Concluo
hoje esta série de crónicas suscitadas pela minha visita ao Usbequistão, país
pouco conhecido, mas cheio de interesse e desafios.
Um aspecto que achei curioso e que é transversal às várias cidades aqui mencionadas, é encontrar em cada local fluxos de turistas de outros países da Ásia Central. O que proporciona sempre fotos interessantes que deixei para o final.
A
terminar, deixo algumas reflexões sobre a economia do país e a geopolítica da
Região.
A
economia usbeque baseou-se durante muitos anos na produção intensiva de
algodão. No período soviético, os órgãos de planeamento económico fixaram metas
extremamente exigentes para a produção que levaram a consequências ambientais
dramáticas. O caso mais conhecido é o do Mar de Aral que está hoje reduzido a cerca
de 10% da área que tinha cinquenta anos antes.
Além
das disfunções ambientais por si provocadas, a cultura do algodão
desenvolveu-se, até recentemente, com apoio desmedido de trabalho escravo e
infantil.
Hoje
há um esforço para diversificar a economia através do ouro e dos produtos
petrolíferos. Também através de privatização.
O
Produto Interno Bruto per capita não atinge ainda 3000 dólares.
Mas
a cultura do algodão continua bem presente:
Durante
o Século XIX, a Rússia conquistou toda a Ásia Central, instituindo um regime de
tipo colonial, assenhoreando-se de extensas áreas agrícolas, estimulando a
cultura do algodão e interligando os territórios através de uma rede de
caminhos de ferro.
A
revolução bolchevique não renegou em nada este sistema. Antes o actualizou
através da política soviética das nacionalidades e da instituição das
repúblicas socialistas soviéticas, processo conduzido por Estaline.
O
embaixador francês Pierre Andrieu, antigo embaixador da França em Moscovo,
analisa estas realidades num artigo muito interessante publicado pela Fundação
Robert Schuman, intitulado Um actor ainda demasiado desconhecido na Europa:
a Ásia Central, analisa com profundidade esta realidade.
Refere
que a Federação Russa mantém uma forte influência na Região, nomeadamente
através do facto de a língua russa se manter como língua franca na Região.
Não
obstante as organizações de segurança colectiva terem perdido relevância desde a
invasão da Ucrânia, Putin quer manter a sua influência na Região. Andrieu faz
uma estatística dos contactos telefónicos entre o Presidente da Rússia e os
presidentes dos países da Ásia Central no ano e meio que se seguiu à invasão d
Ucrânia. Falou 16 vezes com o Presidente do Usbequistão, 10 com o Presidente do
Cazaquistão, 6 com o Presidente do Tadjiquistão e 5 co0m o Presidente da
Quirguízia e o Presidente do Turquemenistão. Revela a relevância do
Usbequistão.
Estes
países têm conseguido manter um equilíbrio no filho da navalha sem condenar nem
a Rússia nem a Ucrânia. Até quando?
Temur
Umarov, do Carnegie Russia Eurasia Center, escreve em 2024 que os países
da Ásia Central procuram um equilíbrio entre a Rússia, a China e o Ocidente, conciliando
uma cooperação com a NATO com uma presença nos desfiles do 9 de Maio em Moscovo
e a permissão de bases nas fronteiras da Polícia Popular Chinesa.
O
Usbequistão ousou não aderir à Comunidade Económica Euro-asiática mantendo-se
apenas como associado não obstante as fortes pressões russas.
O
Embaixador Andrieu conclui, talvez de forma optimista, que a Ásia Central se
transformou num actor autónomo e activo na cena internacional. Conscientes da
sua localização complexa, reencontrando progressivamente o seu passado glorioso,
os cinco países tentam libertar-se com cuidado da dupla pressão de Moscovo e
Pequim e aplicar uma diplomacia que atraia outras potências. Com um certo
sucesso até agora.
Uma
coisa é certa: a Região deixou de ser uma terra incognita.
Obrigado
pelo vosso interesse por estas 25 crónicas.
José Liberato
Muito obrigado José Liberato por essa interessante série de artigos que nos apresenta um país pouco conhecido no Ocidente, mas muito curioso sob vários aspectos.
ResponderEliminarCaro Rubem Amaral Jr.,
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Liberato
Obrigada nós, por partilhas tão interessantes. Não há dúvida que, cada patilha, nos nos deixa sempre mais ricos culturalmente.
ResponderEliminarCara Otília,
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
José Liberato
Um série apaixonante! Grato pela sua partilha.
ResponderEliminarEstas crónicas, como outras que nos ofereceu, foram tão subtis como tão gritantes para nos dar a conhecer Países com as suas culturas e diferenças sem nunca fazer juizos de valor. Uma actitude dificil mas bem conseguida, e própria de um "Viajante do Tempo".
ResponderEliminarParabéns
Estimado Nunes Liberato, não consigo deixar de o desafiar a atrever-se a dar este conhecimento e esta visão multicultural na forma de um livro para que mais pessoas possam reflectir, por um lado, na sua conduta sensata e humanista perante a diferença e ao mesmo tempo "divulgar o conhecimento das diversidades humanas".
ResponderEliminarCaro José Pastor,
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
A questão do livro já tem sido levantada mas tenho resistido...
José Liberato
Gostei de ler as crónicas. Como conheço um pouco do país e, em relação à última crónica, tenho a testemunhar o seguinte:
ResponderEliminar- A herança russo-soviética está a ser abandonada. Em termos linguísticos, o russo (e a par dele o alfabeto cirílico) deixou de ser ensinado aos mais novos, tendo sido substituído pelo inglês (a par do uzbequês). Hoje, os jovens nascidos neste século, desconhecem o cirílico (apesar de continuar presente em vários locais públicos, como identificação de ruas, por exemplo);
- Todos os objectos/monumentos/nomes que invocassem a herança russo/soviética foram retirados/alterados;
- A influência turca faz-se mais sentir do que nunca.
Cumprimentos,
João Moreira
Muito obrigado pelo seu comentário.
EliminarLiberato