sábado, 10 de outubro de 2020

A mosca.

 



Moscas há muitas, mas só algumas são notícia. As mais espertas sabem como atrair os holofotes. Conhecem os truques todos – como o de incluir na mira de voo a presidência dos Estados Unidos da América. Ascendem então vertiginosamente ao estrelato, fazendo-se enxotar com elegância e graciosidade irreal por um incumbente; ou aderindo com eficácia de ventosa à testa de um aspirante, com a familiaridade que se tem perante velha matéria conhecida.

Porém, quanta mosca anónima merecia sair da obscuridade.  Há todo um mundo por descobrir, como conta a Musca Domestica do “Insektarium” de Berit Johansen, ou o Diário de uma Mosca do “Mikrokosmos” de Béla Bartók.

Há ainda sortes piores que a do anonimato, como ser-se até tomado por outrem e não merecer sequer o simples reconhecimento correto da identidade de inseto. É o que acontece com o famosíssimo Voo do Besouro da ópera “O Conto do Czar Saltan”, de Rimsky-Korsakov, que na tradução portuguesa acabou, sem apelo nem agravo, como o Voo do Moscardo.  

A atenuante é que, errando na letra, acertou no espírito, pois o zumbido do moscardo, quanto a mim, é muito mais irritante, vingativo e epicamente enlouquecedor – como se quer no personagem da história -- do que o do fofinho e rechonchudo himenóptero.  

Tudo isto é triste, razão pela qual se encerra este capítulo com A Morte do Senhor Mosca, de Eric Satie.



Manuela Ivone Cunha




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