na insignificância, passando à mediocridade. É aí que estamos hoje, no comboio descendente da Europa, já sem sonhos de grandeza ou consciência crítica da pequenez”. E deixa-nos uma mensagem de Sibila: “Mas há uma Europa, também em queda mas consciente dela, que reage. Bem ou mal, por defeito ou por excesso, mas reage. E se o tempo ainda é de antítese, não tardará o tempo das sínteses. E para esse, todos não seremos demais”. O sapateiro de Trancoso não deixaria de lhe dar razão.

Para o sage, o caminho para a ascensão foi definido pelas Descobertas e a concretização do Império, houve sempre esta alteridade de apoio aos espaços ultramarinos a uma certa forma de sonho europeu. O sage é cultíssimo, cita com oportunidade, toda esta História acontecida e sancionada pela justiça dos factos, nos deve repor, com um novo look e uma nova natureza, a comungar com o mundo lusófono, e para termos perceção de que essa caminhada é inevitável vamos ter o seu olhar logo na fundação de Portugal, porque nos foi dada a oportunidade de virarmos as costas a Castela, começámos em Tânger, povoámos arquipélagos, descemos a África Ocidental, almejámos o Índico, houve para ali líderes de génio, como Almeida e Albuquerque, tudo somado e multiplicado vamos assistir a um processo de construção ideológica do Estado moderno em Portugal, gerarmos os nossos próprios mitos, caso do Sebastianismo, uma das provas insofismáveis de que o Nacionalismo Português está para durar, e convém não esquecer o Padre António Vieira e o seu V Império. Durante o Estado Novo também houve escritores cabalísticos como Jaime Nogueira Pinto, recordo Manuel Anselmo, Costa Brochado, Manuel Múrias, João Ameal, mas há mais, qualquer um deles podia escrever este parágrafo como Nogueira Pinto:

“O gesto de D. Pedro, ao coroar D.ª Inês rainha depois de morta, fazendo justiça poética ao que não se cumprira em vida, era um prelúdio político-amoroso da espera sebástica que, depois das Descobertas e de Alcácer Quibir, fora sendo, por negação ou afirmação, um traço constante na identidade portuguesa. O cumprimento do que não fora, mas que podia ou devia ter sido, do que fora começado, mas injustamente interrompido ou contrariado neste mundo, era projetado para um mundo futuro, um mundo que só após a derrota ou a morte podia conhecer a ressurreição, espécie de segunda vinda gloriosa”.

Indo por aí fora, sempre com esta guerra entre atlânticos contra continentais, iremos chegar ao liberalismo, a independência do Brasil e a gesta africana, a ocupação, o tempo de Mouzinho e de Alves Roçadas, sabe-se que os republicanos jacobinos até nos meteram na guerra para defendermos o Império, e chegou o momento avassalador, uma questão nevrálgica para Nogueira Pinto: demonstrar por A mais B que Salazar jamais foi fascista, que até temos tradições de autoritarismo em Portugal, o Estado Novo foi uma resposta a uma crise profunda, Salazar foi um pragmático conservador, poupou-nos a guerras calamitosas e manteve-nos orgulhosamente sós, quando ele deixa o poder, diz Nogueira Pinto, “a guerra de África, analisada quer na sua influência na vida das pessoas, quer nas suas consequências na economia nacional, não levava a esperar o desfecho que, em menos de seis anos, se iria verificar: internamente, a guerra entrara numa espécie de rotina e as baixas em campanha eram modestas para os efetivos envolvidos”. O que se seguiu foi resultado da falta de mobilização política e social, Caetano queria e não queria, o regime esbarrondou-se, e o autor volta a questões sobre as quais já escreveu muita tinta sobre as esquerdas e as direitas, o abandono puro e simples do Ultramar como forma de contrariar a política de Salazar. E assim chegámos à queda, a este viver sem sonho e sem glória, que ele apostrofa, vivemos na ordem inversa das caraterísticas da identidade portuguesa, estamos na mediocridade, em suma.

Era expetável que no anunciado posfácio ficássemos a saber mais, acabamos por ficar à espera, não se sabe bem qual é a Europa que está a reagir e como é que nós vamos entrar neste tempo de sínteses. Há quem se leve muito a sério e se mostre manifestamente incapaz de entender que o charlatanismo pode ser uma boa vitualha para os saudosistas, mas não passa pelo polígrafo. Afinal não deixamos de sonhar, continuamos a ser inclusivos, melhorámos todos os indicadores da qualidade de vida e se não há sonho sem resiliência, continuamos a sonhar com a equidade, os direitos humanos e uma outra ascensão que é andarmos espalhados pelo mundo, em tolerância, indiferentes aos amargores nacionalistas.


Mário Beja Santos

 



 

 


2 comentários:

  1. Ignorando um pouco a extensão barroca deste poste, eu diria que JNP é um dos poucos políticos que, com Adriano Moreira, sabe pensar a Direita com coerência, inteligência e originalidade criativa. O que não é coisa pouca, perante o pobre panorama reinante.

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  2. Acredito que seja um livro com uma narrativa muito interessante de ler.
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    Abraço e/ou beijinho.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos

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