sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O mistério do navio-fantasma tripulado por ratazanas canibais.







Gostaram? Há mais aqui, e com legendas:
 
 

É uma voz potente, sem dúvida. Esta música tornou-se praticamente um segundo hino nacional soviético. Chama-se «Grande é a Mãe-Pátria» ou «Canção da Mãe-Pátria» e, obviamente, evoca a figura O Operário e a Camponesa, de Vera Mukhina, de que já aqui se falou.

 
Canção da Mãe-Pátria, 1937
 
 

«Canção da Mãe-Pátria» trinou no filme Circus, uma obra de propaganda soviética levada às plateias em 1936. O script resume-se em poucas palavras: num circo ambulante dos maléficos U.S.A., uma rapariguita dá à luz uma criança negra. A rapariga, claro está, será perseguida pelos racistas americanos e só encontrará refúgio nos braços maternais da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O filme inscrevia-se numa tendência da propaganda estalinista para retratar, com fundamento e acerto, os Estados Unidos como uma terra onde imperava o racismo e o segregacionismo. Em contraste, a URSS seria – o que não é verdade – uma pátria aberta e muito multicultural: negros e brancos, eslavos e outros povos, todos caberiam no regaço maternal da Grande Rússia. O ano passado houve uma exposição em Charlottesville, na Virgínia, onde o tema foi abordado, falando-se de Lloyd Patterson, de que um dia também gostaria de falar aqui com mais detalhe, havendo tempo e saúde para isso.




Jim Patterson, estrela soviética (em cima) e regressado a Washington (em baixo)
 
 


Em breves linhas, Lloyd Patterson foi um negro que emigrou para a Rússia dos sovietes nos anos 30, mais precisamente em 1932. O seu filho, Jim, tornou-se um aclamado poeta na União Soviética, sendo também oficial de Marinha. Nos anos de 1990, por razões que desconheço, regressou a Washington. Pois bem, Jim Patterson (se quisermos, James Lloydovich Patterson) encarnou a criança negra do circo racista ianque. O pai, como disse, fora até à Rússia com uma troupe de negros para filmar uma obra de propaganda anti-racista, que acabaria por não se realizar. Decidiu ficar por lá. Casou com uma designer ucraniana, de quem teve três filhos, entre os quais Jim. Acabou por ser este a estrela na tela. E, mais do que isso, Jim Patterson foi, durante décadas, o negro mais conhecido da União Soviética. Andou desaparecido, a ponto de a ex-mulher, Irina, julgar que estava morto. Reemergiu das trevas há pouco, em Washington, mas num estado bastante debilitado (aqui).



Circus, filme de 1937, com Jim Patterson e Lyubov Orlova

Lyubov Petrovna Orlova (1902-1975)
 
 

A estrela feminina do filme Circus chamava-se Lyubov Orlova e é por causa dela que hoje falamos aqui dessa película circense (em todos os sentidos). Lyubov Petrovna Orlova, nascida em 1902 e falecida em 1975, foi uma das mais famosas actrizes soviéticas, porventura a mais famosa de todas. Estudou no Conservatório de Moscovo, mas teve que interromper os estudos para ajudar os pais, que passavam dificuldades. Acabou por não se formar, o que não a impediria de ter uma fulgurante carreira. Entretanto, o marido, o economista Andrei Berezin, seria preso nos grandes arrestos de 1930, o que também não inibiria o sucesso futuro de Lyubov Orlova.  Pelo contrário, casaria mais tarde com Grigori Aleksandrov, que, além de Circus, realizou a comédia Volga-Volga (1938), em que Orlova desempenhava o papel principal. Tratava-se, nem mais nem menos, do que o filme preferido de Estaline. O cartaz promocional é de um bom gosto atroz:
 
Cartaz do filme Volga-Volga, 1938
 
 

Orlova principiara a estrelejar em 1934, numa comédia de massas, o popularíssimo filme Весёлые ребята, que em inglês foi traduzido simplesmente para Jolly Fellows. Estaline começou logo a simpatizar muitíssimo com ela e, em 1936, foi estrela de Circus, a que se seguiram várias fitas com enorme êxito. Ganhou o Prémio Estaline em 1941 e, em 1950, foi a primeira mulher do mundo do cinema a receber o título de Artista do Povo da URSS.
 
 
 
Selo e placa evocativa de Lyubov Orlova (ou Orlova Lyubov)
 



Depois disso, Orlova entregou-se ao teatro. E, como havia atingido o estrelato, virou cometa. Em 1972, a astrónoma Lyudmila Vasilyevna Zhuravleva, descobriu um cometa, o que não é grande feito na sua carreira meteórica. Como todos sabem,  Lyudmila Zhuravleva foi das maiores descobridoras de objectos celestes da História. Em vinte anos de trabalho, trouxe ao nosso convívio 200 objectos visionados nos céus do universo. Obviamente, tem um asteróide com o seu nome. Por sua vez, o 3108 Lyubov foi assim designado em homenagem à actriz favorita de Estaline. Para os mais interessados, aqui está a descrição do asteróide feita pela NASA.

