sábado, 10 de março de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 22

 
 



 
 

21.
 
         A figuração das ondas na obra de Katsushika Hokusai – em A Grande Onda, em particular – tem aproximações nos trabalhos de outros mestres da xilogravura japonesa, de que se poderá destacar, pela sua importância e popularidade, Utagawa Hiroshige (1707-1858).
 
         Criador prolífico, autor de mais de 4.500 gravuras e de ilustrações para cerca de 120 livros, Hiroshige tem a sua opus magnum em Cem Vistas Famosas de Edo (de que existe uma edição completa da Taschen, da autoria de Melanie Trede e de Lorenz Bichler), realizada no período final da sua vida, terminada abruptamente aos 68 anos, provavelmente em virtude de uma epidemia de cólera.
 
         Mais do que saber se Hiroshige foi directamente influenciado por Hokusai, o que interessa salientar é a flagrante semelhança de algumas obras suas com as do autor de A Grande Onda, podendo citar-se a esse propósito a xilogravura Remoinhos de Naruto na Província de Awa, integrada na série Vistas Famosas de Mais de 60 Províncias, de circa 1853, de que existem cópias, por exemplo, no Victoria & Albert Museum, em Londres, e no Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque (aqui)
 
 
Metropolitan Museum of Art, JP 1198
 
 
         Note-se com a onda que se ergue sobre um rochedo, à esquerda, tem, sobretudo na sua crista espumosa, semelhanças com as garras ameaçadoras de A Grande Onda, ainda que a imagem não possua, de forma alguma, o dinamismo e o movimento da obra de Hokusai. O facto de Hiroshige desenhar uma onda sob forma de nuvem ou copa de árvore (vermelho, na imagem), ao invés de figurar a crista da onda formando um semicírculo ou uma linha curva, retira força expressiva ao conjunto, a ponto de o pedaço de espuma que se descobre de trás da rocha parecer imóvel (amarelo, na imagem).
 
 
 
         Este efeito não ocorre noutra obra, O Mar em Satta na Província de Suruga, de 1858-1859, descrita aqui, em que a onda e a árvore emolduram o mar revolto, sendo esse a personagem central da gravura, mais do que a vaga que se forma num ponto situado fora do enquadramento da imagem. Aqui a espuma das ondas adquire um aspecto arbóreo, vegetal, assemelhando-se a uma folhagem branca.
 

Museu Britânico, 1902,0212,0.396.25
 
 


 
         O diálogo com o Monte Fuji, também presente em A Grande Onda de Hokusai, é patente na gravura A Costa de Hota na Província de Awa, de 1859, sendo aqui apresentada a cópia existente no Museu de Arte de Honolulu (aqui).
 

 

 
         Todavia, mais do que recensear as representações marítimas na obra de Hiroshige, interessa realçar o modo extremamente inovador como o ilustrador japonês desenvolvia a perspectiva nas suas imagens verticais, colocando um detalhe em primeiro plano, de forma exuberante, quase exagerada e pueril, como se a exploração deste novo recurso imagético, importado do Ocidente pelos artistas do período Edo, adquirisse contornos lúdicos ou voluptuosos.
 
Sem preocupações de identificação da origem das imagens (que podem ser encontradas em obras de divulgação, tais como Hiroshige, de Janina Nentwig, Köbemann, 2016), procura chamar-se a atenção, sobretudo pela sua proximidade à obra de Hokusai e ao seu trabalho da perspectiva, para o lugar ocupado nas criações de Hiroshige por cavalos, falcões, sombras à lua-cheia, pilares de pontes, lanternas e peixes de papel, aves e tartarugas, com vista a aumentar a sensação de profundidade e seduzir o olhar de um público para quem esta forma de representação da realidade era nova e surpreendente. A dimensão comercial dos trabalhos do «mundo flutuante» dificilmente pode ser sobrevalorizada.  

 
 
 
 
 

 
 

 


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