sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Usbequistão: encruzilhada de civilizações (9).

 

 

 

Amin Maalouf é um escritor líbano-francês nascido em Beirute, Prémio Goncourt em 1993, Secretário Perpétuo da Academia Francesa. Entre as suas obras mais conhecidas encontra-se o livro Samarcanda. A cidade é o cenário das vicissitudes de um livro de poemas do poeta persa Omar Khayyam (1048-1131) dedicados ao vinho. A história decorre entre o Século XI e (spoiler!) o naufrágio do Titanic.

 

Os poemas eram escritos em papel. Desde o Século VIII, Samarcanda fabricava papel a partir da seda. O segredo foi obtido a partir de prisioneiros de guerra chineses. O papel de Samarcanda, raro e caro, era muito procurado no Ocidente. Em fase posterior, utilizou-se igualmente a casca da amoreira. Recentemente, esta tradição foi retomada com o apoio da UNESCO num quadro de grande beleza. Aí se pode ver o processo de fabricação do papel, o esmagamento da casca da amoreira e o polimento das folhas.

 






Um monumento extraordinário de Samarcanda é o observatório mandado construir na primeira metade do Século XIV por Ulugh Beg (1394-1449), neto de Tamerlão e grande astrónomo.

Não existe um complexo semelhante desta época. Samarcanda era a capital da observação astronómica nesta primeira metade do Século XV.

Hoje pode-se visitar a parte subterrânea de um sextante gigantesco. Prologava-se até ao topo de um edifício de três andares.

Ulugh Beg e os seus colaboradores determinaram as coordenadas de 1018 estrelas, estabeleceram métodos de cálculo para prever eclipses e mediram o ano estelar com uma precisão que só os computadores recentes conseguiram ultrapassar. Tanta curiosidade científica inquietou os movimentos islâmicos que acabaram por o depor e promover a sua decapitação.

 






                                Fotografias de 28 de Setembro de 2024

                                                                José Liberato

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

São Cristóvão pela Europa (294).

 

 

 

A Catedral de São Maurício de Angers é uma imponente catedral gótica construída entre os Séculos XII e XIII. Tem três torreões tendo o do meio sido acrescentado no Século XVI.

Como em todos estes edifícios religiosos de grande envergadura, a construção nunca parou nem mesmo no momento que passa. Com efeito, encontra-se em curso uma remodelação completa do pórtico principal. O arquitecto é o japonês Kengo Kuma, o mesmo que reconfigurou o edifício do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian. A solução é ousada, mas introduz certamente um cunho moderno no edifício da Catedral como se vê na maqueta que aqui trago…

Os vitrais de São Maurício são excepcionais. Dois são dedicados a São Cristóvão. Ambos do Século XVI.

O primeiro é o mais controverso pois alguns pretenderam ver nele um exemplo do São Cristóvão cinocéfalo (com cabeça de cão) como se pode encontrar na Igreja Bizantina ou em Segóvia. Na realidade, o rosto não é muito visível, admitindo-se que tenha sido alterado até porque o vitral foi composto no local com elementos de diversas proveniências. Os outros santos são São. Paulo, São Pedro e Santo André, mais um quatro, talvez outro apóstolo.

O segundo representa São Cristóvão e Santo Eustáquio, ambos em episódios que se relacionam com a travessia de rios. São Rémi e Santa Maria Madalena são os outros.

 




 

A Igreja de Nossa Senhora de Cunault, próxima de Angers, junto ao rio Loire e também no departamento de Maine et Loire, é uma das mais belas igrejas românicas de França. Deve-se ao escritor Prosper Mérimée (1803-1870), na sua condição de Inspector dos Monumentos Históricos, a salvação do Monumento. Um fresco do Século XV representa o nosso Santo.





                                                    Fotografias de 20 de Setembro de 2024

                                                                                         José Liberato




segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Usbequistão: encruzilhada de civilizações (8).

 

 

As madraças da Praça do Reghistan em Samarcanda não são apenas espectaculares no exterior. O interior é igualmente deslumbrante:

 





Mas o que dizer da Praça do Reghistan à noite?

 





                        Fotografias de 27 e 28 de Setembro de 2024

                                                                José Liberato






domingo, 12 de janeiro de 2025

Avisos importantes à nossa cidadania: Não se deve usar o digital de ânimo leve, há que conhecer os nossos direitos.

 



Este ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos de título Direitos Fundamentais para o Universo Digital, por Jorge Pereira da Silva, 2024, merece ainda mais a nossa atenção numa altura em que se corre o risco de soberaníssimas plataformas digitais, comandadas por multimilionários aduladores do presidente Donald Trump pretenderem comprometer o quadro legal que nos protege na União Europeia.

