sábado, 5 de novembro de 2016






 
impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
 
 
# 89 - BRANFORD MARSALIS
 

 
Composto de individualismo e de colectivismo, em proporções que cada músico saberá ou tentará afinar, o jazz não propiciou que nele se afirmassem muitas genealogias familiares. De notável memória houve os irmãos Jones de Detroit (Hank, o pianista, Thad, trompetista e Elvin baterista); um pouco menos populares os Heath (Percy, o contrabaixista companheiro de Miles Davis, Jimmy, o saxofonista e Albert, baterista) e refira-se ainda o par de Adderleys: Julian “Cannonball”, que voa altíssimo com o seu saxofone em “Kind of Blue” e Nat, trompetista, mais comedido e escudeiro do irmão. Todavia a família cujos laços mais se evidenciaram em torno do jazz foram os Marsalis de Nova Orleães.
Se Wynton desde cedo revelou um comprometimento com o jazz de quem se crê possuído por um sentido de missão e encabeçou de forma animosa o movimento de restauração, no início dos anos 60, contra o jazz de fusão e, colateralmente, adverso ao free jazz, já Branford, o primogénito, também desde de sempre exibiu uma atitude bem diferente. Dele é uma pose desprendida e profissional, sem os fervores e as angústias existenciais, concomitantes aos artistas que procuram a superação ou, até mesmo, o transcendente. Como não fazia do jazz um sacerdócio, em 1985 Branford participou no álbum “The Dream of the Blue Turtles” do cantor pop Sting que teve algum destaque nos Grammy’s desse ano, mas, sobretudo, ofendeu a intransigência do seu irmão que com ele cortou relações durante um largo período.
 
O aspecto fleumático de Branford transfere para uma competência técnica, que nota a nota roça a perfeição, todos os seus créditos artísticos. Ora esta conduta, que tudo tem para se incompatibilizar com a essência emocional do jazz e, pior, para ser entendida como o insuportável pedantismo dos virtuosos, aqueles que substituem o nervo pela racionalização, tornou-se a marca original do estilo de Branford Marsalis. Não que ele fosse inteiramente bem acolhido e julgado, pois o seu risco maior é o equívoco, mas o tempo ajudou a dar-lhe perspectiva e apreço.
 

 
Metamorphosen
2009
Marsalis Music - CDMARS0011
Branford Marsalis (saxofone alto, soprano, tenor); Joey Calderazzo (piano), Eric Revis (contrabaixo), Jeff "Tain" Watts (bateria).
No cúmulo de um quarto de século de carreira Branford Marsalis creu que as dúvidas se dissipariam com o disco “Metamorphosen”. Houvesse um acorde despropositado e esta música redundaria num mostruário de habilidades. Mas foi precisamente a sua elegância, perícia e certeza que deixou parte dos apreciadores reticente e outra parte de sobreaviso. É um velho paradoxo que tem alimentado as discussões sobre o jazz – cada vez mais sorumbáticas, por falta ou cansaço de interlocutores – a de conceituar o erro não como uma contingência, mas como parte substancial do acto criativo, porque a espontaneidade, ou seja, o clarão do instante, é tão precioso como a precisão, ou seja, a sabedoria.
“His band attaining new levels of refinement, not transformation”, acertou um recenseador crítico de “Metamorphosen”, intrigado com o título. Um quarteto agregado há mais de um década demonstrava aqui que no jazz o colectivo é o espaço privilegiado para o individual se expressar, não só como instrumentista mas também enquanto autor. Ao par de composições entregue por cada um dos elementos, o repertório de “Metamorphosen” iluminou-se com o difícil mas eloquente “Rhythm-A-Ning” de Thelonious Monk. É, portanto, possível concluir que Branford Marsalis e os seus camaradas de armas, ao cabo de tantos trabalhos, se tenham descoberto como borboletas a libertarem-se da crisálida.
 
 
José Navarro de Andrade


1 comentário:

  1. Wynton Marsalis nasceu em 1961, portanto deve com certeza ter iniciado o movimento de regeneração contra o jazz de fusão (ele proprio posterior, de resto, se não estou em erro) bastante mais tarde. Não querera dizer antes "no inicio dos anos 80" ?

    Boas

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