quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O Jorge mais Amado.


 
 
 
 
Confesso que fiquei danado por este livro só ter surgido agora nas livrarias, passado o Verão. Porque melhor companhia de praia não haveria, a biografia de um Jorge tão amado, tão bem investigado num livro gordo, mas não flácido.  
Confesso que quando li as primeiras linhas fiquei alarmado, pois, como bem notou o meu amigo António Cabral, sempre arguto, elas podiam indiciar erro gravíssimo da autora, que parecia imputar a Salazar a expulsão dos jesuítas de Portugal. Relido o parágrafo, talvez seja o modo de escrita, lá não se diz, preto no branco, tamanha enormidade histórica.
O que do livro se percebe, entre tanta coisa, foi a absoluta centralidade da militância comunista na vida e obra de Jorge Amado, e que essa militância esteve a ponto de fazer perder um grande, enorme escritor (isso também ressalta, e muito, na correspondência trocada com Zélia, livro maravilhoso publicado há um par de anos pelos filhos do casal). Foi essa militância, é certo, que em larga medida o lançou e projectou no mundo, e não fora isso Jorge seria apenas um escritor brasileiro, de timbre regionalista. A autora não carrega muito nessa tecla, mas devia, como devia ter falado mais na veneração patética de Jorge Amado por José Estaline. Transcrevem-se alguns trechos do execrando O Mundo da Paz, não os mais pornográficos. Salvou-se Jorge através da lenta dissidência, mais precoce que a da mulher Zélia, precipitada pelo relatório Krutchev ao XX Congresso, cuja leitura fez verter lágrimas a outra lenda do comunismo tropical, Carlos Marighella. Curiosa é a fatwa que o Partido Comunista lançou sobre Jorge Amado quando ele deu sinais de tímido desalinho, e logo lhe foi dito que seria liquidado como escritor, que dentro de meses a força do Partidão faria com que não mais ouvissem falar dele. Justo o oposto: escreveu o estrondoso Gabriela, foi feito imortal na Academia das Letras, o melhor da sua produção esteve aí, na fase da maturidade (excepção feita ao grande Jubiabá, de tempos mais recuados).
Portugal aparece de quando em vez, pela voz de Ferreira de Castro e Alves Redol. Mas, até por isso, teria sido útil buscar apoio num livrinho que Álvaro Salema escreveu só sobre a presença de Amado na nossa terra. Mas isso são pecadilhos menores, talvez não tão menores assim para quem se recorda de Jorge Amado no Tivoli ou às mesas das Mimis do Parque Mayer (restaurante Amadora), a que tanto fui com meu Pai. Várias vezes o vi lá, na companhia de Beatriz Costa. Ou de Alçada Batista.  
Numa temporada em Paris, na junto com o Miguel, por pensões de turcos e putas nas cercanias da Gare du Nord, quando éramos muito pobres e muito felizes, como diz Hemingway em A Moveable Feast, avistámos Zélia e Jorge, nas escadarias do Sacré-Coeur, a contemplar o entardecer. Eu trazia um livro comprado turisticamente na Shakespeare & Co., Paris! Paris! de Irwin Shaw, e lembrei-me de pedir-lhe um autógrafo logo ali, nas páginas de livro alheio. Jorge assinou, pois claro, mas só agora soube que tinha por hábito sentar-se ali, a cidade desenrolada a seus pés como uma tapeçaria de um bazar oriental. Julgava-o visitante ocasional, como eu. Mas não, Jorge era assíduo do Sacré-Coeur.
Essas e outras novas são dadas por este livro, excelente, que doravante figurará como a grande biografia, há tanto tão aguardada, de Jorge Amado, do nosso tão amado Jorge.
 





 
 

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