O autor é um universitário que já dirigiu a Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Católica, domina o assunto, começa por se debruçar sobre o conteúdo da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, apanha-lhe os pontos frágeis mas releva os pontos nobres e não deixa de enfatizar que os direitos consagrados pela Carta são efetivamente direitos fundamentais, e ele traça o histórico desses direitos para concluir que a autorregulação no universo digital é uma mera utopia, são bem gravosos os abusos que se podem praticar neste ciberespaço onde é imenso o poder económico e tecnológico dos gigantes da era digital.

Abordando as sucessivas gerações dos direitos fundamentais não deixa de chamar à atenção para o facto de estes estarem ainda numa fase embrionária. Acresce que a perspetiva da União Europeia e a dos Estados Unidos sobre a temática de um ciberespaço entregue a si próprio serem radicalmente distintas, no quadro europeu têm-se dado passos firmes no sentido de sujeitar o universo digital aos princípios do constitucionalismo digital.

O autor elenca as diferentes gerações de direitos, desde os direitos civis, as liberdades, passando pelos direitos políticos, o direito de voto, os direitos sociais, estas três gerações de direitos acabaram por se plasmar na Declaração Universal dos Direitos do Homem, inevitavelmente o rol de direitos cresceu, temos hoje uma nova arrumação dos direitos fundamentais na sequência das descobertas tecnológicas (privacidade, identidade genética, esquecimento, a desligar). Daí ele proceder a uma apresentação das diferentes funções dos direitos fundamentais que por ora culmina num domínio em aberto sobre a inteligência artificial, daí a referência que faz à proposta da Comissão Europeia a um regulamento sobre a inteligência artificial, onde se procura graduar as diferentes aplicações segundo o grau de risco envolvido, definindo um sistema de proibições, absolutas ou relativas.

Não pode haver adesão cidadã sem que se percecione a contextualização do universo digital, temos aqui um capítulo muito bem elaborado onde vamos chegar às plataformas digitais, às redes, ao comércio e aos serviços digitais, é necessário entender o que pretendem estes pesos pesados da economia digital e a sua carga ideológica, como pretendem comandar a internet das coisas ao serviço de um projeto político. Daí as questões de Direito suscitada pelo digital, o autor expõe os argumentos pró e contra da relação jurídica, manifestando-se a favor das regras do Direito, em que, aliás assenta, a Declaração Comum sobre os Direitos e Princípios para a Década Digital (a União Europeia possui já um acervo de regulamentos, por exemplo, o acesso à internet aberta, os serviços digitais, a proteção de dados e uma Agência Europeia para a Cibersegurança).

Na sequência desta apresentação segue-se um capítulo sobe direitos fundamentais, muitos deles já constantes, no caso português, da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (acesso à rede, proteção de dados pessoais, segurança digital, proteção em face da inteligência artificial, liberdade de expressão nas redes sociais), apresenta-nos um argumento explicativo destes diferentes domínios. Põe o foco na proteção em face da inteligência artificial e ajuda o leitor a perceber a complexidade da questão: “A inteligência artificial, é, na realidade, muito pouco inteligente. As suas incomensuráveis potencialidades decorrem da extraordinária capacidade de processar dados em quantidade e rapidez e, em última análise, de aprender com essas mesmas operações de processamento. Por isso, é capaz de desempenhar tarefas que, quando executadas por humanos, exigem a utilização daquilo a que chamamos inteligência. Além disso, a inteligência artificial tem sobre a mente humana enorme mais-valia de não esquecer.” E enuncia alguns dos riscos da utilização da inteligência, refere aplicações dessa inteligência que têm de ser juridicamente proibidas. E ajuda-nos a compreender a complexidade das coisas:

“O problema da discriminação algorítmica é, no essencial, o de que as pessoas se sentem discriminadas por sistemas de inteligência artificial, mas muitas vezes não conseguem explicar porquê. Por outro lado, os algoritmos sofrem de opacidade crónica no seu funcionamento e, como é evidente, não fundamentam as decisões que tomam. E por outro lado, produzem as suas decisões com base, não num único critério arbitrário, mas numa combinação muito alargada de critérios objetivos, como o local da residência, o percurso escolar e académico, a experiência profissional, o nível salarial, entre outros semelhantes. Sucede que o resultado dessa combinação, ao invés de ser objetivo, revela-se na prática enviesado, por exemplo, prejudicando especialmente as mulheres de cor, estatisticamente com níveis de escolaridade e renumeração mais baixos.” Todos os aspetos da liberdade de expressão nas redes sociais são ventilados neste estudo, concluindo que a liberdade de expressão se converteu numa espécie de direito de participação pública, comportando o direito positivo aos instrumentos de projeção da voz e do pensamento, direito positivo este que nunca existiu em relação aos meios de comunicação social tradicionais.

