segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Ericeira, 1944.

 
 
Fritz Teppich (1918-2012)
 
 
 
Antigo combatente na Guerra Civil espanhola, Fritz Teppich foi um exilado de guerra alemão (ver também aqui). Ao chegar a Portugal, envolvido em mil peripécias, é detido pela PVDE e preso no Aljube, onde conhece o dirigente comunista Joaquim Pires Jorge. Depois, será transferido para a Ericeira, em regime «aberto», sendo aí que assiste ao fim da 2ª Guerra, como podemos ler no seu interessantíssimo livrinho de memórias, Um Refugiado na Ericeira, publicado pela Editora Mar de Letras em 1999, com prefácio de David Evans. Ver aqui a notícia da sua morte.
 
 
O Fim da Guerra Visto da Ericeira
 
Em Portugal, no Inverno de 1942/43, nós, exilados, acompanhámos durante semanas angustiantes a batalha incerta de Estalinegrado, uma super-Verdun. Quando finalmente já não havia dúvida quanto à vitória do Exército Vermelho de Libertação, os nossos receios transformaram-se em alegria transbordante.
         Seguimos todo o desenrolar dos acontecimentos na segunda metade de 1944 e Primavera de 1945, ainda no exílio seguro da Ericeira. Derrotadas, as tropas do Reich foram repelidas pelos russos e também pelos aliados ocidentais que em Junho de 1944 tinham desembarcado no Norte da França. Mas corriam notícias preocupantes – na sua fuga, os bárbaros reforçavam as suas acções de extermínio. Auschwitz começou a tornar-se um conceito. Nem sequer nós, prevenidos, tínhamos pensado que outros alemães fossem capazes de tais actos.
         Em Portugal reinava a indignação. A Legação alemã ainda procurou contrapor a isto uma autêntica inundação de iniciativas culturais. Em Março de 1944, o proeminente Carl-Friedrich Von Weizsäcker brilhou nas Universidades de Lisboa, Coimbra e Porto com conferências sobre “Física Atómica e Filosofia”. Em Maio, seguiu-se o famigerado especialista em Direito Político, Carl Schmitt, que falou sobre “A Situação Actual da Jurisprudência”, bem como sobre outros temas que lhe serviam para dar uma imagem manipulada do III Reich como Estado de Direito. Um grande número de intelectuais alemães deixou-se levar nesta ofensiva de dissimulação. Entre eles, os Professores K. Vossler, H. Lautensach, W. Andreas, G. Gadamer, E. Schultze, W. Stepp, E. G. Nauck, H. Runge, H. Haubold e W. Rudorf. Em 21 de Janeiro de 1944, fora inaugurada em Lisboa a sede do Instituto de Cultura Alemã. Em Fevereiro, realizara-se em Lisboa e, logo a seguir, no Porto uma exposição de Arte alemã; em Junho um concerto em honra de Richard Strauss, etc., etc. No número inaugural da sua Revista, o Instituto de Cultura Alemã dá-nos conta da intensa actividade que desenvolveu nesse período de 1943/44.
         Longe de Portugal, em breve os acontecimentos precipitaram-se. O exército soviético tinha avançado centenas, milhares de quilómetros. Libertara Auschwitz e outros campos de concentração, repelira os exércitos nazis dos estados a leste e a sudeste. Finalmente, as forças soviéticas estavam às portas de Berlim, enquanto as forças ocidentais tinham já atravessado o Reno. No rio Elba, na Alemanha Central, era a confraternização dos libertadores que se encontravam, vindos do Leste e do Oeste. Por toda a parte surgia a esperança em melhores tempos de paz. E nós continuávamos ainda na Ericeira.
         Naquele lugar acolhedor, batido pelo Atlântico, vivi o fim da guerra. Pouco a pouco, foi chegando ao conhecimento da maior parte de nós que os seus familiares, que tinham ficado nos países da Europa Central ou Oriental ocupados pelos alemães, haviam acabado nas câmaras de gás, fuzilados, assassinados. A Cruz Vermelha Holandesa escreveu-me a comunicar que a minha mãe Gertrud Teppich, o meu irmão mais novo Helmut, bem como tias, tios e muitos outros parentes, que antes da guerra tinham encontrado asilo na Holanda, foram vítimas do extermínio em massa. A dor provocada pelo fim horroroso de todos eles não me larga.
 
(Continua)  



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