segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O crime da «Poça das Feiticeiras».



 

João Ilharco, Quem praticou o crime da Poça das Feiticeiras?, 1952



 “Se João Alves Trindade, D. Silvina e Claudino se não tivessem deixado cegar pelo ódio, se de parte a parte tivesse havido um bocadinho de transigência e o bom desejo de desfazer atritos e evitar irredutibilidades, podiam ter decorrido calmas e felizes três vidas que foram aniquiladas por esse acto desvairado que na memoria do povo se celebrizou sob o nome de crime da “Poça das Feiticeiras”
(João Ilharco, Quem praticou o crime da Poça das Feiticeiras?, 1952)


Casal de São Caetano
Arquivo de «O Século», Fototeca do Palácio Foz
(actualmente, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo) 

Casal (ou Solar) de São Caetano, na actualidade

Na madrugada de 17 de Julho de 1925, apareceu um homem morto dentro duma poça a poucas centenas de metros da cidade de Viseu junto ao caminho que conduz à povoação de Ranhados.
O morto era João Alves Trindade, proprietário da vizinha Quinta de São Caetano e, nesse mesmo dia detidos, foram detidos, como suspeitos, o seu genro Claudino Lopes Ribeiro, a  filha Silvina Trindade Ribeiro e ainda uma criada de seu nome Albina Correia.
As relações entre o rico africanista e a sua filha e genro caracterizavam-se por bastante ódio, estando previsto para dentro de dias o despejo destes da propriedade do pai e sogro de que eram rendeiros. Segundo, João Ilharco, “o pecado da carne era o seu grande ponto fraco. Havia quem nesse capítulo o considerasse um homem de pouca moral e nenhuns escrúpulos. A mulher era um objecto de prazer, que se podia negociar conforme o desejo do macho. E como ele tinha dinheiro...”.  As suas relações com a filha, que perfilhara aos 21 anos de idade e só autorizara casar aos 32 apesar dos inúmeros pretendentes, eram comentadas pela má língua local que insinuava o seu carácter incestuoso...
Claudino e Silvina foram condenados pela prática do crime de homicídio voluntário, em 12 de Novembro de 1925, pelo tribunal de Viseu na pena de “ oito anos de prisão maior celular, seguida de degredo por doze, ou em alternativa, na pena fixa por vinte cinco anos em possessão da primeira classe” cada um e  Albina Correia foi condenada como encobridora do crime na pena de dois anos de prisão correcional.
.
.
Claudino Ribeiro
Arquivo de «O Século», Fototeca do Palácio Foz
(actualmente, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo)


Silvina Ribeiro nas Mónicas
Arquivo de «O Século», Fototeca do Palácio Foz
(actualmente, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo)


Os suspeitos negaram sempre a prática do crime, apesar de a sentença ter sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Fevereiro de 1928 e de não ter tido êxito a tentativa  de revisão do processo nos anos 30.
.
O caso provocou animados debates na esfera pública nacional e a publicação de alguns opúsculos, como Noite de Sangue e Mistério – O crime da Poça das Feiticeiras, da autoria do jornalista Gilberto Carvalho, O crime da Poça das Feiticeiras, do advogado Álvaro Magalhães, e Sangue e Dinheiro – O drama da Poça das Feiticeiras, do advogado Alfredo Marques.
..



Gilberto de Carvalho, Noite de Sangue e Mistério, 1931

Idem



Álvaro de Magalhães, O Crime da Poça das Feiticeiras, 1940.


 

Alfredo Marques, Sangue e Dinheiro, 1931




.
No campo da ficção, além da obra infanto-juvenil de João Aguiar Pedro & Companhia, Agustina Bessa-Luis baseou-se neste crime para a escrita da sua obra Eugenia e Silvina (1990):
.
«O romance tem como pano de fundo o assassinato de João Trindade, encontrado morto nas terras de sua propriedade, próximo ao lugar chamado de poça das feiticeiras, numa alusão pejorativa às remanescentes dos druidas que ali viveram. O local, último reduto do poder pagão, cai nas mãos de um representante típico do patriarcado, numa metáfora da autoridade masculina que subjuga a mulher, colocando-a numa posição de subserviência. Após a morte de Trindade, as terras são então herdadas por sua filha bastarda, retornando às mãos femininas.
Baseado em uma história verídica, o romance narra a polêmica em torno do assassinato de Trindade, enfocando o processo criminal e as investigações realizadas. As suspeitas do crime recaem sobre Silvina, filha bastarda do morto, acusada também de com ele manter um relacionamento incestuoso. Nada fica provado, mas Silvina passa dezoito anos na prisão, tornando-se ao fim de tudo uma cidadã respeitável, ironicamente ministrando aulas de religião em um trabalho voluntário. Além de enfocar as circunstâncias do crime, o romance apresenta as diferentes gerações de mulheres que se sucederam na Malhada, como as três Eugénias, completando um ciclo que abrange um século da História de Portugal. Numa profusão de taras e perversões, Eugénia e Silvina delineia um perfil da sociedade portuguesa a partir de seus mecanismos de repressão».
.
.
.




Uma obra recente, da autoria de Paulo Bruno Alves, abordou o crime da Poça das Feiticeiras.
.
.


.
.

O processo judicial – para os mais interessados – encontra-se disponível para consulta no Arquivo Distrital de Viseu.



Francisco Teixeira da Mota

2 comentários:

  1. Perto deste local (relativamente perto, dentro do mesmo distrito, concelhos talvez diferentes) também se deu um célebre crime. O chamado Crime de Serrazes, que deu origem também a um livro. Este crime deu-se num belissimo solar perto das Termas de São Pedro do Sul.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado por lembrar João Ilharco autor também de "Fàtima Desmascarada"

    ResponderEliminar