terça-feira, 12 de maio de 2015

uma espécie de amor.








Uma selfie com o patrão
Que eu saiba, a imprensa portuguesa, e até a estrangeira, não deu a devida importância a este fenómeno de massas, muito mais importante do que as eleições no Reino Unido. Eleições no Reino Unido fazem-se há muitas décadas e continuarão a fazer-se por muitas décadas, assim haja reino e ele permaneça unido.
Coisa diferente é meter 6.400 chineses na Promenade des Anglais, em Nice. Foi o que fez Li Jinuyan, um multimilionário chinês de 57 anos, cujo nome consta da Forbes, naquela lista do people that has more nartel or guito all over the world. Para comemorar o vigésimo aniversário da sua empresa, a TIENS, o Sr. Li levou mais de metade dos empregados até ao sul da França. Como convém numa sociedade sem classe, os executivos ficaram nos hotéis mais luxuosos enquanto o resto da populaça ordeira – ou seja, o operariado –  pernoitou em estabelecimentos de 4 ou mesmo 3 estrelitas. Ao todo, encheram 140 hotéis, numa operação que custou qualquer coisa como 13 milhões de euros (fora o que cada um gastou nas lojas, que foi à labúrdia). Para agradecer ao patrão, a manada compacta fez um número North Korea em saudação à empresa-mãe, a TIENS.
A TIENS é uma empresa complicada, com muitos problemas (mais ou menos como a TAP, mas sem greves). Em 2007, segundo parece, defraudou milhares de tibetanos num esquema de investimentos em pirâmide. Enganar tibetanos é uma especialidade chinesa, mas a TIENS avançou noutra frente, também muito desbravada pelo Império do Meio: a África, misteriosa. No Continente Negro, dizem, a TIENS enganou os incautos vendendo-lhes produtos de medicina tradicional chinesa que supostamente curavam o cancro ou a SIDA.
Nada disto, como é evidente, impediu as autoridades francesas de receberem de braços abertos esta multidão caída dos céus, um maná em forma de formigueiro humano que aterrou em aviões fretados oriundos da China, da Rússia e até do Quénia. Os responsáveis pelo turismo da Côte d’Azur rejubilaram e várias lojas de artigos de luxo fecharam as suas portas apenas para receber esta multidão sumptuária e gastadora.  
A aglomeração de gente na Promenade des Anglais, perfilando-se disciplinadamente como um batalhão de consumidores, é uma bela metáfora do nosso tempo. «The feedback has been extremely positive», referiu, em anglais, o responsável pelo Turismo de França, o Sr. Christian Mantel.
 
 
 
 
Desengane-se, porém, quem julgar que  a grandeza é um exclusivo chinês. Tomemos o exemplo de Salvador Rodrigues Gama. Sim, Salvador Gama, um caso paradigmático de grandeza humana (com certos laivos de culto da personalidade). Na sua página pessoal na Internet, o Sr. Salvador apresenta-se, nada mais, nada menos, como «columbófilo de prestígio que possui pombos desde o ano de 1947». Isto, sim, é um trabalho bem feito no universo da columbofilia. Pois o trabalho dá frutos e Salvador Gama pode, com galhardia, apresentar os seus créditos. Desde 1950, Gama já arrecadou mais de 50 títulos de campeão nas mais prestigiadas sociedades columbófilas, tais como e a saber:
− Lever (1100 pombos)
− Crestuma (800 pombos)
− Argoncilhe (750 pombos)
− Mafamude («quando esta era conhecida como a “universidade columbófila”», onde meteu duma assentada 1.500 pombos académicos);
− Lobão (2800 pombos, uma brutalidade)
− Sanguedo (2200 pombos)
− Vila Maior (em dublagem)
Um tudo-nada vaidoso, o Senhor Gama proclama ainda ser, em letras garrafais, «CAMPEÃO DISTRITAL DE FUNDO DO DISTRITO DO PORTO» e «CAMPEÃO DISTRITAL DE FUNDO DO DISTRITO DE AVEIRO».
É, portanto, entre a nata de Lobão e a catedral de Mafamude que Salvador Gama estende o seu império pombeiro. É comovente pensar que tudo isto começou com um animal, «o célebre 750». O famoso 750 ganhou mais de 20 prémios e sagrou-se campeão nacional. Mais: dos reprodutores do Senhor Gama, 80% são da linhagem do 750.
Além do famoso pombo 750, Salvador Gama chegou onde chegou (isto é, ao topo) porque caminhou aos ombros de gigantes, para usar as palavras de Isaac Newton, outro nome grande da columbofilia. Ele próprio o reconhece: o Ramalho, o Neca Trinta, o Neca Cunha, o Neca Batata… Sem eles, Salvador não seria quem é: o pai-fundador da columbofilia leverense. Até de Minas Gerais, no Brasil profundo, afluem mensagens de homenagem a este Homem, preitos de gratidão vindos de gente humilde e columbófila que tem nos seus pombais exemplares da linhagem do 750. Fábio Chagas,  devoto de Salvador, apelida-o de «um mito da columbofilia mundial».
 
 
 
 
Agora, uma história que fica para a História. Um episódio, contado pelo Mestre, que define o seu carácter, a sua atitude proactiva (e retroactiva) no adestramento do pombo-correio. A vossa atenção:
(fim de citação).
A concluir, o melhor de tudo, o epílogo exemplar. Respeitado mundialmente, com pombos nos confins do Brasil, Salvador Rodrigues Gama foi um dia contactado por um empresário chinês. Não sei se foi aquele que levou os empregados  à  França ou se foi um das Três Gargantas, não interessa. Um dia, Salvador Gama foi contactado por um chinês. Ofereceu-lhe este 25 mil euros por um pombo-campeão. Certamente o animal seria um descendente do famoso 750. Por 25 mil euros, seria, sem dúvida, um bicho de grande valia e raça. Talvez a Topo da Gama, uma «supercampeã voadora a fazer História como reprodutora, mãe de pombos a ganhar todos os níveis em todas as distâncias».
 
 
http://www.cicpigeons.com/en/node/7757
 
 
 A Salvador Gama deram 25 mil euros por um pombo. Muito dinheiro, dava para ir a França e voltar. Mas Salvador não vendeu. Ao contrário dos emplumados de Nice e da Promenada dos Ingleses, Salvador foi firme, valoroso, resistiu ao vil metal. Em Crestuma-Lever pode haver muita porrada entre as aldeias, mas ainda há gente com dignidade na cara. Com  povo assim, até dá gosto ser pombo. 
 
 
À memória do grande 750




António Araújo

   

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