terça-feira, 22 de março de 2016



impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 83 - PAT METHENY
 



Fotografia de Marek Dudek (1985)
 
 
 
Ouvindo as edulcoradas e amáveis produções musicais do mais recente Pat Metheny, que, em abono da verdade, têm merecido todo o apreço do público do jazz, ratificado pelos sucessivos sufrágios da Downbeat a pontificarem o seu nome no topo da lista dos escolhidos, pouco se adivinhará que debaixo da toga senatorial tão comodamente envergada pelo guitarrista, palpitou um coração musical abrasado e díspar.
         Guitarrista sem mestre – identificar no seu estilo acordes de Jim Hall e de John McLaughlin, é dizer que o condimentou com azeite e vinagre – Pat Metheny teve idade para iniciar a carreira na época menos entusiasmante do jazz, nessa década de 70 em que a corda se esticava entre a fusão e o free, com pouco quartel para quem não se extremasse. À maneira desses tempos, Metheny não prescindiu de eletrificar a sua guitarra, mas fê-lo com circunspecção, de forma a não perder uma certa reverberação acústica, esbatendo a sonoridade histriónica e clamorosa que predominava em instrumentistas mais radicais, ou em ruptura mais acentuada com a tradição do jazz.
Talvez seja delírio, ou talvez não, ouvir na música de Pat Metheny evocações do horizonte expandido e do céu muito ancho do seu Missouri natal. Terá sido, precisamente, esta harmonização de índole paisagística ou contemplativa que distinguiu a sua personalidade musical como um campo de placidez por entre as barulhentas tendências de então. Se tais particularidades lhe permitiram que desde a sua primeira publicação (“Bright Size Life”, 1976), e durante quase 10 anos, tenha sido acolhido pela ECM, ou se a editora o adequou à sua feição, talvez não importe tanto como reparar que Pat Metheny foi um dos fundadores e esteios (com Keith Jarrett) do característico “som ECM”
Estava-se nestes conformes, que não eram maus de todo, bem pelo contrário, quando Metheny decidiu mudar de bordo. A aventura recebeu o nome de “Song X” e consistiu na surpreendente reunião do guitarrista com Ornette Coleman.
 


 
Song X
1985 (2005)
Nonesuch - 7559799182
Pat Metheney (guitarra, sintetizador), Ornette Coleman (saxofone alto, violino), Charlie Haden (contrabaixo), Jack DeJohnette (bateria), Denaro Coleman (percussão).
 
Entre o jovem que nunca perdera a pose de rapaz do midwest (que em português snob se poderia designar por “saloio”) e o veterano dos heróicos e vanguardistas tugúrios de Nova Iorque, que mais urbano não se acha, noivos de linhagem tão dissonante, houve um casamento de conveniência? Sim, se a expressão não for levada a mal. A Pat Metheney convinha demonstrar que nele havia outro génio que não apenas o de ser tecnicamente impecável, melodicamente delicado e formalmente respeitoso. Ornette Coleman, que desde a sessão de 1971, donde saíra o disco “Science Fiction”, se apartara de Don Cherry, pungia-o a comum, mas sempre desagradável, realidade dos percursores, de em 1985 já não ser recebido como inovador; ansiava por dizer que era capaz de franquear itinerários musicais transitáveis por intérpretes de estirpe muito desigual à sua.
“Song X” constitui, assim, um dos encontros mais improváveis e temerários da história editada do jazz – óbvio é que se tivesse corrido mal, hoje não seria recordado. Agravava o caso o facto de que juntar um professante do jazz de fusão e um cardeal do free, no ano da graça de 1985, ou seja, quando o “restauracionismo” de Marsalis, que contra ambas estas correntes se levantou, pilotava a todo o pano, só podia ser entendido como repto.
Em “Song X” guitarrista e saxofonista puseram-se tão à vontade como se fazia nas clássicas jam sessions, sucedendo, assim, que pelo meio de improvisos ferozes, velocidades meteóricas e de sintonias comungantes, se ponham a brincar.  Tais momentos de burlesco – raríssimos no jazz – são deveras engraçados e não apenas meras facécias, porque discrepam da austeridade de sobrancelha franzida e do lirismo de olhos em alvo, que se imputavam às imagens, respectivamente, de Coleman e Metheny – é um caso sério de amor-próprio e maioridade que músicos deste entono não tenham medo do ridículo.
Desde “Song X” até hoje, Pat Metheny nunca mais foi escutado da mesma maneira, mesmo que daí em diante o guitarrista tenha regressado ao meio do rio em que paulatinamente fluía a sua música. Em resposta ao dilema dos seus apreciadores, e para enfatizar que não rogava amnistia pela façanha, nem a desculpava como irreflectida, Metheny restaurou a obra com primoroso cuidado numa nova edição, em 2005, que não se limitou a acrescentar o que da sessão de estúdio ficara de fora no vinil de 85, ou a remasterizar os defeitos da gravação um pouco apressada. Bem pelo contrário, colou à cabeça “Police People”, peça que havia sido preterida, obrigando-nos a ouvi-la como prelúdio da liberdade sonora e da sua boa ordenação, que destacam “Song X” de toda a regularidade.
Oxalá Pat Metheny voltasse a este lugar mais vezes.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 

2 comentários:

  1. Mais um com namorada portuguesa segundo me constou e daí as suas muitas viagens a este covil.Gosto também da fase soft como por exemplo o disco com o Charlie Haden sobre temas latinos.

    ResponderEliminar
  2. Metheny e Haden fazem verdadeiramente uma dupla de génio.

    ResponderEliminar