quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Nazis do círculo privado de Hitler que triunfaram no Pós-Guerra.

 


 

Há obras que têm a felicidade de estampar contracapas que sintetizam brilhantemente o que pode interessar ao leitor. A do livro Nazis Que Triunfaram, por Éric Branca, Casa das Letras, 2022, possui um elevado poder de esclarecimento, como se segue:

“Em 1968, o chanceler alemão Kurt Georg Kiesinger foi esbofeteado em público, perante as câmaras da televisão, por uma jovem e atraente caçadora de nazis chamada Beate Klarsfeld. O momento seria o princípio do fim da carreira de um dos muitos cúmplices de Adolf Hitler que, apesar do seu currículo maldito, triunfaram de forma retumbante no Pós-Guerra. Mas, ao contrário de Kiesinger, denunciado nesse instante de vergonha pelos seus antecedentes sombrios, muitos outros destacados nazis mantiveram-se impunes e não encontraram obstáculos à sua ascensão, fosse na própria Alemanha, fosse em países vencedores do conflito como os Estados Unidos. Reinhard Gehlen, criminoso de guerra e responsável pela inteligência militar na frente Leste, fundou e dirigiu os serviços secretos da República Federal Alemã. Adolf Heusinger, chefe de operações no alto comando das forças armadas de Hitler, alcançou a presidência do comité militar da NATO. Ernest Achenbach, grande angariador de fundos para o Partido Nacional-Socialista e organizador do saque à economia da França sob ocupação, esteve à frente da comissão dos Negócios Estrangeiros do parlamento germânico e chegou até a ser indicado para comissário europeu. Rudolf Diels, primeiro chefe da Gestapo, membro das SS e figura envolvida no incêndio do Reichstag em 1933, acontecimento decisivo para consolidar o poder nazi, foi contratado pela CIA como caçador de comunista. Otto Skorzeny, protagonista de numerosas operações especiais rocambolescas, entre as quais o rapto de Mussolini de uma fortaleza inexpugnável, tornou-se espião ao serviço de Israel, personificando uma das reviravoltas mais insólitas e irónicas deste conjunto de figuras. E há ainda os casos de Albert Speer, Wernher von Braun e Friedrich Paulus, entre outros militares, políticos e espiões que ocultaram o seu currículo manchado de sangue para renascer das cinzas do Terceiro Reich ou que, bem pelo contrário, se serviram precisamente da experiência adquirida no regime nazi para triunfar num tempo que estende os seus tentáculos até aos dias de hoje, de forma frequentemente inesperada…”

Trata-se, pois, de um reportório sinistro. Logo o controverso Albert Speer, ministro da Produção e do Trabalho, bom ator no julgamento de Nuremberga, passou de acusado a testemunha, com tiradas de arrependimento, independentemente de ter satisfeito todos os delírios arquitetónicos de Hitler, esteve à frente de milhões de escravos, trazidos dos países derrotados, grande parte deles morreram de fome, frio, esgotamento e doenças variadas, comprovadamente andou ligado à economia de guerra alemã, às armas secretas e às tecnologias avançadas. Walter Schellenberg, inequivocamente ligado ao trabalho de garantir segurança dos territórios conquistados na URSS, o que se traduziu em operações de liquidação avaliada em meio milhão de mortos, ligado também a um processo de intoxicação junto de Estaline, fazendo constar que o marechal Tukhachevski, um dos principais organizadores do novo Exército Vermelho teria tido contactos com serviços secretos alemães para depor o senhor do Kremlin, falsificou papéis e preparou uma das purgas mais horrendas associadas a Estaline. Por curiosidade, este senhor veio a Lisboa numa missão não concretizada de raptar o duque de Windsor. Concluído o processo de Nuremberga ainda teve outras acusações, foi condenado a seis anos de prisão, beneficiou de um indulto médico. Reinhard Gehlen, antigo chefe do serviço de informações militares para a frente Leste, entregou-se prudentemente aos norte-americanos, tinha muito a contar o que estes precisavam para o início da Guerra Fria, teve todas as facilidades para voltar a montar uma rede de informações, armas secretas da NATO, será posto à frente dos serviços secretos alemães. Rudolf Diels, o inventor da polícia política nazi, foi uma figura fundamental para arquitetar que um comunista holandês lançasse algum fogo no parlamento alemão, graças a esse incêndio tornou-se legal a ditadura de Hitler, o qual lançou todos os seus opositores na prisão e tornou o regime nazi doutrina oficial. Diels esteve ao serviço do governo militar na Alemanha, era ele que vigiava os membros do Partido Comunista da Alemanha e que levou à ilegalização do partido. Otto Skorzeny era tratado pela imprensa de língua inglesa como “o homem mais perigoso da Europa”, distinguido por Hitler com a condecoração de cavaleiro da cruz de ferro com folhas de carvalho, trabalhou a Sul dos israelitas, possuidor de um currículo invejável ao serviço da Alemanha nazi, foi homem de negócios em Madrid, trabalhou para a CIA. Ernest Achenbach especializou-se em pilhagem, foi mandatários dos interesses económicos alemães em tempos de guerra, advogado dos cartéis do Ruhr e de criminosos de guerra, parecia que ia ser colocado em Bruxelas em tempos de CEE, foi desmascarado, levou até ao fim uma próspera carreira de advogado em representação dos cartéis que servia fielmente desde 1933.

O leitor tem aqui os aliciantes para ficar suficientemente desorientado para saber como se escolheu um chanceler com palmarés dedicados ao nazismo, como o ministro das Finanças de Hitler encontrou uma solução para salvar o marco no auge de uma hiperinflação, como foi um leal colaborador de Hitler na chamada recuperação económica, absolvida em Nuremberga, embora o procurador adjunto francês tenha dito qual o seu papel maquiavélico no regime nazi: “Este homem nefasto soube agrupar em sua volta para os conduzir a Hitler todos os poderes financeiros industriais pangermanistas, que ajudou Hitler a apoderar-se do poder, que com os seus artifícios financeiros dotou a Alemanha da máquina de guerra mais poderosa da época…”, pois bem, no Pós-Guerra foi um banqueiro altamente conceituado e quando morreu em 1970, com 94 anos, vieram muitos embaixadores da Ásia, da África, da América Latina ou do Médio Oriente para assistir às suas exéquias. E não menos perturbador é a história de Adolf Heusinger, que chegou ao topo da NATO, foi encarregue de preparar no maior segredo a invasão da união soviética, bem como os aspetos práticos da sua ocupação, acusado pessoalmente de massacres, soube reciclar-se, entregou aos norte-americanos a sua vasta documentação acerca do poder militar soviético. O marechal Friedrich Paulus, derrotado á frente do 6º exército em Estalinegrado, em 30 de janeiro de 1943, serviu depois os interesses da RDA/URSS, parece que se sentiu muito feliz por ter colaborado com os novos senhores da Alemanha de Leste. Mas o leitor encontrará mais histórias, basta pensar em von Braun, o cientista prodígio dos alemães que se notabilizou nos EUA ao serviço da corrida aeroespacial, os seus protetores democráticos jamais referiram que ele era o pai das bombas voadoras V1 e V2 que ainda aterrorizaram os ingleses. Coisas da História…

Uma leitura fascinante, que nos deixa atarantados como as democracias e as ditaduras se serviram sem pejo de grandes colaboradores de Hitler e dos seus crimes. 



                                                                Mário Beja Santos

 


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