Havendo concluir, prevê o autor: “A regulação do universo digital é um desafio grande para as instituições públicas, mas que a União Europeia está a levar muito a sério. Nesse esforço de regulação, tem vindo a ser constituído um corpo de normas jurídicas que, não obstante a diversidade de fontes e de posição hierárquica, pode designar-se por Direito Digital. Mais do que um novo ramo de Direito, trata-se de um outro ordenamento jurídico, com um processo de formação descentralizado e que, por ora, tem ainda natureza fragmentária. Um dos capítulos mais dinâmicos desse ordenamento é justamente o Direito Constitucional Digital, onde está a ser formada novíssima geração de direitos fundamentais. Considerando fontes nacionais e fontes europeias, normas constitucionais e normas legais, é possível identificar pelo menos cinco novos direitos fundamentais das pessoas para o universo digital: direito de acesso à rede; proteção de dados pessoais; direito à segurança no ambiente digital; proteção em face da inteligência artificial e liberdade de expressão nas redes sociais.”

Um estudo muitíssimo útil para quem deseje conhecer o coração da matéria destes direitos fundamentais que sem apelo nem agravo têm a capacidade de consolidar a democracia participativa, a despeito das ameaças que pairam no ar, seja qual for a corrente de tentação totalitária. 

                                          

                                                                      Mário Beja Santos





 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Usbequistão: encruzilhada de civilizações (7).

 

 

 

Samarcanda é uma das cidades míticas da rota da seda.

Como tal, é também uma referência da Cultura ocidental. Samarcanda e Tamerlão estão presentes nos poemas de Goethe, Keats e Poe, Philip Marlowe celebra-os na sua peça de teatro de 1587 Tamburline the Great. Händel compôs em 1724 a ópera Tamerlano, Alessandro Scarlatti (o pai de Domenico Scarlatti, músico na corte de D. João V) é o autor em 1706 da ópera Il gran Tamerlano.

Os dramas, as crueldades têm como contraponto os sucessos arquitectónicos.

E nestes avulta sem dúvida a esplendorosa praça do Reghistan (que significa, de forma pouco inspirada, praça da areia) e as suas três madraças: Ulugbek, Tilla-Khari e Sherdon. Tamerlão foi o inspirador de tudo isto, mas foram os seus sucessores a concretizar a obra.





No próximo post, veremos interiores das madraças e, sobretudo, o Reghistan de noite.

 

                            Fotografias de 27 de Setembro de 2024

                                                                     José Liberato



São Cristóvão pela Europa (293).

 

 

 

Ainda na região francesa da Normandia, agora no departamento de Orne, situa-se Saint Christophe le Jajolet. Nesta localidade, o culto de São Cristóvão é atestado pela existência de uma confraria desde 1673.

O Papa Pio X atribuiu-lhe em 1912 o título de arquiconfraria. Uma arquiconfraria é uma confraria que agrupa uma série de outras confrarias com objectivos comuns, neste caso São Cristóvão.

É por esta época que é erigido um grande santuário em honra do nosso Santo e destinado a acolher as peregrinações, cada vez mais frequentes.

Chegou a estar mesmo planeada a construção de uma estátua de 100 metros de altura, equipada com um ascensor no cajado do Santo. Mas a ideia não se concretizou…

No santuário, existem um pendão de procissão, um fresco exterior, uma estátua (inaugurada em 1937) e uma pequena imagem na fachada da igreja.

 





E viajei para a cidade de Angers, capital do departamento de Maine et Loire no Pays de la Loire. Nela se destacam o rio Loire, as muralhas do Castelo dos Duques de Anjou e a famosa tapeçaria do Apocalipse.

A tapeçaria foi realizada no final do Século XIV e é uma das melhor preservadas tapeçarias da Idade Média. Originalmente seria composta de 90 quadros, subsistindo hoje 68.

Sofreu graves degradações. Durante a Revolução Francesa foram usados como cortinados, até como selas de cavalos. Como exemplo deixo aqui o quadro das almas dos mártires.

Quanto ao nosso São Cristóvão em Angers, fica para o próximo post.

 




                                         Fotografias de 19 e 20 de Setembro de 2024

                                                                                         José Liberato





terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Carta de Bruxelas.



