quinta-feira, 26 de junho de 2025

Spínola e Portugal e o Futuro: O adjuvante indispensável para a adesão popular ao 25 de Abril,

 


 

O jornalista e escritor João Céu e Silva a quem se deve um conjunto de entrevistas de grande significado a autores como Saramago, Lobo Antunes, Cunhal, Filomena Mónia e Manuel Alegre, entregou-se a investigação sobre a importância do livro do general Spínola publicado em 22 de fevereiro de 1974 e que contribuiu para mobilizar a opinião pública para o reconhecimento que não havia solução militar para as guerras que Portugal travava com guerrilheiros em Angola, Guiné e Moçambique. Investigação sobre a história da maior operação editorial que tornou o livro de Spínola num adjuvante de bomba-relógio, o golpe de Estado que levou à queda do regime em pleno Convento do Carmo, na tarde de 25 de Abril – O General que Começou o 25 de Abril Dois Meses Antes dos Capitães, por João Céu e Silva, Contraponto, 2024.

Uma operação editorial em que este envolvido Paradela de Abreu, a equipa que trabalhou com o general para se chegar à versão final do ensaio, homens de marketing e comunicação, como Carlos Eurico da Costa, um ardiloso jogo de cintura político cuja figura pivot foi o general Costa Gomes, incluiu o jornalista António Valdemar que colaborou com o editor da Arcádia. O trabalho de Céu e Silva inclui um punhado de testemunhos de diferentes intervenientes, caso de António Valdemar, que refere, por exemplo, que a partir de novembro de 1973 teve em casa de Spínola uma série de reuniões quando fazia a revisão das provas tipográficas do livro.

Havia igualmente que proteger a obra até vir a público, evitar que chegasse ao conhecimento da PIDE/DGS, contar com a descrição da tipografia, organizar o lançamento em tempo relâmpago, junto de livrarias influentes, procurar o apoio de jornais, capitalizar a aura de prestígio que gozava de Spínola. E o espantoso disto tudo é que a matéria explosiva do livro era já um anacronismo, o que nos obriga a refletir sobre a atmosfera da época em que o livro foi um rastilho, meses antes realizara-se no Porto o 1º Congresso dos Combatentes do Ultramar e em finais de março de 1974 Marcello Caetano fora aplaudido por dezenas de milhares de portugueses no Estádio José de Alvalade, onde o Sporting defrontava o Benfica.

Há igualmente que entender o quadro circunstancial em que Spínola decidiu escrever um livro onde sabia de antemão que ao dizer que não havia solução militar para a guerra colonial levantaria uma discussão pública que minaria o já combalido Estado Novo. Spínola leu um livro de Franco Nogueira intitulado As Crises e Os Homens, aqui eram cinzelados os argumentos de um Portugal de Minho a Timor, sem a menor contestação, indignou-se com tal prosa e anunciou que ia responder, começou aí o trabalho de ajuntamento de apontamentos que envolveu o círculo privado de Spínola, caso de José Blanco e Nunes Barata, mais tarde o major Pereira da Costa.

Céu e Silva dá conta das peripécias da negociação para que a Arcádia ganhasse o contrato, inclusive Natália Correia chegou a ir a Bissau numa operação de charme e simpatia. Determinado o dia de lançamento do livro, desencadeia-se o rebuliço político, Marcello Caetano recebe o livro a 18, leu-o na noite de 20, convoca para a manhã de 22 Spínola e Costa Gomes, diz-lhes abertamente que devem falar com o Presidente da República, não lhes esconde que o caminho da revolução está aberto. Thomaz também recebera das mãos de Spínola o seu exemplar na véspera do lançamento. O ministro da Defesa, Silva Cunha, não lera o livro, mas autorizara a publicação com base no parecer de Costa Gomes. O livro vende-se instantaneamente aos milhares, a PIDE não intervém, os responsáveis do regime consideraram que deviam manter o livro à venda, era o mal menor.

Spínola irá sobrelevar-se a partir do momento em que Caetano insiste em lhe transferir o poder, Costa Gomes era o nome preferido dos capitães, toma a decisão de optar pelo cargo de chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Céu e Silva vai ouvir protagonistas do 25 de Abril, caso de Vasco Lourenço, não hesita em menorizar o papel do livro Portugal e o Futuro: “O livro tem importância em vários aspetos, mas menor do que a que muitas vezes lhe querem dar, como se o livro estivesse na origem do 25 de Abril e da democratização.”

O livro-reportagem irá inquirir o papel desempenhado pela PIDE/DGS, a construção da representação cénica de Spínola, a constituição do seu círculo privado na Guiné e depois do 25 de Abril, indo um pouco atrás passar-se-á em revista aqueles meses quentes vividos por Marcello Caetano ainda em S. Bento, depois o holofote foca-se em Otelo Saraiva de Carvalho, como este estratega aprendeu a lição do falhado levantamento de 16 de março. Mais adiante, um dos biógrafos de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, não hesita em dizer que o livro abriu caminho para o 25 de Abril. “Ao contrário do que na altura se julgou na imprensa nacional e internacional, o 25 de Abril não foi o golpe de Spínola, mas do MFA. Tanto que, quando Marcello Caetano chama o general para se render, Spínola tem o cuidado de telefonar para o Posto de Comano do MFA e perguntar a Otelo se autoriza a receber o poder das mãos de Caetano. O 25 de Abril não é arquitetado por Spínola nem pelos spinolistas, que já tinham tentado um golpe a 16 de março. Agora, sem dúvida, a publicação do livro é uma pedrada no charco, e sem o Portugal e o Futuro provavelmente o 25 de Abril não teria acontecido tão depressa.” O historiador não esconde que Spínola acreditava na viabilidade do modelo federalista.

O nome de Spínola e o seu livro justapõem-se ao 25 de Abril, as teses do livro, rapidamente anacrónicas, provocaram um terramoto político e abriram um mar de discussão sobre autodeterminações, matéria até então tratada como heresia ou falta de patriotismo. Neste cortejo de depoimentos também não se esquece o nome de empresários nacionais que inicialmente aplaudiram o livro, mesmo que posteriormente se tenham incompatibilizado com as teses e o comportamento político de Spínola. Em jeito de conclusão, Céu e Silva recorda a bomba que foi a afirmação de Spínola de que não era viável uma vitória exclusivamente militar, reduziu praticamente a fanicos os apoios políticos a Marcello Caetano, muitos militares até então indecisos vieram apoiar o MFA e pela primeira vez desde 1961 alastrou a perceção de que havia uma alternativa política para aquele tão desgastante conflito. Spínola nunca teve o propósito de escrever um livro para abrir as portas a uma revolução, mas foi aí que vieram desembocar as teses do livro de Spínola, aparentemente tão exequíveis e moldáveis aos sentimentos mais populares.

Um belo trabalho de investigação, a ler sem falta.

 

                                                                    Mário Beja Santos

 

 


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