terça-feira, 29 de abril de 2025

Usbequistão, encruzilhada de civilizações (25).

 

 

 

 

Concluo hoje esta série de crónicas suscitadas pela minha visita ao Usbequistão, país pouco conhecido, mas cheio de interesse e desafios.

Um aspecto que achei curioso e que é transversal às várias cidades aqui mencionadas, é encontrar em cada local fluxos de turistas de outros países da Ásia Central. O que proporciona sempre fotos interessantes que deixei para o final.


 

 

 

 

A terminar, deixo algumas reflexões sobre a economia do país e a geopolítica da Região.

A economia usbeque baseou-se durante muitos anos na produção intensiva de algodão. No período soviético, os órgãos de planeamento económico fixaram metas extremamente exigentes para a produção que levaram a consequências ambientais dramáticas. O caso mais conhecido é o do Mar de Aral que está hoje reduzido a cerca de 10% da área que tinha cinquenta anos antes.

Além das disfunções ambientais por si provocadas, a cultura do algodão desenvolveu-se, até recentemente, com apoio desmedido de trabalho escravo e infantil.

Hoje há um esforço para diversificar a economia através do ouro e dos produtos petrolíferos. Também através de privatização.

O Produto Interno Bruto per capita não atinge ainda 3000 dólares.

Mas a cultura do algodão continua bem presente:

 

 

  

Durante o Século XIX, a Rússia conquistou toda a Ásia Central, instituindo um regime de tipo colonial, assenhoreando-se de extensas áreas agrícolas, estimulando a cultura do algodão e interligando os territórios através de uma rede de caminhos de ferro.

A revolução bolchevique não renegou em nada este sistema. Antes o actualizou através da política soviética das nacionalidades e da instituição das repúblicas socialistas soviéticas, processo conduzido por Estaline.

O embaixador francês Pierre Andrieu, antigo embaixador da França em Moscovo, analisa estas realidades num artigo muito interessante publicado pela Fundação Robert Schuman, intitulado Um actor ainda demasiado desconhecido na Europa: a Ásia Central, analisa com profundidade esta realidade.

Refere que a Federação Russa mantém uma forte influência na Região, nomeadamente através do facto de a língua russa se manter como língua franca na Região.

Não obstante as organizações de segurança colectiva terem perdido relevância desde a invasão da Ucrânia, Putin quer manter a sua influência na Região. Andrieu faz uma estatística dos contactos telefónicos entre o Presidente da Rússia e os presidentes dos países da Ásia Central no ano e meio que se seguiu à invasão d Ucrânia. Falou 16 vezes com o Presidente do Usbequistão, 10 com o Presidente do Cazaquistão, 6 com o Presidente do Tadjiquistão e 5 co0m o Presidente da Quirguízia e o Presidente do Turquemenistão. Revela a relevância do Usbequistão.

Estes países têm conseguido manter um equilíbrio no filho da navalha sem condenar nem a Rússia nem a Ucrânia. Até quando?

Temur Umarov, do Carnegie Russia Eurasia Center, escreve em 2024 que os países da Ásia Central procuram um equilíbrio entre a Rússia, a China e o Ocidente, conciliando uma cooperação com a NATO com uma presença nos desfiles do 9 de Maio em Moscovo e a permissão de bases nas fronteiras da Polícia Popular Chinesa.

O Usbequistão ousou não aderir à Comunidade Económica Euro-asiática mantendo-se apenas como associado não obstante as fortes pressões russas.

O Embaixador Andrieu conclui, talvez de forma optimista, que a Ásia Central se transformou num actor autónomo e activo na cena internacional. Conscientes da sua localização complexa, reencontrando progressivamente o seu passado glorioso, os cinco países tentam libertar-se com cuidado da dupla pressão de Moscovo e Pequim e aplicar uma diplomacia que atraia outras potências. Com um certo sucesso até agora.

Uma coisa é certa: a Região deixou de ser uma terra incognita.

Obrigado pelo vosso interesse por estas 25 crónicas.

 

 

                                         Fotografias de 3 de Outubro de 2024

                                                                               José Liberato




10 comentários:

  1. Muito obrigado José Liberato por essa interessante série de artigos que nos apresenta um país pouco conhecido no Ocidente, mas muito curioso sob vários aspectos.

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    1. Caro Rubem Amaral Jr.,
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      Liberato

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  2. Obrigada nós, por partilhas tão interessantes. Não há dúvida que, cada patilha, nos nos deixa sempre mais ricos culturalmente.

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    1. Cara Otília,
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      José Liberato

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  3. Um série apaixonante! Grato pela sua partilha.

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  4. Estas crónicas, como outras que nos ofereceu, foram tão subtis como tão gritantes para nos dar a conhecer Países com as suas culturas e diferenças sem nunca fazer juizos de valor. Uma actitude dificil mas bem conseguida, e própria de um "Viajante do Tempo".
    Parabéns

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  5. Estimado Nunes Liberato, não consigo deixar de o desafiar a atrever-se a dar este conhecimento e esta visão multicultural na forma de um livro para que mais pessoas possam reflectir, por um lado, na sua conduta sensata e humanista perante a diferença e ao mesmo tempo "divulgar o conhecimento das diversidades humanas".

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    1. Caro José Pastor,
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      A questão do livro já tem sido levantada mas tenho resistido...
      José Liberato

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  6. Gostei de ler as crónicas. Como conheço um pouco do país e, em relação à última crónica, tenho a testemunhar o seguinte:
    - A herança russo-soviética está a ser abandonada. Em termos linguísticos, o russo (e a par dele o alfabeto cirílico) deixou de ser ensinado aos mais novos, tendo sido substituído pelo inglês (a par do uzbequês). Hoje, os jovens nascidos neste século, desconhecem o cirílico (apesar de continuar presente em vários locais públicos, como identificação de ruas, por exemplo);
    - Todos os objectos/monumentos/nomes que invocassem a herança russo/soviética foram retirados/alterados;
    - A influência turca faz-se mais sentir do que nunca.

    Cumprimentos,
    João Moreira

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