 
O Lyubov Orlova
 
 
 
         Como se não bastasse a consagração astral, deram também o nome de Lyubov Orlova a um navio construído pela URSS na ex-Jugoslávia, que viu a luz do dia em 1976, um ano depois da actriz morrer em Moscovo, vítima de cancro. O navio destinava-se a realizar expedições polares, com fins científicos e pacíficos. Operava quer na Antártida, quer no Círculo Polar Ártico. Com o passar dos anos, declinou a actividade científica e passou a ser usado em cruzeiros turísticos. Depois, ocorreu uma trapalhada danada, com dívidas acumuladas e várias peripécias, a ponto de às tantas ninguém saber do navio, que ainda era bastante grande. Chegou a pensar-se vendê-lo para ser transformado em sucata na República Dominicana. Quase por um milhão de dólares. Quando estava tudo bem encaminhado, a peça do reboque soltou-se e a embarcação ficou à deriva. Desde então não se sabe dela.  

A Wikipedia teima que o Orlova se afundou, ou pelo menos que se acredita nisso. Mas também se acredita que o navio vagueia pelas vagas, com ratazanas canibais a bordo. A sério, é uma história do mar em que muitos acreditam, possivelmente seduzidos pelo filme Skyfall, de 2012, em que o vilão conta a James Bond uma história de crianças, terrível: numa determinada ilha, dizia a avó do vilão, os ratos eram transformados em roedores assassinos.
 

Skyfall, 2012




 Que o canibalismo foi praticado na Rússia, antes e depois dos sovietes, é um dado histórico. Leia-se Koba, o Terrível, de Martin Amis, ou A Ilha dos Canibais, de Nicolas Werh, um livro espantoso que, segundo creio, não teve entre nós o reconhecimento que merecia (no Verão de 1933, entre 4.000 a 6.000 «colonos especiais» terão morrido numa ilha da Sibéria ocidental, abrindo o «caso Nazino»)

O Orlova, ao que parece, foi localizado há uns anos, mas as buscas não prosseguiram por falta de financiamentos. A crise, sempre ela. De ratazanas a bordo, não existe sinal. Porém, a história virou viral e até apareceu no The Sun. Como refere O Globo, a cada manchete que saía as ratazanas iam tornando-se maiores – e mais ferozes. Um navio tripulado por ratazanas carnívoras, believe it or not.  

Talvez o Orlova se tenha afundado nos oceanos, como o submarino Kursk, que mergulhou na profundezas do mar de Barents, ceifando uma tripulação de 118 vidas, sem que Vladimir Putin tenha sequer interrompido as suas férias para tratar do assunto (já para não falar da orgulhosa – e fatal – recusa do auxílio oferecido pela Noruega). Ou talvez a embarcação continue a andar por aí, tripulada por ratazanas carnívoras. Em qualquer dos casos, deixou de ser um navio. Mais do que lenda, é uma figura de estilo, como a actriz que lhe deu o nome. Orlova Lyubov, metáfora dos sovietes.
 
 
António Araújo





 

6 comentários:

  1. Globalmente de acordo com o que escreveu e muito provavelmente estou em acordo quase integral consigo ideologicamente. Mas realtivamente ao Kursk e ao Putin já não estamos em sintonia. O tipo fez questão de o ir lá buscar a baixo, e foi mesmo! Qualquer semelhança nisso com os rapazes e raparigas que nos (des)governam é pura coincidência. Também é pura coincidência a forma como ele trata os mafarricos do turbante que mijam fora do penico. Acabei de encomendar o livro do Werth.
    José

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  2. Realmente foi uma coisa extraordinaria! Ir buscar os corpos!!!Tratar dos mafarricos que tem uma opinião diferente tambem faz parte do menu que o seu adorado e musculado adorador de motas e fatos de cabedal dispõe.Francamente!Gente assim faz duvidar que haja solução para esta mescla judaico-cristã que serve de fermento a este amores.

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  3. Olho por olho dente por dente. Se está com medo ponha uma fralda ou mude de campo.
    José

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  4. Essa lei não foi inventada por analfabetos .Tinham desculpa.Conte os que morreram nos bombardeamentos ao Iraque e veja quantos olhos faltam.Eram todos culpados não?Se não eles os pais ou avós.Outra lei do seu código provavelmente.

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  5. A sua posição e a sua conversa da treta têm um nome: idiotas úteis. Não há comunistas e, muito menos, muçulmanos inocentes. Não tenho puto de paciência para a conversa politicamente correcta. Sou a favor da propriedade privada, da liberdade, da igualdade dos géneros (excepto naquilo em que naturalmente não são iguais), da responsabilidade, e para a garantia e defesa desses bens sou igualmente a favor da pena de morte, do uso e porte de arma (de qualquer arma), e da obrigação do cumprimento dum serviço militar como prestação social aos que estão na mesma trincheira, o que não é manifestamente o seu caso.
    Escusa de responder porque a partir daqui acabou o troco.
    José

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  6. Não será certamente uma ordem sua que me impedira de responder.Pode não ler,certamente pertence mais ao grupo dos que queimam livros que dos que os leem.Idiotas uteis ?Talvez melhor que ignorantes inuteis mas compreendo ser talvez muita complicação para quem gosta de arrumar as gavetas e as coisas bem arrumadas em cada uma delas.Quando não cabem é só aplicar a pena de morte.Olhe que matar todos os muçulmanos do mundo é obra!Provavelmente pensa que são aí uma centenas não?E os judeus? E cristão comunistas? Hindus idotas uteis?Tenha calma e paciencia.leia,reflita um pouco,converse com pessoas diferentes do seu grupo de imbecis.Será um bom exercicio e vai ver que não custa nada.De qualquer modo acho muito bem que vá para o exercito e ou melhor volte para lá.

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