 

            Para assinalar um ano e três meses passados sobre o dia 7 de Outubro de 2023

 

«Chi meglio di te?» foram as palavras de Elia Dalla Costa, cardeal de Florença, a Gino Bartali. Em 1943, o ciclista já vencera o giro e o tour de France. Bom católico, Gino aceitou a missão. Tratava-se de transportar documentos falsificados entre as duas Itálias, a ocupada e a livre. A pretexto de que se treinava, e sendo uma figura popular que não levantava suspeitas, Bartali contrabandeou os documentos, escondidos nos tubos do selim e do guiador, contribuindo dessa forma para salvar muitos judeus. Hoje tem uma árvore no Yad Vashem, tal como o cardeal Elia Dalla Costa.

Na interpelação do cardeal florentino, não reside uma exigência abstracta e sem destinatário. «Quem melhor do que tu?» é uma interrogação que se dirige a uma pessoa concreta nas suas circunstâncias concretas. O que afirma tem em conta esses elementos mas transcende-os. A pergunta depende dos talentos do espírito, das qualidades do temperamento e dos dons da fortuna, sem dúvida. Mas o que lhes dá sentido e unidade é de outra ordem: qual a finalidade do seu uso? Nessa acepção pode ser universalizada, reencontrando por essa via o messianismo judaico, o mundo só poder ser completado pelo Homem. Em tempos de perseguição – menos do que nunca  –, a pergunta do cardeal não fica no passado, relegada ao pó dos arquivos, é de hoje, é a que tem de ser feita a si mesmo por cada qual nas suas circunstâncias: Chi meglio di te?


                                                                                João Tiago Proença 





segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Usbequistão: encruzilhada de civilizações (6).

  

 

No post número 2 iniciei a conturbada História das invasões do território que hoje é o Usbequistão.

Ao viajar para a mítica Samarcanda, é ocasião para avançar mais nessa História, até chegar a Tamerlão.

Não sem antes falar de Gengis Khan.

Por volta de 1167, no Norte do deserto de Gobi, hoje território da Mongólia, nasce o filho de um chefe mongol que, crescendo, conseguiu eliminar os rivais de outras tribos e assumir em 1207 a liderança do povo tártaro. Foi então aclamado como Gengis Khan, o chefe de todos os povos das tendas de feltro.

E inicia ume epopeia militar baseada em grande parte na sua cavalaria. O seu exército percorre distâncias a uma velocidade nunca vista, os cavaleiros dormindo montados nas suas selas e espalhando o terror por todo o centro da Ásia.

Em 1221, o império de Gengis Khan estendia-se da China ao Mar Cáspio, incluindo portanto a Ásia Central. Morreu em 1227. Apesar da destruição, Gengis Khan deixou, como legado aos seus sucessores, uma pax mongolica que durou um século. Foi durante este período que Marco Polo realizou as suas viagens entre Veneza e a China.

Em 1336 na Transoxiana, perto de Samarcanda, nasce Timur, depois conhecido como Tamerlão, ou Timur o Coxo depois de ter sido ferido em batalha. Era filho de um chefe de clã de origem mongol.

Como Gengis Khan, impõe-se pela sua brutalidade (há quem estime em 17 milhões o número das suas vítimas!) e revela uma contradição evidente: exterminador de povos inteiros, foi um amante das artes e das letras. A ele e aos seus descendentes se deve terem transformado a cidade de Samarcanda numa pérola da arquitectura da Ásia Central.

O seu império estendia-se, no seu apogeu, entre a Rússia e a Índia, de Damasco a Delhi. Morreu em 1405 quando se preparava para invadir a China. A sua dinastia não sobreviveu muito tempo.

A visita a Samarcanda iniciou-se muito apropriadamente pelo Mausoléu Gur-e Amir, de uma beleza notável. Inspirou o célebre Taj Mahal na Índia, mandado construir por descendente de Tamerlão. No exterior uma imponente estátua do Chefe de Guerra. O Mausoléu abriga o túmulo de Tamerlão.

Uma lenda rodeia este túmulo. Foi pela primeira vez aberto em 1941. Os arqueológos descobriram de imediato inscrições anunciando uma maldição que atingiria quem violasse o túmulo. Dois dias depois Hitler invadia a União Soviética. Consta que Estaline, à cautela, mandou imediatamente fechar o sarcófago…

 





 





 Próximo, o Mausoléu Rukhabad, foi mandado construir por Tamerlão em 1380 para albergar o túmulo de um teólogo e místico muito estimado na época.

 



                                                    Fotografias de 27 de Setembro de 2024 

                                                                                           José Liberato